Não é novidade para ninguém (talvez) a elevada quantidade de crimes que ocorrerem no Brasil diariamente. Com uma rápida pesquisa na internet encontraremos diversos resultados apontando o alarmante índice de homicídios, roubos, estupros, e diversos outros crimes, que atingem cifras na casa dos milhares, isso dos casos que são registrados, sem falar, claro, daqueles que sequer chegam ao conhecimento das autoridades, o que se convencionou chamar de cifra negra[1].
Dentro desses crimes que são comunicados às autoridades, regra geral por meio de ocorrências policiais, uma pequena parcela deles é investigada e, destes, uma pequena parcela é submetida a um processo penal. Acreditamos que isso não é novidade para ninguém e, portanto, não será objeto deste trabalho aprofundar nesses números, mas, sim, apontar que toda essa impunidade é elemento chave para que um delinquente pratique uma conduta criminosa.
Foi Gary Becker, ainda na década de 1960, quem primeiro analisou o fenômeno criminológico pelo viés econômico, tendo estabelecido em seu artigo Crime and punishment: an economic approach[2] (crime e punição: uma abordagem econômica, em tradução livre) que o delinquente faz uma escolha racional, entre ganhos e perdas, e que leva em conta diversas variáveis (aparato policial, possibilidade de ser investigado, possibilidade de ser processado, possibilidade de ser punido, tipo de pena prevista, possibilidade de cumprir pena, etc), antes de praticar uma conduta criminosa.
O doutor em economia Pery Shikida assim resumiu a teoria apresentada por Becker:
[...]Becker, utilizando-se de modelagem matemática, ressaltou que uma pessoa propensa ao crime pondera, racionalmente, os custos e benefícios esperados de sua prática ilícita, para, a partir daí, escolher atuar (ou não) no mercado econômico ilegal[...]o indivíduo racional compara os ganhos que pode obter com as atividades ilícitas aos seus custos, considerando as possibilidades de ser capturado e a extensão da pena. Pode parecer simples, mas há uma série de variáveis envolvidas nessa análise. Pelo lado dos benefícios, o indivíduo compara o que será possível ganhar e em quanto tempo de trabalho. Leva em conta, alternativamente, quanto ganharia no exercício de uma atividade profissional regular, na qual provavelmente teria que trabalhar em tempo integral. Pelo lado dos custos, ele vai levar em conta as chances de ser flagrado, de ser condenado e de efetivamente ter que cumprir a pena. Se, por exemplo, for um indivíduo de baixa qualificação, sem maiores oportunidades de obter um emprego com remuneração elevada, a perspectiva de correr risco na atividade criminosa torna-se mais atraente. Se ele considerar que a chance de ser flagrado e condenado é remota em razão do número reduzido de policiais, do despreparo dos mesmos ou dos equipamentos limitados de que dispõem, a perspectiva torna-se mais atraente ainda. Se, ainda por cima, ele constatar que a legislação oferece uma série de atenuantes e que por falta de presídios a tendência dos juízes é de aplicar penas suaves, sendo, portanto, muito remota a hipótese de ter que passar um período muito longo de tempo atrás das grades, a chance de optar pelo crime é muito grande. Afinal, com essas variáveis todas, a conclusão a que o indivíduo chega é de que o crime compensa[...][3] (sic).
No cenário vivenciado no Brasil em que, regra geral, as forças policiais estão abandonadas, funcionando em prédios caindo aos pedaços, com viaturas capengas e ferramentas de trabalho do século passado, principalmente a Polícia Civil que é responsável pela investigação criminal, sendo certo que o produto do seu trabalho condiciona o funcionamento da Justiça criminal (vez que 99,9% dos processos criminais são baseados exclusivamente no que consta dos Inquéritos Policiais) e, considerando a leniência da legislação penal e, não bastasse isso, a atuação de alguns atores do sistema de persecução penal (delegados, promotores e juízes) que consideram o bandido uma vítima da sociedade, tem-se o palco perfeito para que o delinquente escolha todas as vezes pela prática do crime, afinal, o risco de ser responsabilizado por sua conduta é ínfimo, quase zero, e por outro lado o lucro da sua atividade criminosa é praticamente certo!
Infelizmente, essa é a realidade nua e crua brasileira e não há razão para tampar o sol com a peneira (ou há?), afinal, quantas vezes já ouvimos e vimos notícias de criminosos que são presos e, logo em seguida, estão novamente na rua matando, assaltando, estuprando, vendendo drogas? ...
O crime não poderia compensar, em hipótese alguma, mas para isso não ocorrer, seria necessário dotar as forças Policiais de recursos, materiais e humanos, em níveis suficientes para fazer um enfrentamento eficiente e com qualidade à criminalidade, porém, estamos longe dessa realidade, vez que os recursos são escassos, pior do que isso, quando são providos a alocação deles é quase que totalmente direcionada à Polícia Ostensiva (talvez por ser mais visível à população).
Com efeito, apenas um exemplo ilustrativo dessa afirmação: atualmente estou lotado em uma delegacia de polícia que possuí cerca de 12 policiais civis, ao passo que, para a mesma região, tem-se todo um batalhão da Polícia Militar, com companhias de área, grupamentos táticos, seção de inteligência (etc) cujo efetivo beira a 350 policiais militares. Em termos de recursos materiais a realidade discrepante é a mesma. Com efeito, para os 12 policiais civis temos 2 viaturas, ao passo que apenas nas companhias de área e tático móvel tem-se cerca de 30 viaturas para os policiais militares.
Contudo, embora exista uma discrepância no gasto de recursos públicos em relação às forças Policiais, sendo que umas recebem mais do que outras, mesmo aquelas que são mais contempladas estão longe de ter o efetivo e equipamentos necessários e indispensáveis ao desempenho eficiente, célere e com qualidade das suas funções de Segurança Pública.
Com efeito, segundo a ONU[4] - Organização das Nações Unidas, para um policiamento ostensivo eficiente é necessário 1 policial para cada 250 pessoas. Contudo, na região em que atuo, mesmo considerando a grande desproporção entre os recursos, materiais e humanos, destinados à Polícia Militar e Polícia Civil, temos cerca de 1 policial militar para cada 770 pessoas (ou seja, de acordo com a ONU, o déficit é de pelo menos 300%). No caso da Polícia Civil tem-se 1 policial para cada 22.500 pessoas!!!!
O problema, infelizmente, não é exclusivo das forças policiais. No caso da Capital de Minas Gerais o Poder Judiciário disponibiliza 2 juízes para atuarem durante toda a fase de investigação criminal, sendo eles os responsáveis, dentre outras questões, pela análise dos pedidos de busca e apreensão, prisão, interceptações, enfim, medidas quase que indispensáveis numa investigação criminal.
Em termos numéricos esses 2 juízes absorvem uma demanda de trabalho de 11 batalhões da PM, cada qual com aproximadamente 5 companhias vinculadas (sem contar os grupos especializados e táticos), ou seja, um total de aproximadamente 65 unidades de policiamento ostensivo, além de 24 delegacias de polícia (sem contar as unidades especializadas), abrangendo uma população próximo a 2,7 milhões de habitantes.
Assim, indago: esses 2 juízes são capazes de desempenhar suas funções com altos índices de qualidade, eficiência e celeridade?
Com a resposta presente na sua mente, neste momento, você diria que o crime compensa para o criminoso localizado na Capital de Minas Gerais? (um local que tem 3 vezes menos policiais militares do que o preconizado pela ONU; cerca de 1 policial civil para cada 10 mil pessoas[5]; e 2 juízes na fase da investigação criminal; além de equipamentos ultrapassados, prédios caindo aos pedaços; falta de viaturas; etc, etc, etc.).
Agora pense um pouco mais: essa é a realidade vivenciada na terceira maior cidade em importância econômica do Brasil. Você acha que a realidade vivenciada em outras cidades é melhor ou pior?
E olha que estamos abordando a questão apenas pelo viés do aparato estatal para combater a criminalidade, aquilo que é visível, mas se adicionarmos o tempero da legislação penal e todas as suas benesses (suspensão do processo, suspensão da pena, cumprimento de apenas 1/6 da pena, saídas temporárias, causas de extinção de punibilidade, etc, etc, etc) o cálculo entre perdas e ganhos é mandado ao espaço pois os ganhos, neste caso, são elevados à 10ª potência. E se adicionarmos uma pitada de maldade com aqueles intérpretes da legislação leniente pró bandido podemos esquecer qualquer risco de perda/prejuízo ao marginal, aí é o paraíso na Terra.
Infelizmente a verdade é uma só: da forma como o sistema de persecução penal e justiça criminal estão estruturados no Brasil (em termos de atribuições, falta de investimento, disponibilização de recursos, forma de trabalho, etc) não é possível outra conclusão se não a de que o crime compensa (e muito) para o delinquente. Sofrem a vítima, a sociedade, os profissionais sérios e que se esforçam para combater o crime, e ganham os marginais, ou melhor, as vítimas da sociedade!.