Simbolismo penal e novas perspectivas no direito penal

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ESUMO

O presente artigo trará os principais posicionamentos sobre o simbolismo penal e os direitos humanos e a relação entre eles, cujo confronto de teorias será a força propulsora interna deste trabalho, assim, a dialética das correntes estabelece o delimitador e estimulador de tudo levantado. O elemento central defendido está voltado ao problema da crescente elaboração legislativa, executiva e judiciária simbólicas como a única técnica de responsabilização dotada de eficácia e efetividade. A partir de então, deve-se verificar que existem outros caminhos que defendem o alicerce dos direitos humanos, logo, preenchidos de maior proteção ao bem estar social e ao individuo titular de direitos. Por fim, de forma didática e esclarecedora, buscará um caminho seguro, fundado em princípios norteadores do Estado Democrático de Direito e doutrina modernas, capaz de ser seguido por operadores do direito que enfrentam diuturnamente a situação.

PALAVRAS-CHAVE: Simbolismo penal; Direitos humanos; Conflito; Proteção; Bens Jurídicos.

INTRODUÇÃO

Até que ponto as legislações ou decisões judiciais penais meramente simbólicas afetam os Direitos humanos? Esse é o problema norteador do tema exposto, mas antes de solucionar tal questão, é preciso perceber que a ineficiência de outros ramos do Direito fortaleceu a intervenção penal nos mais diversos fatos ocorridos em sociedade, ampliando desta forma sua atuação e controle. Essa elasticidade de objeto partiu da política de manutenção rígida dos princípios criminais, através de valores garantistas, mas voltados à imposição da pena privativa de liberdade. Momento sucedido pela descriminalização pós 2ª Guerra Mundial e a instituição de penas alternativas ao cárcere, fase também superada após o decurso de uma prolongada e excessiva violência social, caracterizada agora pela flexibilização ou supressão de Direitos e Garantias fundamentais com o intuito de proteção coletiva2.

As legislações penais meramente simbólicas ganham maior destaque neste contexto de desordem e busca por um controle social inalcançável, o qual de um lado a massa da sociedade, o clamor por um bem estar e seus representantes políticos prontos a atender emergencialmente, de outro, diametralmente oposto, aqueles que sofrem violações vistas anteriormente inaceitáveis, apenas por se enquadrarem em um perfil pré-determinado. Não se pode perder de vista, os pronunciamentos judiciais que são denominados manipuladoras ou aditivas, mero ativismo judicial, preocupados em atuar como legislador positivo, despidos da verdadeira função judicante.

Este artigo tomará por base a análise das inovações no campo do Direito Penal, bem como da sua aplicabilidade na prática processual. Deste modo, outro não poderia ser o método senão o hipotético-dedutivo, partindo de proposições gerais no campo teórico para as questões particulares e casuísticas, que irão, ao final, atender os objetivos previamente formulados. Partindo de um conceito fundamentado do simbolismo, passando pelas formas de manifestação simbólica, tanto na vida social, quanto no Direito Penal, e por fim, trazendo problemáticas e possíveis soluções para o tema, não perdendo o olhar no dinamismo social.

Além disso, a linha de pesquisa futura deverá ser essencialmente teórica, sem descuidar do estudo de aspectos históricos das legislações penais no ordenamento jurídico pátrio, de forma secundária, a fim de estabelecer um equilíbrio no panorama existente. Desse modo, serão necessárias consultas à bibliografia especializada sobre a matéria, publicações mais atualizadas e sites. Também será realizada consulta a periódicos, artigos, monografias, teses e ensaios relacionados ao tema em questão.

ASPECTOS GERAIS DO SIMBOLISMO PENAL

Apesar do simbolismo ser inerente a vida em sociedade, ou seja, fácil descoberta nas relações pessoais, sociais ou, até mesmo, profissionais, aquele ganha destaque no diálogo vertical entre Estado e os particulares, a citar, atos executivos voltados a divulgação das atividades exercidas nos Governos democráticos, imagens, áudios, figuras de alunos, professores e servidores públicos felizes com o que promovido.

Um conceito, fundamentado e histórico, se faz necessário, sobre o simbolismo. A primeira monta, de forma popular, poderia estabelecer que seria a percepção/ figura que um ser humano tem sobre o que lhe é apresentado, no mesmo contexto, um quadro de artista que é exposto ao público, nele, apesar de diversos sentidos, ganha uma qualificação subjetiva, transformada em ideologia a partir daquele instante, mas, como, não se deve esquecer do surgimento, as palavras de FACCIOLI3, "a expressão poder simbólico foi cunhada para designar o que a tradição marxista designava como ideologia, ou seja, o que se conhecia como a correspondência entre a dominação e os antagonismos de classe e as produções simbólicas de modo que, numa formação social determinada, as ideias dominantes fossem as ideias das classes dominantes. Essa correspondência seria de tal ordem que as produções, simbólicas seriam como que um reflexo dos antagonismos assentes nas relações entre as classes, no contexto de um modo de produção determinado, correspondente, por sua vez, a certo grau de desenvolvimento das forças produtivas".

Evidentes são os paradigmas fundamentadores da conceituação, quais sejam: dominantes e dominados, classes sociais, capitalismo insurgente, mas inseridos em um espaço lógico, conforme as palavras de BOURDIEU4, "os sistemas simbólicos, como instrumentos de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosiológico: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências, ou depois dele, Raddiffe-Brown, que faz assentar a solidariedade social no fato de participar num sistema simbólico tem o mérito de designar explicitamente a função social (no sentido do estruturo-funcionalismo) do simbolismo, autêntica função política que não se reduz à função de comunicação dos estruturalistas. Os símbolos são os instrumentos por excelência da integração social, enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação (análise durkheimiana da festa), eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente com a reprodução social: integração lógica é a condição da integração moral".

Não bastante o conceito, é necessário refletir sobre dois pontos intrigantes do simbolismo, o primeiro, é sua utilização como instrumento de dominação, que será melhor trabalhado na dialeticidade entre crime e pena, conforme o próprio autor, "as diferentes classes e frações de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posições sociais. Elas podem conduzir esta luta quer diretamente, nos conflitos simbólicos da vida quotidiana, quer por procuração, por meio da luta travada pelos especialistas da produção simbólica (produtores a tempo inteiro) e na qual em jogo o monopólio da violência simbólica legítima, quer dizer, do poder de impor mesmo de inculcar instrumento de conhecimento e de expressão (taxinomias) arbitrários embora ignorados como tais da realidade social"5. O segundo elemento é o nascimento da ciências empíricas-indutivas, em contraponto ao achismo, ou a dedução ilógica clássica (período pré-científico).

A crítica de Cassirer à psicologia da cognição dos empiristas acusou que se mantiveram na esfera lógica da substância, tendo transferido a seleção de propriedades comuns das coisas particulares para a série das representações como correlatos psíquicos das coisas. Por outro lado, comenta o autor apenas de passagem, "a teoria kantiana do juízo como tentativa de desfazer-se do realismo, ou seja, de compreender o conhecimento possível não na medida das supostas coisas em si, mas na medida das formas do espaço e do tempo e das categorias. O leitor deveria supor, a essa altura, que pesava contra essa teoria sua ancoragem psicológica nas faculdades da razão. Não surpreende, portanto, que a ruptura da unidade do mundo, entre aparência e realidade construída pelo conceito, ou seja, a dúvida metódica como procedimento da ciência, que é a meta declarada da sociologia de Bourdieu, tenha o poder simbólico como objeto prioritário a construir/desconstruir e a acusar como esfera de aparências eufemísticas e domesticadoras dos conflitos. Esta ruptura com o pré- construído do senso comum, vulgar ou douto, requer que se faça, então, algo muito difícil nas ciências do homem e no pensamento, que é desfazer-se da substância e passar ao pensamento relacional. Assim, podemos concluir, a persistência do realismo do dado, do pré-construído, nas ciências sociais, na contramão do que se dá nas ciências físicas, explicar-se-ia pelo caráter naturalizador e coisificante da própria ideologia, a qual precisa representar a realidade na fixidez da substância"6.

Assim os interesses das classes, fundamentada nos interesses dos especialistas, simbolizam a fim de construir uma determinada ideologia dominante. Neste contexto, as decisões judiciais e legislações atuais possuem aspecto simbólico, em especial na seara penal, tanto ao cidadão e a sensação de estruturação e controle nas mãos dos representantes, quanto dos governantes, por acreditarem na realização com sucesso da função delegada. Há então uma relação causa-efeito entre a lei e o simbolismo resultante7. Essa afirmativa direciona ao verdadeiro alvo de exposição, a legislação penal meramente simbólica que não produz efeitos externos condizentes com a finalidades do Direito Penal, mas volta-se apenas a resposta imediata, emergencial, seletiva, simbólica, com falsa percepção da realidade e interna, atuando na psicologia do povo.8

São as palavras ratificadoras de Hassemer9 sobre o conceito proposto, "el propio término no ha sido objeto de estudio por la doctrina; no he encontrado un concepto preciso y apto de simbólico o legislación simbólica. Existe um acuerdo global respecto de la dirección em la cual se busca El fenómeno de Derecho simbólico: se trata de uma oposición entre realidad y apariencia, entre manifiesto y latente, entre lo verdaderamente querido y lo otramente aplicado; y se trata siempre de los efectos reales de lãs leyes penales. Simbólico se asocia com engaño, tanto em sentido transitivo como reflexivo".

A falsa aparência de efetividade e instrumentalidade da legislação simbólica pode advir de diversos fatores e origens, por exemplo na utilização do Direito Penal como instrumento político de tranquilizador de opinião pública, ou seja, a atividade legislativa como mero meio de comunicação simbólica10, verdadeira expectativa social na falta de propostas de políticas públicas objetivas e prospectivas11. A produção também foi questionada por Silva Franco, ao dizer que de mais tipos penais, mais agravações de sanções punitivas, mais regimes disciplinares violentos e despropositados, como se a legislação penal tivesse o efeito mágico de resolver conflitos sociais, de reduzir a violência ou dar sossego à opinião pública12. Hassemer13 coaduna com um subjetivismo desenfreado do legislador, capaz de causar danos irreversíveis, "no debiera apoyarse en elementos de disposición como lós objetivos o las intenciones del legilador. Estos elementos presentan sus problemas específicos de aplicación, conocidos por la doctrin del método subjetivo-histórico de intpretación de las leyes: la mayor parte de las veces El legislador guarda silencio acerca de sus intenciones, frecuentemente las encubr y generalmente ni siquiera a éste le resultan excesivamente claras; especialmente en casos de leyes de compromiso o em prescripciones que contienen distintos mandatos morales (como por ejemplo em le caso del aborto) existe um legislador exclusivamente institucional pero no intencional".

Atrelado a Legislação-Álibi, nome lembrado por Neves a essa capacidade de ação do Estado a mostrar soluções,14 e a prestação de contas dos políticos no período pré-eleitoral, surge à vitória de categorias como novo definidor de conteúdo das legislações penais simbólicas, o qual se explica na pressão de uma parcela da população diante um fato com grande repercussão, logo nasce uma lei emergencial que proporciona uma inflação legislativa, com variáveis casuísticas e desprovidas de estruturação administrativa para a efetividade normativa15. Mendes e Canotilho16 fortalecem o raciocínio.

Mas a questão dos limites de uma concepção instrumental da legislação interessa, aqui, em outra perspectiva: o fracasso da função instrumental da lei é apenas um problema de ineficácia das normas jurídicas? A resposta negativa a essa questão põe-nos diante do debate em torno da função simbólica de determinadas leis. Como bem formulou sinteticamente Joseph Gusfield, many laws are honored as much in the breach as in performance. Em sentido mais abrangente, pode-se dizer que uma quantidade considerável de leis desempenha funções sociais latentes em contradição com sua eficácia normativo-jurídica, ou seja, em oposição ao seu sentido jurídico manifesto. Não se trata, portanto, de uma simples negação da legislação instrumental. Nesse sentido, observa Kindermann que a legislação simbólica não pode ser vista meramente como contraponto para a legislação instrumental de proveniência contemporânea, mas sim deve ser conceituada como alternativa para a direção normativo-geral da conduta. Considerando-se que a atividade legiferante constitui um momento de confluência concentrada entre sistemas político e jurídico, pode-se definir a legislação simbólica como produção de textos cuja referência manifesta à realidade é normativo-jurídica, mas que serve, primária e hipertroficamente, a finalidades políticas de caráter não especificamente normativo-jurídico.

Outro ponto a ser referido é a utilização da legislação simbólica para procrastinar conflitos sociais internos, através de compromissos dilatórios que não resolvem imediatamente o combate entre categorias, pelo contrário, tentam minimizar a situação com leis aparentemente progressistas e com soluções futuras. Problema que revela a impraticabilidade legislativa e fortalece o crescimento do conflito subjacente17, disciplina novamente trazida por Neves18 ao mostrar a utilidade dessas leis, "servir para adiar solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios. Nesse caso, as divergências entre grupos políticos não são resolvidas por meio do ato legislativos, que, porém, será aprovado consensualmente pelas partes envolvidas, exatamente porque está presente a perspectiva da ineficácia da respectiva lei. O acordo não se funda então no conteúdo do diploma normativo, mas sim na transferência da solução do conflito para um futuro indeterminado".

Diante da variedade de pressupostos da legislação simbólica anteriormente citados, e a grande aplicação no Direito Penal nos dias atuais, deve-se voltar a atenção para suas evidentes consequências aos bens jurídicos tutelados.

Outro lado a ser mencionado, são as decisões judiciais manipuladoras ou normativas, que são encontradas nas sentenças aditivas e substitutivas, as quais, não se reduzem ao pronunciamento judicial, conforme a lei, mas modificam o ordenamento, sob o pretexto de proteção dos direitos individuais e coletivos ou da eficácia da Constituição.

Apesar da natureza híbrida do Supremo Tribunal Federal, judicial e política, que fortalecem sua atuação no ordenamento jurídico, não se pode esquecer que sua competência esta prevista na Constituição Federal, não permitindo sua elasticidade pelo legislador ordinário, ou por seus Ministros.

A missão do Supremo, portanto, não é simplesmente garantir a supremacia da ordem jurídica, mas do ordenamento constitucional, considerando, ao apreciar os casos que lhe são submetidos, a norma não de forma isolada, mas como parcela integrante de todo sistema jurídico constitucional, analisando sua compatibilidade com o espírito constitucional, ... com respaldo nesse poder de guarda da Constituição o judiciário passou a zelar pelo respeito à Constituição e que neste atuar passou a ter competência para julgar os demais poderes, e que por aplicar a regra a casos concretos, por possuir o direito de interpretá-las, de dizer o que está ou não está de acordo com a Constituição, conclui-se que a atividade jurídica é igualmente política, pois é a própria opção do juiz por um ou outro rumo na decisão das lides19.

Defensores das decisões normativas, as fundamentam nos impactos econômicos destas, "o juiz atualmente deve estar atento para a repercussão social e econômica de suas decisões em virtude dos seus reflexos gerados quando proferidas, com a possiblidade de gerar consequências danosas ao sistema do país. Em determinadas situações a solução de um caso concreto pelo juiz apesar de estar baseado na lei, a decisão pode gerar grandes prejuízos para a sociedade como um todo. O juiz deve ter uma visão geral da decisão com o objetivo d avaliar os impactos que ela poderá gerar na sociedade, não ficando adstrito em analisar de forma superficial o caso em concreto a norma jurídica. O surgimento de novas teorias hermenêuticas, substituindo o positivismo, mesmo evocada pela necessidade de encontrar outras fontes legais em adição ao texto legal e, assim impregnar as decisões em um teor mais elevado da moral que permite um maior grau de equidade também sendo impulsionado pela necessidade de evitar decisões por causa de discrição dada pelo juiz, que o positivismo era o conteúdo desse recurso para resolver casos demasiadamente complexos. O magistrado deve analisar o conteúdo da norma ao que ela traz na sua essência, devendo utilizar de princípios e valores consagrados no ordenamento jurídico como o da dignidade da pessoa humana, eticidade, solidariedade, boa-fé objetiva, função social, segurança jurídica etc. Para isso o juiz deve fundamentar as suas decisões de forma concisa trazendo justificativas (a fundamentação da fundamentação), como condição de dar legitimidade a decisão"20.

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Assim, um equilíbrio nas palavras de Canotilho21, "essa relevante circunstância implica colocar em xeque o cerne da teoria do direito, isto é, a discussão acerca dos limites da interpretação do direito, questão presente nas diversas teorias construídas contemporaneamente (Peter Häberle, Ronald Dworkin, Robert Alexy, Neil MacCormick, por exemplo). O fato de não existir um método que possa dar garantia à correção do processo interpretativo denúncia presente, aliás, já no oitavo capítulo da Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen não autoriza o intérprete a escolher o sentido que mais lhe aprouver, o que seria dar azo à discricionariedade e/ou ao decisionismo típicos do modelo positivista propugnado pelo próprio Kelsen. A vontade e o conhecimento do intérprete não constituem salvo-conduto para a atribuição arbitrária de sentidos e tampouco para uma atribuição de sentidos arbitrária (que é consequência da discricionariedade). É preciso compreender que a delegação em favor do juiz do preenchimento da zona de incerteza é uma institucionalização do positivismo, que funciona como poder arbitrário no interior de uma pretensa discricionariedade. Não se pode esquecer, aqui, que a zona da incerteza (ou as especificidades em que ocorrem os casos difíceis) pode ser fruto de uma construção ideológica desse mesmo juiz, que, ad libitum, aumenta o espaço de incerteza, aumentando, assim, o seu espaço de discricionariedade. Nesse sentido, discricionariedade acaba, no mais das vezes, como sinônimo de arbitrariedade. E não confundamos essa discussão tão relevante para a teoria do direito com a separação feita pelo direito administrativo entre atos discricionários e atos vinculados, ambos diferentes de atos arbitrários. Trata-se, sim, de discutir o grau de liberdade de escolha dado ao intérprete (juiz) em face da legislação produzida democraticamente, com dependência fundamental da Constituição. E esse grau de liberdade chame-se-o como quiser acaba se convertendo em um poder que não lhe é dado, uma vez que a opção escolhida pelo juiz deixará de lado outras opções de outros interessados, cujos direitos ficaram à mercê de uma atribuição de sentido, muitas vezes decorrentes de discursos exógenos, não devidamente filtrados na conformidade com os limites impostos pela autonomia do direito".

O autor conclui nos seguintes dizeres, "em outras palavras, a defesa de posturas substancialistas e concretistas acerca da utilização da jurisdição constitucional que implica inexorável avanço em relação às tradicionais posturas self restraining não pode ser confundida com decisionismos e atitudes pragmatistas, em que o Judiciário se substitui ao legislador, com o aumento desmesurado de protagonismos judiciais. Isto é, deve-se evitar aquilo que se denomina ativismo. E isso deve ficar bem claro. Com efeito, a Constituição autoriza/determina o amplo controle da constitucionalidade, chegando à profundidade de prever o mandado de injunção (veja-se, além disso, as demandas quotidianas por remédios e tratamentos de saúde, problemas fundiários, etc.); mas essa mesma Constituição não é uma carta em branco para o exercício de voluntarismos interpretativos".

Fica evidenciado que o juiz deve estabelecer limites entre o justo e o ideal, que seria o respeito as garantias constitucionais, com uma hermenêutica baseada não na arbitrariedade, e sim na proporcionalidade, evitando um aumento significativo de incertezas.

SIMBOLISMO PENAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Vale registrar a ocorrência de um paralelo entre a fundamentação do simbolismo e suas causas, vista a influência direta nas funções reais oriundas da motivação existente. Tal fato é facilmente notado nos mais diversos modelos a seguir.

No tocante a produção legislativa, como pretexto de respostas rápidas a sociedade, pode-se descobrir a falsa ideia de segurança e a justiça penal tardia, revestida de uma educação posterior, mas que se torna inaplicável, graças a instrumentalidade inapta para o fim. Batista22, ao citar Zaffaroni e outros autores, expõe sobre a lesão do principio da proporcionalidade e seu corolário legalidade nesta promoção, para a lei Penal não se reconhece outra eficácia senão a de tranquilizar a opinião pública, ou seja, um efeito simbólico, com o qual se desemboca em um Direito Penal de risco simbólico, ou seja, os riscos não se neutralizariam, mas ao induzir as pessoas a acreditarem que eles não existem, abranda-se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se, dando lugar a um Direito Penal promocional, que acaba se convertendo em um mero difusos de ideologia.

Coadunando com o acima exposto, Claudio Alberto e Themis Maria23, "busca-se, então, supedâneos pela função da pena pautada na reafirmação do valor da norma- algo absolutamente simbólico, diga-se de passagem -, na prevenção geral positiva, um possível reconhecimento por parte da opinião pública de algo está sendo feito na esfera da segurança pública".

O simbolismo penal é propulsionado pela vitória classista, destinado a um Direito seletivo na proteção de bens jurídicos e nos possíveis autores destes crimes. Inicialmente viola a isonomia e a abstração legal, além de outros princípios constitucionais que serão esclarecidos, neste contexto Baratta ensina que a justiça penal... está dirigida, quase que exclusivamente, contra as classes populares e, em particular, contra os grupos sociais mais débeis, com o evidencia a composição social da população carcerária24. Não obstante, Claudio Alberto e Themis Maria25 reforçam o levantado quando, "nos dias de hoje temos visto o recurso a um uso mais intenso do Direito Penal, buscando com isto satisfazer a setores da população ansiosas por maior punição para algumas formas específicas de delinquência. Isto ocorre sempre aliado a uma redução cada vez maior de garantias e em detrimento dos fins propugnados pelo Direito Penal que deve viger em um Estado Democrático de Direito".

Observada a diversidade anterior, Gunther Jakobs atribuiu uma separação entre o cidadão, com atitudes jurídicas fieis e a possível aplicação de penas menores como reafirmação da validade da norma, e o inimigo, aquele com atos de insubordinação jurídica intrínseca, que se sujeitaria a pena como medida de evitar perigos futuros, baseada na prevenção geral positiva como orientadora da pena criminal e da estabilização das expectativas normativas26. São as palavras de Jakobs27 sobre o tema, "a vigorosa sentença, segundo a qual, nos dias de hoje, todos devem ser tratados como pessoas pelo Direito, portanto, como é de se supor, necessita de uma adição: sempre que aqueles todos cumpram com seus deveres, ou, em caso contrário, sempre que estejam controlados, é dizer que não possam resultar perigo... parece claro que há de se distinguir entre um direito postulado com independência de que este postulado resulte mais ou menos convincente um direito modelo, e a estrutura normativa real de uma sociedade. Aquele pode orientar no futuro, no espírito, entretanto, somente este está a orientar no respectivo aqui e agora".

Existiriam então dois Direitos Penais, apesar de distintos se completam segundo Víquez28, deve-se considerar que o direito penal do cidadão nunca se separará completamente do direito penal do inimigo. Embora o direito penal do cidadão se caracterize pela manutenção da vigência da norma, e o direito penal do inimigo esteja orientado para combater perigos, isto não deve ser entendido como se os dois ocupassem esferas estanques do direito penal, e sim que são tendências opostas em um único contexto jurídico penal que se sobrepõem uma sobre a outra.

Alguns elementos são descobertos na teoria de Jakobs, primeiro a escolha prévia dos inimigos do Estado e a antecipação da punibilidade, segundo uma ciência jurídica penal com fins futuros e por fim a relativização das garantias penais e processuais, discurso que objetiva segregação de classes, valorização dos crimes abstratos e a antecipação do exaurimento aos atos preparatórios29. Roxin alerta pela existência de um novo Direito Penal do Autor, segundo ele o que faz culpável aqui ao autor não é que haja cometido um delito, mas só que o autor seja tal se converte em objeto de censura legal30.

O resultado negativo do Direito Penal Simbólico e a descoberta das novas consequências são relatadas na doutrina de Hassemer31, "este alivio se ha intentado buscar por medio de los delitos de peligro abstracto, los cuales en los ambitos aqui tratados han eliminado practicamente los clasicos delitos de resultado. Encubren la ausencia de fuerza factica del Derecho penal para proteger bienes juridicos, al suprimir el vinculo entre comportamiento criminalizado y lesion de bien juridico. El injusto penal no es la comprobable causacion de um perjuicio sino una actividad que el legislador ha criminalizado; si en la eleccion de esta actividad existe o no la potencialidad o el peligro abstracto de lesion no puede ser discutido en el ambito de aplicacion de la norma, sino que es solo un elemento de evaluacion en la promulgacion de la norma. En segundo lugar, los delitos de peligro abstracto facilitan la cuestion a efectos preventivos, siempre molesta, de la atribucion".

Desta forma, grande parte da Direito Penal moderno passa por uma crise de objetivo, pois repleto de simbolismo, o qual as próprias teorias balizadoras da pena não conseguem explicar a disparidade, ou melhor, a teoria da retribuição é facilmente questionada na ideia de compensação, expiação de culpas, pois regado de uma vingança humana como sincera culpa de sangue do povo, o mal pelo mal, retorno pelo ato praticado, como Cirino dos Santos32 lembra que, "a crítica ao discurso retributivo indica que a retribuição (expiação ou compensação) da culpabilidade constitui fundamento metafísico da punição: retribuir um mal com outro mal pode corresponder a uma crença e, assim, constituir um ato de fé , mas não é um argumento democrático, nem científico. Primeiro, não é argumento democrático porque no Estado Democrático de Direito o poder é exercido em nome do povo e não em nome de Deus e o direito penal tem por objetivo a proteção de bens jurídicos e não realizar vinganças. Segundo, não é argumento científico porque a culpabilidade retribuída (compensada ou expiada) se fundamenta numa hipótese indemonstrável: a liberdade de vontade do ser humano".

Já a prevenção especial não retribui o fato passado, mas sim a prevenção de novos delitos pelo autor, seja ele positivo e a correção do autor, ou negativo e a proteção da sociedade do infrator. Teoria amplamente criticada na origem com o pensamento de Roxin 33, a teoria da prevenção especial não é idônea para fundamentar o direito penal, porque não pode delimitar os seus pressupostos e consequências, porque não explica a punibilidade de crimes sem perigo de repetição, e porque a ideia de adaptação social coativa, mediante a pena, não se legitima por si própria, necessitando de uma legitimação jurídica que se baseia noutro tipo de considerações.

Maior embate a teoria da prevenção especial reside na sua aplicação, isto é, na execução da pena, que não são nem corrigíveis, nem intimidáveis. Perceptível exame nos dizeres de Cirino dos Santos34, "ao nível da execução da pena, em geral admitida como ultima ratio da política social, a introdução do condenado na prisão inicia um duplo processo de transformação pessoal: um processo de desculturação progressiva, consistente no desaprendizado dos valores e normas próprios da convivência social; um processo de aculturação simultâneo, consistente no aprendizado forçado dos valores e normas próprios da vida na prisão: os valores e normas da violência e da corrupção ou seja, a prisão só ensina a viver na prisão. Após o cumprimento da pena, esse processo de recíproca desestruturação e reestruturação da personalidade, atualmente conhecido como prisionalização do condenado, é agravado pelo retorno do egresso às mesmas condições sociais adversas que estavam na origem da criminalização anterior.

O ultimo fundamento seria a prevenção geral, que receberá suas ponderações em analise posterior, o importante é aperceber que todas as teorias estão distantes da realidade, Baratta35 analisando Foucault capta o descompasso, "se nos referimos, em particular, ao cárcere como pena principal e característica dos sistemas penais modernos, corresponderia, em primeira instância, comprovar o fracasso histórico dessa instituição diante das suas principais funções declaradas: conter e combater a criminalidade, ressocializar o condenado, defender interesses elementares dos indivíduos e da comunidade. Não obstante, em uma consideração mais profunda, estudando a instituição carcerária do ponto de vista das suas funções reais, comprova-se que essas têm sido historicamente cumpridas com êxito. Com efeito, afastando a hipótese irracional da ausência de conexões funcionais entre essa instituição e a sociedade, a análise científica pôs em evidência funções reais distintas e opostas àquelas declaradas e que, portanto, explicam sua sobrevivência histórica. A instituição serve, antes de tudo, para diferenciar e administrar uma parte dos conflitos existentes na sociedade como criminalidade, isto é, como um problema ligado às características pessoais dos indivíduos particularmente perigosos, o qual requer uma resposta institucional de natureza técnica, isto é, a pena ou o tratamento do desviado. Em segundo lugar, o cárcere serve para a produção e reprodução dos delinqüentes".

Baratta36 compreende que, a forma igual do Direito Penal do cidadão garante as desigualdades sociais, a forma desigual do Direito Penal do Inimigo amplia as desigualdades garantidas. "O conceito de integração-prevenção, introduzido pelo direito penal simbólico na moderna teoria da pena, cumpriria o papel complementar de escamotear a relação da criminalidade com as estruturas sociais desiguais das sociedades modernas, instituídas pelo direito e, em última instância, garantidas pelo poder político do Estado". Em outras palavras, a reprodução material e ideológica de desigualdades sociais admitidas em sociedade é a finalidade da violência institucionalizada. Para completar o posicionamento, SADER37 expõe que, "os setores conservadores sempre pedem mais polícia, mais repressão. Tem havido mais polícia e mais repressão, porém, isso só tem multiplicado a violência, piorado o clima nas prisões e incentivado ações como a desses jovens, de ações diretas e vingativas. Os programas de tevê e rádio, sob o pretexto de defender a população da violência, exploram os casos de maneira mórbida, no fundo exaltando os casos, dando-lhes dimensões muito maiores do que as que realmente têm. Por um lado, aparecem defendendo as condições de insegurança em que viveria a população e, por outro, contribuem para disseminar os casos e incentivam reações violentas".

CONFLITO ENTRE OS DIREITOS HUMANOS E A LEGISLAÇÃO SIMBÓLICA

Após descrever inúmeros efeitos decorrentes do simbolismo penal, fica claro o descompasso entre os fundamentos do Direito Penal Garantista e as legislações modernas, legitimando um rompimento com o Estado Democrático de Direito e os Direitos Humanos. Ferrajoli38 corrobora com o sugerido, "esta distancia entre las aspiraciones teóricas de la cultura penalista de inspiración garantista y las tendencias prácticas de los sistemas penales, exige que el problema del bien jurídico, que es el problema de los fines del Derecho Penal, sea repensado y analizado en los distintos niveles (axiológico, jurídico-positivo y sociológico) de la reflexión penal. Empecemos diciendo que bien jurídico es una palabra densamente valorativa. Decir que un determinado objeto o interés es un bien jurídico, equivale a expresar sobre él un juicio de valor; decir que es un bien jurídico penal, equivale a expresar un juicio de valor penal, es decir una justificación de su tutela mediante prohibiciones y puniciones de su infracción".

Imperioso ressaltar a inadmissibilidade da supressão da dignidade humana para satisfazer o interesse de outrem, mesmo que seja da coletividade, por conseguinte, a prevenção geral como fim da pena torna-se inócua, argumento de um simbolismo violentar da personalidade natural. Na mesma direção Roxin39, que defende um ordenamento jurídico que não considere o individuo como objeto à mercê do poder do Esta nem como material humano que possa ser utilizado, mas sim como portador, plenamente equiparado a todos os outros, de um valor como pessoa, valor esse que é prévio ao Estado e que deve ser protegido por este, tem de ser inadmissível tal instrumentalização do homem.

A amplitude dos Direitos Humanos manifesta na dignidade intrínseca individual é delineada por Greco40, "a dignidade é uma qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano e implica um plexo de direito e deveres fundamentais, uma vez que estipula uma necessária relação de respeito, como principio constitucional, a dignidade da pessoa humana deverá ser entendida como norma de hierarquia superior, destinada a orientar todo sistema no que diz respeito a criação legislativa, bem como aferir a validade das normas que lhe são inferiores".

Ora, as legislações meramente simbólicas são revestidas de uma inconstitucionalidade material grave, violadoras da dupla função dos Direitos Humanos, uma a função limitadora da criminalização secundária, outra o delineamento do objeto de sua tutela, isto é, manifesta incompatibilidade ao Direito Penal Garantista alcançado nos últimos séculos41. Ensina Zaffaroni42 sobre tal importância, "en síntesis, retomamos el tema del principio: la vinculación de los sistemas penales latinoamericanos y los Derechos Humanos tiene dos momentos que deben privilegiarse. Por un lado, el momento de análisis en que los Derechos Humanos nos proporcionan las pautas para establecer en qué medida la operatividad real de los sistemas penales lesiona esos Derechos. Por otro lado, al momento de imponernos los límites a un saber orientado a la transformación de esa realidad, los Derechos Humanos nos proporcionan la estrategia hacia la cual debemos orientar las tácticas que el saber transformador nos haga disponibles. La criminología deviene así, ese conjunto de conocimientos, provenientes de muy diversos campos del saber, necesarios para la implementación de las tácticas orientadas estraté-gicamente a la realización de los Derechos Humanos o a la reducción de sus violaciones en la operatividad real de los sistemas penales".

Apesar do exposto, há a defesa inconteste de Jakobs ao Direito Penal do Inimigo, como já anteriormente visto, teoria sintomática do simbolismo penal. Cirino dos Santos43 cita o propulsor dos ensinamentos, o jurista sustenta a superioridade da institucionalização legal do Direito Penal do Inimigo propondo a divisão dos seres humanos em cidadão e Inimigos, a nível nacional e internacional -, que seria preferível à atual confusão do inimigo e do cidadão, própria do Direito Penal igual para todos.

Discurso este mais voltado para a necessidade de ação, tendente crise política amplamente questionada em momento diverso. Hassemer44 combate o fenômeno, "ello convierte gradualmente al Derecho penal en un instrumento político flanqueador de bienes juridicos universales y delitos de peligro abstracto. Este Derecho penal se aviene a las imagenes de una inseguridad global y de una sociedad de riesgo. Un Derecho penal simbolico con una funcion de engano no cumple la tarea de una politica criminal y mina la confianza de la poblacion en la Administracion de Justicia".

A despeito disso, toda inflação legislativa simbólica mostra o enfraquecimento do Estado Democrático de Direito e a adoção do Estado de Polícia, própria dos regimes autoritário, nazismo e facismo45. Zaffaroni ilustra o declínio Estatal, "abundar en estas consideraciones es innecesario: es posible ejemplificar y mostrar los absurdos y recrearse relatando las múltiples manifestaciones inquisitoriales a que dan lugar, pero no se trata de eso. La cuestión finca en que el Derecho Penal de emergencia y la creciente legislación penal que lo acompaña (y la que se produce fuera de su ámbito) responde a ideologías políticamente antiliberales que van marcando una tendencia que pone en peligro al Estado de Derecho, amenazado por el poder arbitrario que esas leyes otorgan a las agencias ejecutivas del sistema penal".

Enfim, há autores que conseguem vislumbrar pontos positivos nas legislações simbólicas, devido os seus efeitos colaterais ativos, seriam então estimulantes políticos em combate a inércia representativa, expressiva ação político-ideológico. Neves46 aduz o raciocínio, "considerando-se que a atividade legiferante constitui um momento de confluência concentrada entre os sistemas político e jurídico, pode-se definir a legislação simbólica como produção de textos cuja referência manifesta à realidade é normativo-jurídica, mas que serve, primária e hipertroficamente, a finalidades políticas de caráter não especificamente normativo-jurídico.[...] A referência deôntico-jurídica de ação e texto à realidade torna-se secundária, passando a ser relevante a referência político-valorativa ou político-ideológica. [...] Evidentemente, quando o legislador se restringe a formular uma pretensão de produzir normas, sem tomar nenhuma providência no sentido de criar os pressupostos para a eficácia, apesar de estar em condições de criá-los, há indícios de legislação simbólica".

Tal raciocínio corrobora com a ideia de impossibilitar ou reduzir transformações desenfreadas e descontroladas, asseguram o controle social e um convívio possível, em outros dizeres o simbolismo e a instrumentalidade deveriam andar juntos.

PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E NOVAS PERSPECTIVAS

Vastos caminhos podem ser traçados com o intuito de proteger o arcabouço das garantias humanas, na fase inicial, o legislador precisa fundar-se em conceitos e efeitos objetivos e bem descritos, afastando-se do subjetivismo comum dos interesses políticos47. Ainda nessa fase, alguns autores defendem a pena como a ultima ratio da intervenção estatal, entendendo o Direito Penal com uma visão minimalista48. Mesma acepção para GRECO, o Direito Penal, como meio mais grave de intervenção na vida das pessoas de que pode se valer o Estado, deve atuar apensa quando houver lesões significativas em desfavor dos bens mais caros das pessoas49. Ferrajoli ilustra que a coação Estatal e a intervenção penal só poderão ser aceitas quando imprescindíveis para a proteção dos indivíduos, estabelecendo assim dez axiomas para a mínima ação penal, são eles: não há pena sem crime; não há crime sem lei; não há lei sem necessidade; não há necessidade sem ofensa ao bem jurídico; não há ofensa ao bem jurídico sem conduta; não há conduta sem culpabilidade; não há responsabilidade sem o devido processo legal; não há devido processo sem acusação; não há acusação sem provas; e não há provas sem defesa.50. Ratificando que o sistema penal moderno causa mais problemas que soluções, e adotando a ingerência mínima da matéria, Queiroz51, "porque multiplicar leis penais significa apenas multiplicar violações à lei; não significa evitar crimes, mas criar outros novos; Porque o direito penal intervém sempre tardiamente, nas conseqüências, não nas causas dos problemas; intervém sintomatologicamente, não etiologicamente; Porque problemas estruturais demandam intervenções também estruturais e não simplesmente individuais; Porque o direito penal deve ser minimamente célere, minimamente eficaz, minimamente confiável, minimamente justo; Porque, se o direito penal é a forma mais violenta de intervenção do Estado na liberdade dos cidadãos, segue-se que, como ultima ratio do controle social formal, somente deve intervir quando for absolutamente necessário".

É certo que Hassemer segue uma diminuição da atuação do sistema penal no controle social, mas sob uma nova ótica, pois divide em Direito Penal básico protegendo as lesões e perigo de lesão aos bens jurídicos individuais e o restante ficaria a encargo de um Direito Intervencionista, com sanções menos drásticas, notável diminuição punitiva Estatal52.

Sequencialmente Daniel Pastor propõe o neopunitivismo, modelo de Direito Penal Internacional que atribui maior intervenção Estatal nas garantias individuais, estipulando assuntos absolutos na matéria penal53. Desenvolvimento conhecido por Silva Sanches como a Quarta Velocidade do Direito Penal54.

Não menos importante, e com a mesma finalidade de proteger os Direitos Humanos e o desenvolvimento social, Gunther Stratenwerk valoriza e prioriza a defesa dos bens jurídicos coletivos em detrimento aos individuais, notória contraposição das ideias de Hassemer. Fernandes55 leciona sobre o assunto, "pronunciando-se conta um direito penal que, segundo esse autor, demasiado arraigado a uma proteção de bens jurídicos de natureza essencialmente antropocêntrica, deveria caminhar no sentido de uma chamada proteção de relações (ou contextos) da vida enquanto tais, sem que fosse necessário reconduzir a necessidade de proteção de interesses (pessoais) de qualquer dos participantes num dado contexto (nomeadamente nos domínios do ambiente ou da genética). Por isso propõe proteger jurídico-penalmente normas de conduta referidas ao futuro sem retro-referência a interesses individuais, podendo-se, segundo o autor, chegar a bons resultados".

Constata-se que há algumas lutas a travar, primordialmente o delineamento na aplicação do Direito Penal, o combate à violência estrutural gerada por sua interferência, e até que ponto os Direitos Humanos devem orientar e limitar os sistemas penais modernos, como claros compromissos intangíveis. Nesse sentido Baratta eleva alguns princípios como norteadores da relação Direitos Humanos e Penal, explicando que na criminalização primária há os princípios intrassistemáticos, ou seja, aqueles que indicam fundamentos na criação e manutenção normativa, e são divididos em limitação formal (restrição ao controle da lei), limitação funcional (efetivação de um amplo debate parlamentar e público na formação legislativa) e limitação pessoal ou de limitação da responsabilidade penal (individualização da pena ao autor do delito), já os princípios extrassistemáticos, são aqueles voltados a uma visão externa aos sistemas penais, e são repartidos em princípio da descriminalização (existência de outras formas de resolução de conflitos) e princípio metodológico da construção alternativa dos conflitos e dos problemas sociais (alteração na visão dos conflitos, trazendo elementos sociológicos e políticos nos problemas sociais)56. É importante perceber o legítimo interesse dos princípios no sistema penal, com as palavras de Ferrajoli57, "cada uma das implicações deônticas ou princípios de que se compõe todo modelo de direito penal enuncia, portanto, uma condição sine qua non, isto é, uma garantia jurídica para a afirmação da responsabilidade penal e para aplicação da pena. Tenha-se em conta que aqui não se trata de uma condição suficiente, na presença da qual esteja permitido ou obrigatório punir, mas sim de uma condição necessária, na ausência da qual não está permitido ou está proibido punir. [...] A função específica das garantias no direito penal, como mostrarei na terceira parte, na realidade não é tanto permitir ou legitimar, senão muito mais condicionar ou vincular e, portanto, deslegitimar o exercício absoluto da potestade punitiva".

Zaffaroni58 revela a necessidade da associação entre Direitos Humanos e o sistema Penal, "cremos que pocos instrumentos pueden prestar mayor servicio a la criminología que los relativos a Derechos Humanos. No ignoramos que el discurso de los Derechos Humanos fue promovido por el mismo poder mundial central. Pero esa promoción fue determinada por una inevitable contradicción interna que provocó el fulminante desprestigio de un anterior discurso que parecía inconmovible: el discurso racista-colonia-lista (el apartheid "científico" del positivismo), porque siempre había sido impiementado al servicio de la empresa colonialista y del control de las clases subalternas centrales, pero, inesperadamente lo resume Rosenberg y es aplicado por el nazismo en una pugna hegemónica centrada contra los mismos habitantes de los países centrales".

Nos dizeres de Baratta59 sob a harmonização dos fatores, "a luta pela contenção da violência estrutural é a mesma luta pela afirmação dos direitos humanos. Com efeito, em uma concepção histórico-social, esses assumem um conteúdo idêntico ao das necessidades reais historicamente determinadas. Desprendem-se daqui duas consequências: a primeira é que uma política de contenção da violência punitiva é realista só se inserida no movimento para a afirmação dos direitos humanos e da justiça social. Pois, definitivamente, não se pode isolar a violência concebida como violência institucional da violência estrutural e da injustiça das relações de propriedade e de poder, sem perder o contexto material e ideal da luta pela transformação do sistema penal, reduzindo-a a uma batalha sem saída nem perspectivas de êxito. A segunda consequência é que as possibilidades de utilizar alternativamente os instrumentos tradicionais da justiça penal para a defesa dos direitos humanos são sumamente limitadas".

Finalmente, e perante a sobreposição política contra o jurídico na atividade legiferante penal atual, por conseguinte o simbolismo descomedido, faz se necessário a ampliação do domínio dos Direitos Humanos em toda ordem política e uma diminuição acentuada do sistema penal, por ser este a atividade mais coativa e destrutiva ao homem nas mãos do Estado.

CONCLUSÃO

As soluções apresentadas ao longo do trabalho precisaram ser fundamentadas e substanciadas, no conceito, efeitos do evento da Legislação Penal Simbólica e concepção dos Direitos Humanos, tudo graças ao estrito cenário atual de grande divergência doutrinária que vem gerando um caminho obscuro e que precisa ser superado através de uma formula estrutural justificável que se faça prevalecer.

No primeiro momento, o simbolismo penal foi exposto com o intuito de perceber sua iminente existência, e as aplicações decorrentes no ordenamento jurídico, em outras palavras, toda lei, por mais efetiva e concreta que seja possui um caráter simbólico que precisa ser aceito e entendido. Em análise mais acurada, percebe-se que o próprio legislador estabeleceu mecanismos simbólicos, tornando-o não apenas ilustrativo, mas também um estimulante político, ou seja, nascem daí reflexões acerca da legislação moderna, não operando uma imutabilidade no ordenamento.

Mesmo com o esforço de esclarecer toda a fundamentação das legislações simbólicas, sabe-se que merece muito mais, justificadamente, voltaram-se as atenções aos seus principais efeitos. A inflação e a emergencialidade legislativa, bem como o Direito Penal do Inimigo, foram pontos intrigantes do mecanismo, conduziram as consequências das mais diversas e questionamentos sobre a real interferência do simbolismo na sociedade.

Fixada a premissa, é fácil notar o real significado dos Direitos Humanos as legislações penais dentro do Estado Democrático de Direito, foram levantas novas teorias que procuram, conforme diversos princípios sugeridos, rechaçar as legislações penais meramente simbólicas e minimizar os efeitos de um Direito Penal baseado nesta estrutura.

Vale dizer que a ponderação adequada dos valores, incutido no entendimento de que os Direitos Humanos também refletem no controle Estatal, revelam uma finalidade especial de limitar internamente o sistema penal e propiciar externamente outras formas de combate à violência social, estimulam assim uma visão harmônica dos elementos trazidos, tudo graças à busca comum que há.

A função do trabalho foi contribuir para o desenvolvimento mais seguro da matéria, não tentando ser superficial, muito menos conclusivo, pelo contrário, é fundamental perceber através dos embates, que os elementos se correlacionam e devem ser interpretados e coadunados à Constituição Federal e sistemas mundiais vigentes.

BIBLIOGRAFIA

1 ....

2 SILVA SANCHES, Jesús-Maria. A expansão do Direito Penal: Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industrias. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002. p. 148.

3 FACCIOLI Marcos Gabriel. PIERRE BOURDIEU E O PODER SIMBÓLICO PARTE I: OS PASSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA CRÍTICA. Disponível em: https://revista.fct.unesp.br/index.php/topos/article/view/5705/4296. Acesso em: 15 de maio de 2020.

4 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Disponível em: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/06/BOURDIEU-Pierre.-O-poder-simb%C3%B3lico.pdf. Acesso em: 03 de janeiro de 2020.

5 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Disponível em: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/06/BOURDIEU-Pierre.-O-poder-simb%C3%B3lico.pdf. Acesso em: 03 de janeiro de 2020.

6 FACCIOLI Marcos Gabriel. PIERRE BOURDIEU E O PODER SIMBÓLICO PARTE I: OS PASSOS TEÓRICOS DA SOCIOLOGIA CRÍTICA. Disponível em: https://revista.fct.unesp.br/index.php/topos/article/view/5705/4296. Acesso em: 15 de maio de 2020.

7 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral. vol 1. 7ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2013. p. 11.

8 CIRINO DOS SANTOS. Juarez. Instituto de criminologia e política criminal política criminal: realidades e ilusões do discurso penal. Disponível em: <http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/realidades_ilusoes_discurso_penal.pdf> Acesso em: 30 de abril de 2013.

9 HASSEMER, Winfried. Derecho Penal Simbólico y protección de Bienes Jurídicos. In: Pena y Estado, Santiago: Editorial Jurídica Conosur, 1995, p.27.

10 ALBRECHT, Peter. El Derecho penal en la intervención de la política populista. In: La insostenible situción del Derecho Penal. Romeu Casabona. Carlos Maria(dir). Granada: Editorial Comares, 2000. p. 478 e 479.

Sobre o autor
Wesley Batista Soares de Matos

Graduado em Direito pela Faculdade Estácio de Sergipe FASE. Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Estácio de Sergipe FASE. Pós-Graduado em Ciências Criminais pela UniFG Centro Universitário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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