A dependência previdenciária do menor sob guarda após a Emenda Constitucional nº 103/2019

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre a dependência do menor sob guarda com relação a Emenda Constitucional 103/2019, ou seja, mostrar a transição de todas as alterações do qual versam a temática, bem como analisar conceitos básicos e norteadores da Previdência Social e as interfaces da temática na sociedade em que se vive, por meio de levantamento histórico, as leis e alterações que impulsionaram mudanças e o reflexo destas referente aos direitos destes menores.

INTRODUÇÃO

Cumpre estabelecer que os Regimes da Previdência Social, são meios que visam garantia de caráter previdenciário, para seus servidores e também para seus dependentes, estando por sua vez disciplinados em suma na Carta Magna. Com efeito, torna-se indubitável frisar que, a Previdência surge na Constituição de 1934 e que com o passar do tempo eleva sua expressão e sua função, para tratar da Seguridade Social, que preconiza um sistema com subsistemas, dentre os quais: Previdência Social, Assistência Social e Saúde. (GOÉS, 2015)

Assim sendo, quando se fala na segurança de direitos para dependentes, vem a tona o rol taxativo previsto na Lei 8.213/91, no qual estabelece que estes possuem vinculo familiar com o segurado, razão pela qual deve-se perquirir uma dependência, no entanto a chegada da Lei 9.528/97, inferiu um declínio da figura do menor sob guarda que era equiparado ao enteado, retirando-o assim do rol anteriormente mencionado.

Contudo apesar dos entraves, a temática chegou até o Supremo Tribunal de Justiça, o qual por proferiu um entendimento de a proteção do menor sob guarda, devia ser mantido. Não obstante, a EC 103/2019, famigeradamente conhecida como Reforma da Previdência geriu inúmeras mudanças, todavia tal mudança normativa não proporcionou a adaptação do menor junto ao rol, o que culminou segundo entendimento em modificações não somente na Carta Magna, mas também de complexidade infraconstitucional, que precisam ser adaptadas aos moldes da previdência.

DESENVOLVIMENTO

Antes de se debater especificamente a condição do menor sob guarda, é salutar recordar que, com base no artigo 74 e seguintes da Lei 8.213/91, a pensão por morte é um benefício previdenciário conferido aos dependentes do segurado falecido, aposentado ou não, efetivamente de uma continuação do benefício que substitui o pagamento que o segurado morto recebia em vida.

Nesse ponto, é imprescindível observar atentamente que o intuito do da pensão por morte é deixar mais brandas as carências sociais e econômicas decorrentes da morte, garantindo aos que dependiam do segurado uma vida digna.

Os dependentes são os favorecidos que gozarão do direito de obter a pensão por morte, enfatizando que o segurado, enquanto vivo, não pode escolher livremente quem ele quer que seja seu dependente previdenciário, haja vista que é a lei que diz quem serão os dependentes previdenciários que usufruirão da pensão por morte.

Por meio do parágrafo 2º do artigo 16 da Lei 8.213/91 estipulou-se que os enteados bem como o menor tutelado estão em pé de igualdade ao filho desde que se tenha declaração do segurado e que seja comprovada a dependência econômica. Ademais, a CF/88 determina que o Estado será o protetor da criança em todos os aspectos da vida, sendo que a guarda, como prevista no ECA é um dispositivo que consagra essa determinação constitucional.

A Lei 8.213/91, art. 16, dispõe o rol de dependentes que irão ter direito a pensão por morte do segurado falecido e exclui o menor sob guarda do rol de dependentes, no entanto vale destacar que o texto original do artigo 16, § 2º, previa que o menor sob guarda judicial se igualava a filho do segurado, nesse sentido, e, assim, possuía o status de dependente natural ou automático do segurado falecido que era seu tutor em vida. Notadamente, o menor sob guarda decaiu da condição de beneficiário natural do seguro social do seu guardião, ficando, no entanto, com esse atributo de menor sob tutela.

De forma clara a Lei. 9.528/97 é, no mínimo, despótica, pois criou uma distinção entre o menor tutelado, que é tido como dependente, com o menor sob guarda, que não tem, teoricamente, o patrocínio do direito previdenciário e mais especificamente referente à pensão por morte.

No tempo em que a lei foi promulgada, a conivência dos que apoiaram esse desrespeito à dignidade das crianças sob guarda, estava traçada na existência de fraudes em que, supostamente, avós reclamavam a guarda judicial dos netos intencionados em garantir aos netos o direito à pensão por morte.

Ora, afastar um direito garantidor da dignidade e, diversas vezes a sobrevivência de um menor, apenas para eludir uma provável fraude, que são casos isolados, deve ser visto como uma ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como ao mencionado artigo 227 da CF/88, além de afrontar o próprio fundamento lógico da existência do benefício de pensão por morte que está alicerçado na proteção financeira, moral e social dos dependentes do segurado morto.

Ao analisar os pontos acima, verificamos um conflito de normas. Enquanto a legislação previdenciária retira o menor sob guarda do rol de dependentes para fins previdenciários, percebemos outra lei federal 8.069/90 ECA, garantindo a qualidade de dependente nessa situação, além da própria CF/88 que põe a dignidade da criança como predileção.

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Conforme visto, é flagrante que a retirada do menor sob guarda do rol de dependentes da Previdência Social, mediante lei infraconstitucional é completamente oposto a Constituição Federal e como tal deve ser encarada como inconstitucional.

O artigo 25 da EC 103/2019 inovou ampliando a lista de dependentes, garantindo que se equiparam para fins previdenciários a filho, o enteado e o menor tutelado.

Assim, com esse texto entendemos quem são os dependentes do segurado do INSS que possuem direito a pensão por morte e cada uma das classificações. Ademais, elencamos a ampliação desse rol de dependentes incluindo o enteado, menor tutelado e o menor sob guarda, coloca esses menores na categoria de dependentes do RGPS desde que comprovada a dependência econômica, na forma exigida na legislação previdenciária.

Entre outras alterações trazidas pela Reforma da Previdência encontra-se o benefício de pensão por morte, o qual que teve modificações em relação à forma de cálculo da cota familiar. Além disso, é possível verificar outra alteração, de maneira reflexa, já que o art. 23, § 6º da EC 103/2019 abordou a equiparação dos dependes a filho, retirando do rol o menor sob guarda.

O texto da Emenda Constitucional está em consonância com o artigo 16, § 2º da Lei 8.213/91, que somente abarca como equiparados a filho o enteado e o menor tutelado. Em todas as previsões supramencionadas, observa-se a exclusão do menor sob guarda como dependente previdenciário.

Da mesma maneira, o estabelecido na ADIn 4878 (dependência previdenciária dos "menores sob guarda") poderá, também, ser levado aos RPPS, que devem observar as mesmas disposições do RGPS em relação ao rol de beneficiários, por obra do art. 5º, da lei 9.717/98.

Por todas estas peculiaridades que mencionamos acima se entende que a decisão prolatada na ADI 4.878/DF é deveras relevante, não só pela manutenção da condição de dependente previdenciário dos menores sob guarda, porém por todos os demais pontos que ali estão contidos, principalmente quando enfatiza a presunção de boa-fé dos segurados e dependentes, ou ainda quando faz referência a eventuais problemas de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 103/19.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, a rigidez imposta pela Emenda Constitucional 103/2019 ao retirar o menor sob guarda como dependente previdenciário impõe tratamento normativo diferenciado, de situações muito parecidas (menor tutelado), violando o princípio da proteção ao hipossuficiente e da isonomia.

Embora as regras sobre pensão previstas no art. 23 da EC 103/2019 estejam propensas a serem alteradas por lei ordinária, a falta de garantia atual ao menor sob guarda do direito de ter disponibilizada a pensão por morte, na ocorrência da morte de seu guardião, configura involução social, sobretudo se considerar que o artigo 227 da CF/88 garante à sociedade, à família, bem como ao Estado a completa proteção das crianças e adolescentes, no mais amplo sentido, o que lhes confere prioritária proteção, inclusive na esfera previdenciária.

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REFERÊNCIAS

AMADO, Frederico. Reforma previdenciária comentada: Emenda Constitucional 102/2019 e seus impactos infraconstitucionais. Salvador: JusPodivm. 2020.

ANDRADE, E.I.G. Estado e Previdência no Brasil: uma breve história. A previdência social no BRASIL. Emenda Constitucional n. 103, de 12 de novembro de 2019. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 de novembro de 1999.Disponívelem:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/emendas/emc/emc103.htm>. Acesso em: 04 de junho de 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4878.Relator:MinistroGilmarMendes.Disponívelem:<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4332894>. Acesso em: 04 de junho de 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5083.Relator:Ministro.Gilmar.Mendes.Disponívelem:<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4516931>. Acesso em: 04 de junho de 2022.

Sobre a autora
Antonia Roseane Batista da Silva

Graduada em Direito pela Faculdade Santa Teresa. Estagiária na Defensoria Pública do Estado do Amazonas (2020-2021); Estagiária na Procuradoria Geral do Estado do Amazonas (2021-2022); Estagiária no Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (2022-2023). E-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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