A INOVAÇÃO LEGISLATIVA DO ARTIGO 25, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL: A ATUAÇÃO DO AGENTE DE SEGURANÇA PÚBLICA NA LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO

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O artigo aborda os principais aspectos teóricos acerca do instituto da legítima defesa aplicada às hipóteses de agentes de segurança pública que atuam para repelir agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a a prática de crimes.

A INOVAÇÃO LEGISLATIVA DO ARTIGO 25, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL: A ATUAÇÃO DO AGENTE DE SEGURANÇA PÚBLICA NA LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO

THE LEGISLATIVE INNOVATION OF ARTICLE 25, SOLE PARAGRAPH, OF THE PENAL CODE: THE ROLE OF THE PUBLIC SECURITY AGENT IN THE LEGITIMATE DEFENSE OF A THIRD PARTY

 

                                                                                                                  Bárbara Angélica G. Barbosa[1]

                                                                                                                             Tarsis Barreto Oliveira[2]

 

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo abordar os principais aspectos teóricos acerca do instituto da legítima defesa aplicada às hipóteses de agentes de segurança pública que atuam para repelir agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Palavras-chave: legítima defesa; agente de segurança pública, inovação legislativa.

 

ABSTRACT

This article aims to address the main theoretical aspects about the institute of self-defense applied to the cases of public security agents who act to repel aggression or risk of aggression to a victim held hostage during the commission of crimes.

Keywords: legitimate defense; public security agent, legislative innovation.

 

1. INTRODUÇÃO

 

Defender-se de agressões injustas faz parte do instinto de sobrevivência do ser humano, o que torna inviável estabelecer um marco determinado para a concepção do instituto da legítima defesa. Há registros de sua evolução histórica como instituto jurídico, acompanhando a evolução da sociedade e dos seus sistemas jurídicos.

No Brasil, segundo reporta Almeida (2004, p. 1), ainda no período colonial as Ordenações Filipinas já regulamentavam o exercício da legítima defesa, em seu Livro Quinto, nos Títulos XXXV e XXXVIII. O título XXXV descrevia a possibilidade de excludente de ilicitude no caso de homicídio em que:

Qualquer pessoa, que matar outra, ou mandar matar, morra por ello morte natural. Porém se a morte for em sua necessária defensão, não haverá pena alguma, salva se nella excedeo a temperança, que deverâ, o poderá ter, porque então será punido segundo a qualidade do excesso.

Atualmente, o artigo 25 do Decreto Lei Nº 2.848, de 1940 (Código Penal), dispõe que entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. O fato típico praticado em legítima defesa é lícito, tendo em vista que o artigo 23, II, do mesmo diploma, aponta a legítima defesa como causa excludente de ilicitude.

Com o advento da Lei Nº 13.964, de 2019, o instituto ganhou nova nuance com a inclusão do parágrafo único no artigo 25 do Código Penal, prevendo que se considera também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Ocorre que, considerando os pressupostos legais para a configuração da legítima defesa já previstos no caput do artigo 25, surge o questionamento acerca da necessidade e eficácia da inovação legislativa trazida no parágrafo único, razão pela qual o presente artigo buscará analisar aspectos teóricos dessa hipótese acrescida ao texto da lei.

 

2. DESENVOLVIMENTO

 

O artigo 25 do Código Penal traz como pressupostos para a caracterização da legítima defesa os seguintes requisitos cumulativos: que a agressão seja injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, e que a reação se dê com os meios necessários e de forma moderada. Ausentes quaisquer desses requisitos, o ato será considerado antijurídico.

Por agressão injusta se entende a agressão de natureza ilícita, ou seja, contrária ao direito; podendo ser dolosa ou culposa. É prescindível, para tanto, que haja tipificação penal da conduta, sendo suficiente que o agredido não esteja obrigado a suportá-la.

Já em relação à contemporaneidade, é possível agir em legítima defesa para coibir agressão atual ou iminente, pois não seria razoável exigir que o indivíduo suportasse a agressão para, só então, defender-se. Iminente é a agressão prestes a acontecer, ou seja, que se torna atual em um futuro imediato.

Com base no princípio constitucional da solidariedade, o Código Penal admite a legítima defesa de qualquer bem jurídico, ainda que pertencente a terceiro. Neste sentido, a reação pode atingir, inclusive, o titular do bem jurídico protegido, quando este o expuser a agressão ou risco de agressão.

O indivíduo deverá utilizar-se dos meios necessários à sua defesa disponíveis ao momento da agressão. Neste ponto, cabe ressaltar que o instituto da legítima defesa não tem o condão de servir como espécie de punição, devendo a reação se concretizar da maneira menos lesiva possível.

Se o meio utilizado for desnecessário, o agredido incorrerá em excesso, doloso, culposo ou exculpante (sem dolo ou culpa), conforme o caso.

Da mesma forma, os meios necessários devem ser utilizados de maneira adequada, em medida suficiente para afastar a agressão injusta. Trata-se de valoração subjetiva, baseada no perfil do homem médio, que baliza o comportamento do agredido com o de um ser humano de inteligência e prudência comuns à maioria da sociedade. Para Nélson Hungria, o emprego moderado dos meios necessários à defesa do agredido deve ser feito objetivamente, mas sempre caso a caso, segundo o critério de relatividade ou um cálculo aproximado.

Embora não haja previsão expressa no Código Penal, a doutrina e a jurisprudência se firmaram no sentido de que na legítima defesa também deve haver proporcionalidade entre os bens jurídicos envolvidos. Sob pena de configuração de excesso, o bem jurídico atingido na defesa deve ser de valor igual ou superior ao inicialmente agredido.

Cunha (2020, p. 337-338), por sua vez, defende que a proporcionalidade deve ser observada não entre os bens jurídicos envolvidos, mas entre as condutas de agressão e defesa. Para o citado autor, não há escala de valor entre os bens em conflito, nem há direito que se deva admitir violado sob o pretexto da maior relevância do direito do agressor.

Após a alteração trazida pela Lei Nº 13.964/2019, o artigo 25 passou a contar com parágrafo único, dispondo que: Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Ou seja, o ordenamento jurídico agora prevê uma hipótese especial de legítima defesa, que se difere da comum pelo sujeito ativo, pelo titular do bem jurídico protegido e pelo aspecto temporal da agressão.    

Quanto ao sujeito ativo, o texto fala expressamente em agente de segurança pública, referindo-se ao rol taxativo previsto no artigo 144 da Constituição Federal. São agentes de segurança pública: servidores públicos integrantes dos quadros da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Ferroviária Federal, da Polícia Civil, da Polícia Penal, da Guarda Municipal e da Força Nacional de Segurança Pública.

O titular do bem jurídico defendido por esta modalidade especial de legítima defesa, por sua vez, é o terceiro, vítima de crime, que esteja sendo mantido refém; ou seja, que, de alguma forma, tenha restringida sua liberdade de locomoção.

Em relação ao aspecto temporal, a legítima defesa prevista no caput do artigo 25 exige que a agressão seja atual (imediata) ou iminente (prestes a ocorrer); enquanto a inovação trazida no parágrafo único permite também a legítima defesa diante do risco de agressão, ou seja, da verificação de possibilidade concreta de que a agressão venha a ocorrer num futuro muito breve, em razão da restrição da liberdade de locomoção da vítima. Neste ponto:

Importa frisar: os direitos concedidos pela legítima defesa devem ser estritamente excepcionais, uma vez que a gravidade da situação justificante sobre a vítima torna tênue o limite entre o lícito e o ilícito, entre o que pode ser considerado uma defesa necessária e proporcional de um direito e o que pode caracterizar uma antecipação, ou reação abusiva e desmoderada exercida pelo próprio ofendido. Nesse contexto, a possibilidade de uma legítima defesa antecipada (ataque preventivo), regida por uma lógica de guerra, é uma previsão atentatória à proporcionalidade e mesmo à segurança jurídica. (MONTEIRO, CHAVES; FERRAZ (on line)

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Analisados os aspectos especiais trazidos pela Lei Nº 13.964/2019, cumpre ressaltar que os demais requisitos previstos no caput do artigo 25 do Código Penal devem ser igualmente observados pelos agentes de segurança pública, ainda que configurada a hipótese do parágrafo único. Neste sentido:

O agente de segurança pública, embora autorizado a repelir a agressão ou risco de agressão à vítima feita refém, não se exime de agir com moderação, empregando somente os meios necessários, sob pena de incorrer em excesso punível. A aferição do excesso deve ser efetuada a partir do cenário ex ante, isto é, considerando os dados objetivos que estavam à disposição do agente de segurança pública no momento de sua reação, e não ex post, vale dizer, depois de encerrada a ação policial, quando então ficam evidenciadas todas as variáveis. (ESTEFAM, 2020, p. 313)

Como já mencionado, a legítima defesa pode recair tanto sobre bens jurídicos próprios, como sobre bens jurídicos de terceiros. Na hipótese de reação de agentes de segurança pública para repelir agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes, além da legítima defesa, há doutrinadores que entendem estar presente também a excludente de ilicitude do estrito cumprimento de dever legal, tendo em vista que eles têm como dever precípuo a defesa da vida, integridade e incolumidade dos cidadãos.

Sendo a vida o bem jurídico mais relevante de todos, o agente de segurança pública, nesta situação, deve agir independentemente de pedido ou autorização de quem está sendo agredido ou corre o risco de sê-lo. Para Cunha (2020, p. 337-338), a legítima defesa de terceiro não depende de sua autorização, desde que, evidentemente, o bem jurídico que se pretende defender seja indisponível, como a vida.

Desta forma, é possível concluir que, ainda quando ausente a previsão do parágrafo único do artigo 25 do CP, a ação de um agente de segurança pública em defesa de terceiro mantido como refém durante a prática de um crime se encaixava perfeitamente no instituto da legítima defesa de terceiro, previsto no caput do artigo, vez que cumpridos os requisitos objetivos, e desde que observado também o requisito subjetivo.

Sendo assim, a opção do legislador de inovar acrescentando expressamente esta hipótese ao Código Penal se mostra mais como uma medida de política criminal, objetivando garantir maior segurança jurídica à atuação dos agentes de segurança pública nos casos de legítima defesa de terceiros mantidos como reféns durante a prática de crimes.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Após breve análise acerca do instituto jurídico da legítima defesa, previsto no caput do art. 25 do Código Penal, perpassando pelo estudo de seus requisitos, é possível concluir que a alteração legislativa promovida pela Lei Nº 13.964/2019, acrescentando em forma de parágrafo único uma hipótese especial de legítima defesa ao ordenamento jurídico, trata de medida de política criminal que visa garantir maior segurança jurídica à atuação dos agentes de segurança pública nos casos envolvendo agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Não se trata, portanto, de verdadeira inovação legislativa, mas de uma reafirmação de situação já contemplada pelo ordenamento e pacificamente aceita na doutrina e jurisprudência pátrias como exemplo de legítima defesa de terceiro. A medida se mostra mais como uma política de proteção à atuação policial que, em decorrência dos excessos comumente ocorridos, é constantemente questionada pela sociedade civil.

 

REFERÊNCIAS

 

ALMEIDA, Cândido Mendes. Código Filipino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal. Tomo I. Ed. fac-similar da 14. ed., 2ª a 1ª,1603, e a 9ª, de Coimbra, 1821. Brasília: Senado Federal, 2004, p. 1.184.

ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral: arts. 1º a 120. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral: arts. 1º ao 120. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2020.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penalv. 1, 3. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958.

MANGO, Andrei Rossi. Análise do instituto da legítima defesa: da evolução histórica ao excesso. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/analise-do-instituto-da-legitima-defesa-da-evolucao-historica-ao-excesso/#_ftnref6. Acessado em 25/06/2022.

MONTEIRO, Luan de Azevedo; CHAVES, Sabrina Ribeiro; FERRAZ, Hamilton Gonçalves. A legítima defesa no projeto anticrime: considerações críticas preliminares. Disponível em: https://arquivo.ibccrim.org.br/boletim_artigo/6336-A-legitima-defesa-no-projeto-anticrime-consideracoes-criticas-preliminares. Acesso em 06.07.22.

Sobre os autores
Tarsis Barreto Oliveira

Doutor e Mestre em Direito pela UFBA. Professor Associado de Direito da UFT. Professor Adjunto de Direito da UNITINS. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Membro do Comitê Internacional de Penalistas Francófonos e da Associação Internacional de Direito Penal.

Bárbara Angélica G. Barbosa

Advogada. Pós-Graduanda em Ciências Criminais pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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