A autoalienação parental como nova forma de abandono afetivo

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Abordou-se um tema muito importante e ainda pouco estudado, a autoalienação parental, proposta por Rolf Madaleno, e que, dentre seus vários aspectos, é uma forma de abandono afetivo.

A alienação parental, nos termos do art. 2º, da Lei 12.348/2010, é a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Noutras palavras, consiste no ato de virar o filho contra um dos genitores, fazendo com que perca o afeto ou impedindo que desenvolva este sentimento.

A doutrina também se refere à alienação parental como implementação de falsas memórias, pois ela nada mais é do que uma lavagem cerebral feita pelo genitor alienador no filho, de modo a denegrir a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram e não aconteceram conforme a descrição dada pelo alienador (DIAS, 2009, p. 48). A psicologia explica este fenômeno que ocorre quando as pessoas completam hiatos da memória com suposições plausíveis, como se, de fato, tivessem observado ou experimentado aquilo de que se recordam (FIORELLI; MANGINI, 2016).

No art. 2º, parágrafo único, da Lei acima referida constam algumas hipóteses de alienação parental:

 

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

 

Trata-se de rol exemplificativo, ou seja, que não se esgota nele mesmo, podendo, na análise do caso concreto se verificar formas diversas. Tanto é que o professor Rolf Madaleno (2015) reconhece a chamada autoalienação parental, que ocorre quando é o próprio genitor alienado que causa o afastamento:

 

 Neste caso é o próprio progenitor alienado quem provoca o afastamento da criança ou adolescente, a quem trata de maneira ríspida, por vezes cruel e desumana, ao imputar ao infante a culpa por se sentir afastado do processo de formação e de criação de seu filho. Em outros casos igualmente frequentes, exige que seus filhos convivam com sua atual companheira, a madrasta que, por sua vez, foi o pivô da separação dos pais do menor. Muitas vezes, o genitor exige, de forma imediata, uma adaptação dos filhos à sua nova companheira, ou, até mesmo, que tratem a madrasta como mãe. O autoalienador trata seus filhos de forma inadequada ou violenta, sem respeitar a inocência e vulnerabilidade de quem ama o genitor, não compreende sua gratuita violência verbal e é incapaz de se defender de outra forma que não seja se afastando deste progenitor, por medo e não por desamor (op. cit.).

 

Segundo Neves (2021), a autoalienação seria uma alienação parental inversa, provocada pelo alienado ora autoalienador , como forma de atingir o genitor que detém a guarda ou que resida com os filhos, ao se vitimar, criando, com isso, uma falsa alienação sofrida. Partindo desta premissa, vislumbra-se mais um ponto de convergência entre a alienação parental conceituada na Lei 12.348/2010 e a autoalienação parental: em ambas há o intuito de atacar o outro genitor ou responsável, usando da criança ou do adolescente para tanto, o que gera graves danos emocionais a eles:

 

As consequências para a criança, em geral, indicam sintomas como depressão, incapacidade de adaptar-se aos ambientes sociais, transtornos de identidade e de imagem, desespero, tendência ao isolamento, comportamento hostil, falta de organização e, em algumas vezes, abuso de drogas, álcool e suicídio. Quando adulta, incluirão sentimentos incontroláveis de culpa, por se achar culpada de uma grande injustiça para com o genitor alienado (FIORELLI; MANGINI, 2016, p. 348).

 

Enquanto não houver um regramento específico à autoalienação parental, esta deverá ser reconhecida e punida analogicamente ao modelo clássico, previsto na Lei 12.348/2010, a fim de se evitar graves danos à integridade psicoemocional e à existência digna das crianças e adolescentes (NEVES, 2021). Sem prejuízo, nota-se que ela, no mais das vezes, amolda-se naquilo que a doutrina e jurisprudência reconhecem como abandono afetivo.

A Constituição Federal (art. 227) prevê que é direito das crianças e adolescentes a convivência familiar, ou seja, com ambos os genitores; noutras palavras, a convivência é um direito do filho e um dever dos pais, sendo que se descumprido há o chamado abandono afetivo.

Trata-se de importante constatação, tendo em vista que o STJ tem jurisprudência firme no sentido de que nas hipóteses em que o abandono afetivo gerar dano, de natureza material ou emocional, ao filho, este deve ser indenizado pelo genitor que o causou:

 

Sublinhe-se que sequer se trata de hipótese de dano presumido, mas, ao revés, de dano psicológico concreto e realmente experimentado pela recorrente, que, exclusivamente em razão das ações e omissões do recorrido, desenvolveu um trauma psíquico, inclusive com repercussões físicas, que evidentemente modificou a sua personalidade e, por consequência, a sua própria história de vida (STJ, 2022).

 

Concluindo, a autoalienação parental atrai a aplicação da Lei 12.348/2010, devendo o autoalienador ser responsabilizado nos termos dela. Sem prejuízo, quando gerar danos materiais ou emocionais aos filhos, a estes é devida indenização, por terem sido vítimas de abandono afetivo.

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REFERÊNCIA

 

DIAS, MARIA BERENICE. Manual de Direito das Famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

MADALENO, Rolf. Debate OAB-RJ: autoalienação parental ou alienação autoinflingida. Genjurídico, São Paulo, 15 jul. 2015. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2015/07/14/debate-oab-rj-autoalienacao-parental-ou-alienacao-autoinflingida/. Acesso em: 14 jul. 2022.

NEVES, Claudia. Autoalienação parental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6698, 2 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94462. Acesso em: 14 jul. 2022.

STJ. Notícias: Pai é condenado a pagar R$ 30 mil de danos morais por abandono afetivo da filha, 2022. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/21022022-Pai-e-condenado-a-pagar-R--30-mil-de-danos-morais-por-abandono-afetivo-da-filha.aspx. Acesso em: 14 jul. 2022.

Sobre o autor
João Gabriel Fraga de Oliveira Faria

Advogado (OAB/SP n. 394.378). Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra - Portugal. Especialista em Direito Constitucional Aplicado. Cursou especialização em Direito Público. É especialista em Direito Empresarial. Fez especialização em Direito e Processo Civil. É presidente da comissão de Direito de Família da 52º Subseção da OABSP. Foi membro da diretoria do núcleo regional (Lorena/SP) do IBDFAM. E-mail para contato: [email protected].

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