A CORREÇÃO JUDICIAL DE DECISÕES ORIUNDAS DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR POR DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E GARANTIAS INDIVIDUAIS

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A restrição das possibilidades de acesso à ampla produção de provas no âmbito do processo administrativo disciplinar pode caracterizar verdadeiro bullying defensivo – questão complexa a exigir do interessado redobrado cuidado para não prejudicar a defesa.

A CORREÇÃO JUDICIAL DE DECISÕES ORIUNDAS DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR POR DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E GARANTIAS INDIVIDUAIS

THE JUDICIAL CORRECTION OF DECISIONS FROM ADMINISTRATIVE DISCIPLINARY PROCEEDINGS FOR DISRESPECT OF THE DUE LEGAL PROCESS AND INDIVIDUAL GUARANTEES

 

                                                                                                                Sandalo Bueno do Nascimento[1]

                                                                                                                             Tarsis Barreto Oliveira[2]

 

RESUMO

A restrição das possibilidades de acesso à ampla produção de provas no âmbito do processo administrativo disciplinar pode caracterizar verdadeiro bullying defensivo questão complexa a exigir do interessado redobrado cuidado para não prejudicar a defesa uma vez que a imperiosa necessidade de se observar o devido processo legal, a regular formação do contraditório e a efetiva utilização da ampla defesa, asseguram respeito aos preceitos constitucionais e constituem meio de contingenciamento da proliferação de demandas desnecessárias, decorrentes dos abusos e excessos da Administração Pública, porquanto viabiliza o acesso, a agilização, o aprimoramento e o aperfeiçoamento da entrega da prestação jurisdicional, proporcionando a efetividade das decisões nos feitos judiciais, com prazo razoável de duração do processo e, principalmente, em homenagem e respeito aos direitos humanos.

ABSTRACT

The restriction of the possibilities of access to the ample production of evidence in the scope of the administrative disciplinary process may characterize true defensive bullying - a complex issue that requires the interested party to be doubly careful so as not to harm the defense - once the imperious need to observe the due legal process, the regular formation of the adversary and the effective use of the ample defense, ensure respect to the constitutional precepts and constitute a means of contingency for the proliferation of unnecessary demands, resulting from abuses and excesses of the Public Administration, as it makes possible the access, the agility, the enhancement and the improvement of the delivery of the jurisdictional provision, providing the effectiveness of the decisions in the judicial actions, with a reasonable term of duration of the process and, mainly, in honor and respect to the human rights.

 

1 INTRODUÇÃO

 

1.1 O poder disciplinar da Administração.

 

O poder disciplinar da Administração constitui a obrigação de punir, no âmbito interno, o servidor que praticar ato definido em lei como infração sujeita à sanção disciplinar, bem como outras pessoas que, porventura, estejam sujeitas à disciplina administrativa dos diversos órgãos da Administração. Todavia, obviamente, não se confunde com o jus puniendi estatal, exercido externamente na jurisdição criminal, voltada às pessoas que praticam infrações penais.

A infração administrativa pode ensejar o sancionamento criminal e administrativo pelo mesmo fato, pois toda condenação criminal por fato relacionado ao serviço público acarreta, geralmente, em sanção administrativa; no entanto, nem toda punição administrativa implica em condenação criminal.

A discricionariedade também é uma característica própria do poder disciplinar do administrador que decide a sanção a ser aplicada, desde que prevista em lei, segundo a conveniência e oportunidade, o que equivale a dizer que determinada infração administrativa não implica numa sanção específica, mas em uma das reprimendas previstas na Norma de Regência.

 

1.2 Condições para a imposição de sanção administrativa

 

A sanção administrativa pressupõe a observância dos princípios constitucionais que asseguram ao servidor o exercício do contraditório e da ampla defesa, contemplados no artigo 5º, inciso LV[3], da Carta Magna, tudo em respeito ao devido processo legal.

A motivação, igualmente, pode e deve ser considerada como condição imprescindível à imposição de sanção administrativa, demonstrando a existência do fato caracterizador da infração funcional, os motivos de sua prática e da punição a ser imposta, uma vez que o poder discricionário restringe-se à definição da sanção a ser aplicada, dentre aquelas previstas no ordenamento, mas, em hipótese alguma, poderá o administrador valer-se do livre arbítrio para punir injustificadamente.

Ao Poder Judiciário, quando acionado, cumpre analisar a legalidade do processo administrativo para a aplicação do poder disciplinar da Administração, sob o aspecto formal e jurídico, sem, contudo, adentrar na esfera discricionária reservada ao administrador na escolha da sanção.

 

2 Dos procedimentos para imposição de sanções administrativas disciplinares

 

A doutrina contempla três modalidades de procedimento para o sancionamento administrativo decorrente da prática de infrações administrativas praticadas por servidores públicos, a saber: a verdade sabida; a sindicância e o processo administrativo.

 

2.1 Da verdade sabida

 

Esse instrumento, também considerado procedimento, não é mais utilizado desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, por afrontar diretamente as garantias constitucionais consagradas nos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, mas, para ilustrar, convém rememorar que era uma espécie de procedimento sumaríssimo de imposição instantânea da penalidade administrativa, quando o servidor fosse surpreendido praticando uma infração administrativa ou logo após tê-la praticado.

Nesses casos, a penalidade era imposta no momento, como que em estado de flagrância pelo superior hierárquico, que tomava conhecimento imediato da infração praticada e, usando do poder disciplinar, instantânea e imediatamente aplicava a respectiva sanção.

Assim, quando o chefe de serviço surpreendia um servidor seu subordinado dormindo na repartição pública, considerando que ele próprio tomou conhecimento imediato da infração, também imediatamente poderia aplicar a sanção administrativa, sem qualquer oportunidade de defesa ao servidor tido por faltoso, o qual, mesmo que pudesse demonstrar sua inocência, verbi gratia, por ser diligente e assíduo, não faltar ao serviço, nem mesmo depois de ter ingerido medicamento capaz de causar sonolência, ainda que por prescrição médica, ficando assim privado de qualquer oportunidade de defesa, restando-lhe apenas a via recursal administrativa ou o acionamento da máquina judiciária para rediscutir a matéria.

Por tais razões, fica o registro, a partir promulgação da Constituição de 1988, que estendeu os princípios do contraditório e da ampla defesa a todo e qualquer procedimento administrativo, a aplicação de sanções administrativas através da chamada verdade sabida deixou de existir, pois, em face da imediata aplicação da sanção, esse proceder se distancia do regramento constitucional adotado como norte para os procedimentos administrativos, inclusive e especialmente os disciplinares, por suprimir a possibilidade do contraditório e da ampla defesa, implicando em punição sumária indefensável e, por isso, inconstitucional.

 

2.2 Da sindicância

 

Sindicância é o procedimento administrativo destinado à apuração de irregularidades no serviço público, atribuídas aos servidores, funcionando como um procedimento inquisitivo, sendo que, para alguns, nem mesmo é necessária a publicidade de seus atos.

A sindicância, conforme foi dito, se presta à apuração da eventual materialidade da infração administrativa e sua autoria, a exemplo do que faz o inquérito policial em relação às infrações penais. Não serve, portanto, como meio para a aplicação de penalidades administrativas, a não ser que, desvirtuado seu caráter inquisitivo, seja previsto o contraditório e a ampla defesa durante seu procedimento, como acontece atualmente com alguns estatutos, que ainda a preveem como procedimento para aplicação de algumas penalidades administrativas, como acontece com a Lei Federal nº 8.112/90 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União).

Em casos tais, é de consignar-se que, em realidade, embora continuando a levar o mesmo nome, não se trata propriamente de sindicância, mas de verdadeiro processo administrativo, porque assegura a oportunidade de defesa e o contraditório, perdendo o caráter inquisitivo, essencial à sua configuração.

Assim sendo, em sua correta aplicação, a sindicância se destina à apuração de irregularidades no serviço público, em situação que não mostre a conveniência da imediata instauração do processo administrativo, como no caso de incerteza da existência de infração, de incerteza da autoria, embora certa a prática da infração, ou mesmo quando se tratar de mera irregularidade a determinar melhor disciplina do serviço e não propriamente de punição, ocasião em que estaria presente o poder hierárquico e não o poder disciplinar.

 

2.3 O processo administrativo

 

Processo administrativo é o procedimento adequado para a apuração de infração administrativa e imposição de sanção, com observância estrita das garantias constitucionais do devido processo legal e do contraditório, bem assim da oportunização da ampla defesa ao processado, de modo a evitar seu emprego como instrumento de pressão, arbítrio e perseguição.

Cada estatuto pode prever um procedimento diverso para o processo administrativo, o qual, no entanto, deve observar a legalidade na aplicação da penalidade, não podendo existir procedimentos diversos para uma ou outra categoria de servidores, sob pena ofender os princípios da isonomia e do dues process of law.

Portanto, sob a égide do Estado Democrático de Direito, somente através do processo administrativo, assegurada a ampla defesa e o contraditório, será possível a aplicação de penalidade administrativa, em respeito aos preceitos e garantias constitucionais.

 

3 Do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal

 

3.1 Das Disposições Constitucionais

 

O ordenamento brasileiro, em sintonia com os princípios básicos inerentes ao Estado Democrático de Direito, preserva a igualdade entre os cidadãos, exigindo o resguardo do contraditório e da ampla defesa aos litigantes em processos judiciais e administrativos, a começar pela Carta Constitucional que assim dispõe, verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

LV aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Mais adiante, a Constituição resguarda a estabilidade dos servidores públicos, após dois anos de efetivo exercício, a qual só poderá ser suprimida mediante sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo em que seja assegurada a ampla defesa. Eis o teor do Preceito Magno, litteris:

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Art. 41. São estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa.

Em outros momentos, ao tratar de algumas carreiras específicas, como as da Magistratura, dos membros do Ministério Público e de Tribunais de Contas, a Lei Maior volta a deixar clara a necessidade de se observar e assegurar a ampla defesa na aplicação de qualquer penalidade administrativa, de modo a proporcionar a conclusão de que a nação navega em águas calmas, impulsionada pelos ventos do verdadeiro Estado Democrático de Direito, tal como se vê no imperativo dos seguintes dispositivos constitucionais, a seguir destacados, literis:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

VIII o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto de dois terços do respectivo tribunal, assegurada ampla defesa;

Art. 128. O Ministério Público abrange:

§ 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

I as seguintes garantias:

b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, por voto de dois terços de seus membros, assegurada ampla defesa;

Por oportuno, alguns desses princípios, contemplados no texto constitucional, serão objeto de análise individualizada e perfunctória nos tópicos subsequentes.

 

3.2 Da ampla defesa

 

A ampla defesa consiste em se reconhecer ao processado o direito de saber que está sendo processado e os motivos que levaram à abertura do processo administrativo, assegurando-lhe o direito de ter vista dos autos do processo administrativo disciplinar, de apresentar sua defesa preliminar, de indicar e produzir as provas que entender necessárias à sua defesa, de ter advogado que o assista, de conhecer previamente das diligências a serem realizadas e dos atos instrutórios, para que possa acompanhá-los, de formular perguntas e reperguntas, de oferecer defesa em alegações finais e, se for o caso, de interpor recursos.

O princípio constitucional da ampla defesa é direcionado inclusive ao legislador, que sempre deve ter em mente, na elaboração das leis infraconstitucionais, que está obrigado a velar para que todo processado possa se valer de defensor, com pleno conhecimento da acusação que pesa contra sua pessoa, das provas que a alicerçam a imputação e, principalmente, da possibilidade de contrariá-las com outras que lhe sejam favoráveis.

Só assim esse princípio garantidor dos direitos individuais, contemplados no texto constitucional, estará resguardado, cabendo ao legislador não o olvidar na formulação de proposição legislativa destinada a regular qualquer atividade objetivando a apuração de infrações administrativas.

 

3.3 Do contraditório

 

Este princípio constitucional, igualmente norteador do processo administrativo disciplinar, segundo Gasparini[4], exige que, em cada passo do processo, as partes tenham a oportunidade de apresentar suas razões e suas provas, implicando, pois, em igualdade entre as partes.

Sua destinação é assegurar que a cada ato produzido por uma parte, poderá a outra se opor, dando sua versão ou interpretação jurídica que lhe seja mais favorável, disso resultando o caráter dialético do processo administrativo, que deve tramitar sob constante contrariedade, o que será sintetizado ao final do procedimento.

No processo administrativo, como é cediço, não existem partes distintas, pois, de um lado há o processado e do outro a Administração que, além da imputação, fica encarregada também do julgamento final.

Assim, para alguns, não haveria o contraditório, já que, de um lado estaria o servidor e do outro o acusador e ao mesmo tempo o próprio juiz da causa. Nada obstante, o que se verifica é que a autoridade encarregada da aplicação de uma possível sanção nomeia uma comissão processante, que se encarrega de apurar a falta, opinando, ao final, pela absolvição do servidor ou pela aplicação de determinada sanção, ao que não está subordinada a autoridade competente, que deverá formar sua convicção livremente, com base nas provas produzidas e decidir de forma fundamentada.

Tem-se, de um lado, o servidor processado, e de outro, a comissão processante, encarregada da apuração dos fatos, da imputação e do próprio andamento do processo administrativo, mas a decisão será da autoridade competente que, ao final, é responsável pela aplicação da penalidade.

A situação é semelhante à do Processo Penal, onde uma das partes é o Ministério Público, órgão estatal encarregado de promover a ação penal, a outra é o acusado, e o julgamento final é atribuído a um juiz, também representante do mesmo Estado.

 

3.4 Do devido processo legal

 

O due process of law é o princípio que impõe a impossibilidade de abstenção de certas condutas formais e obrigatórias para garantia dos processados contra os arbítrios da Administração, assegurando-lhes o respeito e a observância do rito procedimental estabelecido em lei para assegurar a plena defesa.

Está contemplado no artigo 5º, inciso LIV, do Texto Constitucional, que veda a privação da liberdade e dos bens sem o devido processo legal, que abrange também os preceitos insculpidos nos incisos LIII, LV e LVI, que asseguram o julgamento pela autoridade competente (princípio do juiz natural), o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, desde que obtidas licitamente.

Desta forma, o devido processo legal é aquele em que todas as garantias constitucionais e formalidades legais são observadas, onde a autoridade competente deve assegurar a manifestação do processado, oportunizando-lhe a ampla defesa, sem olvidar do contraditório e da ampla produção das provas lícitas, cuja produção entenda oportunas.

 

4 Da possibilidade de correção judicial

 

Uma vez inobservados os preceitos constitucionais no âmbito do processo administrativo disciplinar, abre-se ao interessado a oportunidade do questionamento judicial, como forma de correção de rumos, porquanto as decisões administrativas que violam as garantias constitucionais transitam pela contramão do princípio maior do devido processo legal.

Segundo o Ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp 562.334/SP, assim como é dever do parte e seu advogado serem diligentes na produção de provas e na argumentação defensiva, é obrigação do julgador, tanto na esfera administrativa ou na judicial, ao exercer sua missão constitucional de dizer o direito ao caso concreto, utilizar-se de critérios conducentes à decisão mais justa possível, proporcionando ao jurisdicionado a certeza de que a tutela foi efetivamente prestada.

Assim, não é defeso concluir que a tendência hodierna é a busca da verdade real, que ultrapassa os limites do processo penal para alcançar qualquer área do Direito, como o civil e o administrativo, uma vez que a predominância da verdade formal, por não ser suficiente, está superada pela doutrina e, principalmente, na jurisprudência, pois segundo Viveiros[5]:

no momento em que o juiz deixa de ser um mero espectador e passa a participar ativamente do processo, suprindo, muitas vezes, a deficiência das partes, aproxima-se cada vez mais da verdade real. Tal atitude, tão defendida pelos processualistas e almejada pelos jurisdicionados, mitiga, por consequência, o princípio da verdade formal.

Reporta-se a citada autora aos ensinamentos de Diomar Ackel Filho[6], que, com propriedade, argumenta a necessidade de se buscar a chamada verdade plena, como forma de se efetivar a entrega da prestação jurisdicional:

Atualmente, a verdade formal já não se expressa com o vigor de outrora, pois é mitigada pelo avanço da verdade real até mesmo no processo dispositivo, ensejando o surgimento de um novo tipo de verdade, híbrido, que reúne os aspectos formais da verdade processual e a obra das partes e do julgado na busca da verdade plena. O Juiz deve visar sempre a verdade mais condizente com a efetiva realidade, tendo em mira que as formais são meios e não fins. Para isso, pode e deve, sempre que necessário, diligenciar de ofício para o esclarecimento da verdade concreta, embora mantendo sua posição de árbitro imparcial. Enfatize-se, pois, que o julgador deve buscar o justo e nessa obra conta com faculdade e poderes, não só de cognição, mas também de investigação e iniciativa, para esclarecer, aclarar e encontrar a efetiva realidade acerca da qual se pronunciará, aplicando a norma cabível, para fazer a Justiça tão desejada por todos.

Na esteira desse raciocínio, Viveiros destaca a afirmação lançada pela Ministra Nancy Andrighi, também do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.109.357/RJ, de que o juiz deve, além do compromisso com a lei, ter um compromisso com a Justiça e com o alcance da função social do processo para que este não se torne um instrumento de restrita observância da forma se distanciando da necessária busca pela verdade real, coibindo-se o excesso de formalismo.

Ao tratar do erro material e do devido processo legal, Estefânia sustenta, em sentido substancial, a prevalência de um mecanismo de controle axiológico da atuação estatal e, citando Hoyos[7], conclui por tratar-se de uma legítima limitação ao poder do Estado, como forma de controle da razoabilidade dos atos do poder público, sejam oriundos do Legislativo, da Administração ou jurisdicionais.

Conclui invocando Dinamarco[8], para quem, na atualidade, compreende-se na cláusula do devido processo legal o direito ao procedimento adequado: não só deve o procedimento ser conduzido sob o pálio do contraditório, como também há de ser aderente a realidade social e consentânea com a relação de direito material controvertida.

 

5. CONCLUSÃO

 

A razão de ser da Justiça, ainda segundo o escólio de Viveiros, é a segurança jurídica, da qual a sociedade não pode prescindir, sendo que é de rigor que a efetividade processual passa necessariamente pela concretude do direito material, que exige decisões límpidas, motivadas e sem erros de qualquer espécie com o intuito de eliminar a insatisfação social.

Pode-se afirmar, portanto, que o contraditório e a ampla defesa são garantias individuais integrantes do devido processo legal, igualmente assegurado pela Constituição Federal, visando o reconhecimento e o respeito aos princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito, instituído a partir de diversos movimentos revolucionários, ocorridos principalmente na Inglaterra, França e nos Estados Unidos, que vislumbram e reconhecem no princípio da legalidade uma dupla garantia: a primeira, de que o cidadão pode fazer o que a lei não proíbe; e a segunda, de que o Estado só pode fazer o que a lei expressamente autoriza.

 

REFERÊNCIAS

 

ACKEL FILHO, Diomar. Verdade formal e verdade real. RJTJSP, São Paulo, v. 111, p. 9, mar./abr. 1988.

BRASIL. Código de Processo Civil.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 1995.

GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 1993.

HOYOS, Arturo. La garantia constitucional del debido proceso legal. Revista de Processo, ano 12, n. 47, p. 45, jul./set. 1987.

VIVEIROS, Estefânia. Os limites do juiz para correção do erro material. Brasília, DF: gazeta jurídica, 2013.

Sobre os autores
Tarsis Barreto Oliveira

Doutor e Mestre em Direito pela UFBA. Professor Associado de Direito da UFT. Professor Adjunto de Direito da UNITINS. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Membro do Comitê Internacional de Penalistas Francófonos e da Associação Internacional de Direito Penal.

Sandalo Bueno do Nascimento

Advogado, Juiz aposentado e Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins, em convênio com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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