O Princípio de não produzir provas contra si mesmo e seus desdobramentos no direito processual penal

14/07/2022 às 16:42
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Neste artigo, será abordado acerca dos princípios e garantias constitucionais trazidos pela Constituição da República em 1988, como reformulação do Código de Processo Penal de 1940. Será possível identificar, as principais mudanças ocorridas e a suma impo

FACULDADE ÚNICA DE IPATINGA

PAULO CLÁUDIO PEREIRA SAMPAIO

O Princípio de não produzir provas contra si mesmo e seus desdobramentos no direito processual penal

BELO HORIZONTE MG

2019

FACULDADE ÚNICA DE IPATINGA

PAULO CLÁUDIO PEREIRA SAMPAIO

O Princípio de não produzir provas contra si mesmo e seus desdobramentos no direito processual penal

Artigo Científico Apresentado à Faculdade Única de Ipatinga - FUNIP, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito Penal e Processual Penal.

BELO HORIZONTE MG

2019

O Princípio de não produzir provas contra si mesmo e seus desdobramentos no direito processual penal

Paulo Claudio Pereira Sampaio[1]

RESUMO

Neste artigo, será abordado acerca dos princípios e garantias constitucionais trazidos pela Constituição da República em 1988, como reformulação do Código de Processo Penal de 1940. Será possível identificar, as principais mudanças ocorridas e a suma importância de o acusado ser dotado de direitos e garantias, desde a fase pré-processual até o trânsito julgado. Em especial, o artigo traz à tona o princípio de não produzir provas contra si mesmo e casos onde é possível praticá-lo, sem causar prejuízo ao réu.

Palavras-chave: Processo Penal. Prova Contra Si Mesmo. Presunção De Inocência. Silêncio. Devido Processo Legal.

1 Introdução

A fim de demonstrar a importância do tema em voga, é mister salientar que, o Código de Processo Penal é vigente desde 1940, onde contém traços da ação processual italiana, com fortes características como a presunção da culpabilidade, onde o processo penal era apenas um instrumento de aplicação de penalidades.

Nesta época, o Código de Processo Penal era exclusivamente utilizado com primazia de punição, uma vez que o réu era acusado, o mesmo seguiria preso até sua condenação.

Trata-se, portanto, de uma primeira instancia que utilizava o sistema inquisitivo [2]e não apresentava os princípios constitucionais atuais, como o princípio de Não Produzir Provas contra si mesmo Nemo Tenetur se detegere, do qual será tratado neste presente trabalho.

Em linhas gerais, pode-se falar que com a chegada da Constituição da República em 1988, o Código de Processo Penal precisou ser reestruturado e adequado ao rol de direitos e garantias fundamentais presentes na Carga Magna.

Neste viés, o Código de Processo Penal passa a ser um legislação infraconstitucional. Isso significa que, se há uma norma infraconstitucional anterior a Constituição da República, e esta entra em desarmonia com o texto constitucional, não será recepcionada pela ordem constitucional.

O Direito Processual Penal luz ao Direito Constitucional, traz características importantes acerca do Código Processo Penal; como a retirada da presunção de culpabilidade.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;[3]

O processo penal deixa de ser punitivo e passa a ser instrumento de efetivação de Direitos e garantias constitucionais.

2 Artigo 5º da CR/1988 e os princípios processuais penais

No que tange as garantias trazidas pela Constituição da República de 1988, os princípios previstos no rol do artigo 5º da Carga Magna norteiam a aplicabilidade do processo penal, sendo estes, o devido processo constitucional, juiz natural, ampla defesa e contraditório, estado de não culpabilidade, vedação da prova obtida por meios ilícitos, proporcionalidade, não produzir provas contra si mesmo e duração razoável do processo.

 Carta Magna, passou a ser usada a denominação de presunção de não culpabilidade, haja vista que na Constituição Federal não é usada a expressão inocente, e, sim, que ninguém será culpado. A Constituição é bem clara, ao dizer que somente o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, poderá afastar o estado inicial de inocência que todos gozam, de acordo com Renato Brasileiro de Lima (2014).

Diante o exposto da citação anterior, denota-se o princípio da não culpabilidade do réu, o oposto do que trazia o Código Processo Penal de 1940, exemplificando o grau de importância das garantias constitucionais.

Assim, cabe mencionar que o devido processo legal é responsável por garantir que ninguém seja privado de sua liberdade sem que passe pelo devido processo, desta forma, partindo da premissa que não há culpado até que seja condenado em trânsito julgado.

Notório é apresentar o princípio de vedação de prova obtida por meios ilícitos, mas para esta premissa é necessário entender o que é prova ilícita e o que é prova ilegítima.

Sendo, prova ilícita, aquela produzida por meios ilegais, havendo portanto, violação da norma de direito material. Prova ilegítima é aquela em que no momento que é apresentada, viola regra do direito processual, é verdadeira, porém o momento em que foi apresentada, não se permitia inserção de provas.

Não obstante, tratar do princípio da duração razoável do processo, não menos importante que os demais, através da ementa nº 45 de 2004.

O Estado, desde o momento em que proibiu o exercício da autotutela, assumiu o dever de solucionar os conflitos, garantindo àquele que busca sua intervenção o mesmo resultado que seria obtido pelo emprego da força. Do mesmo modo, ele assumiu o "grave dever de prestar aos cidadãos aquilo que denominamos adequada tutela jurisdicional" (MARINONI e ARENHART, 2005, p. 65).

Este princípio surge com a necessidade atual do Estado de garantir a solução de conflitos, e o aumento da demanda deles, de forma que o processo seja o mais célere possível.

Assim, reduz o tempo na tramitação processual, a Emenda Constituição n. 45, de 08 de dezembro de 2004, intitulada "Reforma do Judiciário", inseriu, expressamente, no artigo 5º da Constituição Federal, o inciso LXXVIII, prescrevendo que "a todos são assegurados, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (BRASIL, 2010b).

3 Princípio Nemo Tenetur se Detegere

Trazendo o princípio Nemo Tenetur se Detegere [4]de forma unilateral, uma vez que trata-se do objetivo principal deste artigo, a expressão em latim, significa que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.

Uma vez que o aplicador da justiça não poderá obter provas através da auto incriminação, do réu produzir provas ao seu desfavor, podendo exercer durante a fase pré-processual e processual do processo penal, manter-se em silêncio.

Sendo assim, o órgão acusatório deverá provar durante o curso do processo, todas os fatos que foram alegados na fase pré processual para instauração do mesmo.

O direito de não produzir provas contra si mesmo, é arrolado no artigo 5º, LXIII e no Pacto de San José da Costa Rica, Artigo 8º, alínea g, in verbis, direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Através deste princípio, fica proibido qualquer coação que seja utilizada a fim de obter provas ou confissões, podendo ser configurado crime de tortura por parte da autoridade policial.

É com base neste princípio que ninguém é obrigado a se submeter a exame de DNA, ao aparelho de bafômetro, ceder sangue para qualquer exame laboratorial e participar de reconstituição de crime.

3.1 Submeter a Exame de DNA para teste de paternidade

Tratando-se de paternidade, é comum juristas solicitarem que seja realizado o exame de DNA[5] para confirmação da paternidade alegada a fim de determinar guarda, pensão alimentícia e outras questões ligadas ao parente biológico.

Apesar da Súmula nº 301 do STJ Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade., o mesmo fere o princípio constitucional de não produzir provas contra si mesmo, não podendo assim, ser utilizada pelos juristas.

Não obstante, recebido o pedido judicial para realizar o exame, o réu não é obrigado a fazê-lo e neste caso, havendo a recusa do mesmo, não poderá o juiz, em sua discricionariedade, confirmar a paternidade do mesmo, através da ausência de provas. Isto ocorre, através do princípio de não produzir provas contra si mesmo.

Para que haja a presunção da paternidade sem o exame de DNA, é necessário que resulte de provas trazidas pela parte autora acerca do vínculo com o réu.

3.2 O teste do Bafômetro

Recusar a submeter-se ao teste do bafômetro é uma das mais polêmicas situações atuais. Partiu-se disso, desde a Lei 11.705/2008, popularmente conhecida como Lei Seca, onde o condutor que for parado em uma operação da Lei Seca, será submetido ao teste do bafômetro, que acusando qualquer quantidade de álcool no organismo do condutor, será considerado infração de trânsito e poderá ser detido, com pagamento de multa estabelecida por lei. Em casos específicos, o condutor poderá ter sua carteira de habilitação suspensa por 12(doze) meses.

O teste do bafômetro é usado pelos órgãos de trânsito para confirmação de álcool no organismo do condutor, sendo feito através do ar expirado pela boca do condutor, que é originário dos alvéolos pulmonares, segundo explica o próprio Código de Trânsito.

Em detrimento ao teste, o condutor poderá negar-se de realiza-lo, através do princípio de não produzir provas contra si mesmo, sendo a recusa uma garantia constitucional.

No entanto, o mesmo poderá ser conduzido e autuado, caso a autoridade policial, dotada de fé pública, note sinais de embriaguez com o mesmo. Sendo mister esclarecer que, em hipótese alguma, ele poderá ser conduzido apenas pelo fato da recusa do teste.

4 Testemunhas e vítimas e o princípio Nemo Tenetur se Detegere

Quando uma pessoa é testemunha em um processo penal, a mesma não poderá se recusar a prestá-lo, no entanto, a testemunha poderá exercer o direito de permanecer em silêncio e não produzir nenhuma prova contra si mesmo, estendendo-se às vítimas do processo penal.

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Nesta situação, a testemunha que não o fizer, não estará cometendo crime de falso testemunho, pois não houve prática de ato ilícito. Nos depoimentos para inquérito policial, caso alguma pergunta ocasione uma resposta que possa lhe incriminar, o convocado terá o direito de permanecer em silêncio, o que difere, de mentir, uma vez que tem o dever de dizer a verdade.

4.1 Jurisprudência -Caso nº 0000677-61.2012.8.26.0664, em trâmite no TJSP

O caso nº 0000677-61.2012.8.26.0664, em tramitação na 2º Câmara Criminal Extraordinária do Tribunal de Justiça de São Paulo, absolveu duas pessoas que foram condenadas por crime de falso testemunho. A corte julgou improcedente a sentença, através da aplicação do princípio Nemo Tenetur se Detegere.

O desembargador Eduardo Adballa, relator do caso, elaborou o seguinte parecer;

a Constituição Federal tutela o nemo tenetur se detegere  direito de não produzir prova contra si mesmo uma vez que, no art. 5º, LXIII, garante ao preso direito ao silêncio, sem que isso lhe importe consequências jurídicas. E o Código de Processo Penal endossa expressamente essa garantia, no art. 186. Dessa forma, os acusados foram absolvidos.

Nesta premissa, o fato das testemunhas não terem confessado a autoria do crime para aqueles que haviam sido presos em flagrantes, mesmo tendo ciência do fato e da participação, não configurou ilícito penal.

CONCLUSÃO

Em virtude dos fatos mencionados, o Direito de Processo Penal tem seu aspecto arcaico, devido ao tempo em que fora formulado, e ao mesmo tempo, possui nova interpretação à Luz da Constituição da República de 1988, que trouxe um rol taxativo de garantias constitucionais, sendo dever do Estado garantir que todos os cidadãos tenha seus direitos assegurados.

Com relação ao princípio Nemo Tenetur se Detegere, o acusado, testemunhas e vítimas não são obrigados a produzir provas contra si mesmo, podendo exercer em qualquer momento do trâmite pré-processual e processual, o direito de manter-se em silêncio.

Acerca da aplicabilidade deste direito, temas polêmicos como a recusa do exame de DNA e teste do bafômetro, foram esclarecidos como permissíveis e impossibilitados de ser presumido a culpabilidade através da recusa do mesmo.

Noutro giro, é cabível mencionar que vivemos em um Estado, com altos índices de criminalidade e processos penais arrolados para decisão, no entanto, o princípio da duração razoável do processo, é responsável, por trazer a tramitação de forma o mais célere possível, a fim de efetivar o dever do Estado perante aos cidadãos.

Em suma, os princípios do Direito Processual Penal consagra grande relevância a todos, se estendendo a toda esfera jurídica do acusado e ao sistemas de produção de provas a partir deste princípio.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 35. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006FEITOZA, Denilson. Reforma Processual Penal. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 33

Organização dos Estados Americanos, Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica), 1969.

Código de Processo Penal. decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 22 jan 2019, 08:02:00.

BIBLIOGRAFIA: CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 20º edição. São Paulo: Editora Saraiva.

QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal). São Paulo: Saraiva, 2003.

Sobre o autor
Paulo Claudio Pereira Sampaio

Servidor público do Estado de Minas Gerais. Há 14 anos atuando na segurança pública, possui formação em Gestão Ambiental, especialista em Administração pública, Gestão do Sistema Prisional, Direito Administrativo, Direito Penal e Processual Penal, Inteligência Policial, concluiu o Curso de Extensão Universitária em Segurança Multidimensional nas Fronteiras pela Universidade de São Paulo - USP e Instituto de Relações Internacionais, atualmente cursando MBA em Gestão Competitiva e Business Intelligence.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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