O crime organizado e a importância do trabalho de inteligência

18/07/2022 às 16:23
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Resumo: O presente artigo tem a finalidade de demonstrar o trabalho de inteligência policial com foco na produção de conhecimento no que tange às organizações criminosas, principalmente no combate ao crime organizado no Brasil. O objetivo desse trabalho é apresentar de forma sucinta e clara, de forma teórica e com extração de dados, os conceitos de inteligência policial e Segurança Pública, bem como elucidar as diferenças de inteligência policial e investigação policial, acrescentando ao conceito e origem das organizações criminosas no Brasil e Primeiro Comando da Capital, apresentando a possibilidade e eficácia do serviço de inteligência no combate ao crime organizado.

Palavras-chave: Segurança Pública. Inteligência Policial. Crime. Crime Organizado.


1. Introdução

Inicio este trabalho com a concepção de Guaracy Mingardi Mais do que chamar o exército para subir ou descer morros, é o uso da inteligência que vai definir o nível de criminalidade que teremos de suportar nos próximos anos, pois, além de especialista em Segurança Pública, ele traz considerações importantes no que tange a investigação policial, inteligência e análise criminal, crime organizado e corrupção, do qual trataremos neste artigo.

Sabe-se que, muito se confunde a inteligência policial e a investigação criminal, por si, uma vez que, ambas contribuem para um mesmo resultado, no entanto, pode-se dizer que a inteligência policial é o início para que seja traçado as redes criminosas, através de ações que irão subsidiar a decisão de uma autoridade. Já a investigação policial, parte do trabalho dos órgãos de inteligência ou não, cabendo a produção de provas de fato a atribuir autoria e materialidade ao fato.

Outra vertente a se analisar é o trabalho realizado pela Segurança Pública no que tange ao crime organizado, bem como, o apoio da inteligência policial, pois, até onde sabemos, há também um forte trabalho de inteligência pelo próprio crime organizado, para que consigam ultrapassar as lacunas da lei, a fim burlá-las.

Desta forma, o intuito do trabalho é fomentar a importância do uso da inteligência policial pela Segurança Pública com foco ao crime organizado no Brasil, onde, serão apresentadas as definições de inteligência policial e seus pontos positivos, acrescido da definição e atualizações sobre o crime organizado no Brasil.


2. A definição de inteligência policial e a segurança pública no brasil

2.1 Definição de Inteligência Policial

A atividade de inteligência não parte de um conceito único, vez que trata-se de uma forma de obtenção de informações, realizada por uma organização, por suas características serem confidenciais.

A definição trazida por GONÇALVES (2013, p.10-11) como ciência ou presciência do mundo a nossa volta, utilizada para orientar o processo decisório ou as ações de autoridades políticas estadunidenses, envolvendo a reunião acurada e sistemática dos fatos, sua análise, com avaliações céleres e 12 claras e sua disseminação aos consumidores (comandantes civis ou militares), conceito este melhor elaborado quando a ele se acresce o predicado da obtenção do dado negado, faz alusão à forma da CIA trabalhar com o serviço de inteligência e é mister também aludir à Segurança Pública do Brasil.

Através do conceito acima trazido, estabelecemos a principal atividade da inteligência no que tange à Segurança Pública, uma vez que apesar de distinto, o serviço de inteligência pode estar ligado à produção de provas em uma investigação criminal ou ligado à possibilidade de se ligar às provas para aquela respectiva investigação.

À luz do direito vigente, ainda de suma importância o serviço de inteligência, há de se atentar aos preceitos constitucionais com relação à intimidade do homem. No entanto, muito tem-se evoluído no que tange a utilização do serviço de inteligência, como a Proposta que foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados que cria o Serviço de inteligência Penitenciária, que tem por objetivo principal o acompanhamento e a análise das atividades dos indivíduos privados por liberdade.

Acredita-se que muito irá favorecer com a aprovação do Serviço de Inteligência Penitenciária, de forma que, sabe-se que o crime organizado no Brasil ainda é comandado de dentro das penitenciárias brasileiras, do qual há diversos relatos de indivíduos privados de liberdade que são batizados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).

2.2 Segurança Pública no Brasil

Nos últimos tempos, muito tem se falado sobre a segurança pública no Brasil. Tal tema levou destaque devido ao sentimento de insegurança da sociedade, com o aumento da criminalidade no Brasil.

Cada vez mais as pessoas buscam por informações de atualização das políticas de Segurança Pública, mas para tanto, é necessário entender o que é a Segurança Pública no Brasil.

A Segurança Pública é um processo que visa pela manutenção da ordem pública e incolumidade das pessoas e patrimônio, do qual seja possível que cada cidadão seja salvaguardado seus direitos bem como a obrigatoriedade de cumprimento dos deveres.

A Segurança Pública possui níveis de atuação Federal, Estadual, Distrital e Municipal e contemplam tanto ações preventivas como saúde e educação, legislativas, definições por lei do que é crime, fiscalização e repressão, poder de polícia, responsabilização, julgamento, punição e ressocialização, aplicação de penas e reintegração do indivíduo à sociedade.

O conceito trazido de Silva sobre a Segurança Pública:

Uma situação de preservação ou restabelecimento dessa convivência social que permite que todos gozem de seus direitos e exerçam suas atividades sem perturbação de outrem, salvo nos limites de gozo e reivindicação de seus próprios direito e defesa de seus legítimos interesses. (Silva, 2008, p. 780)

Em seu artigo nº 144 da Constituição Federal de 1988 trata como segurança pública o Dever do estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.

Desta forma, a atuação destes profissionais está elencada no papel de inibir ou reprimir práticas de atos considerados ilegais de acordo com a legislação, a fim de promover ao bem estar social.

Em 2018, através da Lei nº 13.675, foi instituído o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) que tem por finalidade a integração dos órgãos de segurança pública e inteligência, a fim de padronizar as informações e integrar as forças de segurança do Brasil, inclusive, do seu funcionamento, traz o compartilhamento de informações através do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN).

diferenças entre inteligência policial e investigação policial

A inteligência policial e a investigação policial apesar de caminharem na mesma vertente, possuem processos distintos, como o seu objetivo, sua forma de obtenção de dados, o tempo e a finalidade do que fora encontrado.

Fato este que, uma das principais distinções é no que tange ao aspecto do procedimento e objetivo.

Na inteligência policial a natureza da ação é consultiva, para prevenção de delitos, a fim de obter o dado negado, produzindo e salvaguardando conhecimento de forma reservada e sigilosa em um processo decisório.

Já a investigação policial tem natureza executória ou reativa, agindo depois de ocorrido o fato, através de obtenção de prova criminal para identificação de autoria e materialidade, num procedimento público com finalidade de condenação criminal.

Brandão (2010, p. 17) dispõe sobre este tema: (...) ainda não alcançamos no país um grau de especialização e proeminência capaz de gerar o que em outros países já se chama de policiamento liderado pela inteligência (intelligence led-policing). É crucial construir uma cultura capaz de perceber as respostas e os resultados operacionais imediatos que a atividade de inteligência pode fornecer e que depende fundamentalmente da sinergia produzida entre os ganhos tecnológicos viabilizados pela infraestrutura de tecnologia de informações e comunicações, pela riqueza dos bancos de dados e das informações entranhadas na própria atividade operacional (preventiva e investigativa) e pela capacidade analítica.

Após as definições trazidas é possível listar que a inteligência age antes que o crime ocorra, utilizando-se de métodos e práticas capazes de desencadear ações preventivas e repressivas, o que difere na investigação policial, onde o ilícito já ocorreu, do qual foi instaurado um inquérito policial com autoria e materialidade, de forma a ser possível individualizar esta autoria e as circunstâncias em que ocorreu.

É mister esclarecer que ambas as atividades possuem a finalidade de contribuir para o controle das taxas de criminalidade, no âmbito da Segurança Pública.

o crime organizado no brasil

Com a globalização e o desenvolvimento tecnológico, houve a possibilidade de uma interconexão de recursos, permitindo que a sociedade se desenvolva e se capacite cada dia mais.

Diante esta globalização, o crime organizado obteve vantagem, de forma a combinar as inovações tecnológicas e as especializações à prática criminosa. Nesta cena, percebe-se que nos últimos 20 anos, houve o fortalecimento do crime organizado não só no Brasil, mas no mundo, no que tange às práticas ilícitas, como narcotráfico e corrupção, tráfico de drogas e pessoas e lavagem de dinheiro.

Para o promotor de justiça do Ministério Público de São Paulo Eduardo Araújo Silva (2003, p. 25-26) a origem das organizações criminosas brasileiras encontra-se no fenômeno do cangaço. O autor ainda cita o jogo do bicho como a primeira infração penal organizada no Brasil.

No entendimento de Ivan Luiz da Silva (1998, p. 52) a origem do crime organizado no Brasil encontra-se em duas fontes. A primeira delas consiste no natural evolução e crescimento da atividade criminosa individual para a prática de crimes através de quadrilhas especializadas em determinados tipos de crimes. A segunda fonte seria a ajuda, através de conhecimentos e táticas de guerrilhas e organização, transmitida pelos presos políticos aos presos comuns. Isto ocorreu durante o regime militar quando estes dois tipos de presos (políticos e comuns) foram encarcerados conjuntamente.

Na noite do dia 12 de maio de 2006, em São Paulo, a cidade se viu amedrontada, através de uma seria de atentados com queima de ônibus, instituições bancárias e policiais, gerando pânico à capital, através de uma facção criminosa autodenominada Primeiro Comando da Capital (PCC).

O primeiro comando da capital é uma das maiores organizações criminosas existente no Brasil, tendo sua função em 1993, na casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo, estando atualmente presente em todos os estados brasileiros, além de outros países como Colômbia e Venezuela, estimando-se cerca de 30 mil membros.

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Esta organização é financiada pelo tráfico de drogas, mas também possui participações com roubos de cargos, assaltos e sequestros, estes crimes em segundo, são responsáveis por financiar a corporação.

O primeiro comando da capital está presente em diversos presídios do Brasil e possuem uma espécie de batizado aos novos que entram à organização criminosa, de forma que, após batizados, a sua família fica protegida e o individuo responde aos pais e tios da organização.

O gráfico abaixo mostra a presença do PCC no território brasileiro:

Fonte: A Guerra, a ascensão do PCC e o mundo do Crime no Brasil

Além do Primeiro Comando da Capital, temos também o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, que apesar de enfraquecido com o tempo, teve grande repercussão no Brasil.

USO DA INTELIGÊNCIA COMO REPRESSÃO DO CRIME ORGANIZADO

Conforme apresentado durante o presente trabalho, o uso da inteligência é um meio importante para repressão do crime organizado.

Isto pois, com a evolução das pessoas privadas de liberdade, o crime organizado vem se integrado cada vez mais nos presídios brasileiros.

Fonte: Ministério da Justiça. A partir de 2005, dados do Infopen.

Desta forma, conforme mostra o gráfico acima, a população de indivíduos privados de liberdade está crescendo e isso tem decorrência do crime de tráfico de drogas.

Também é sabido que a criminalidade dentro dos presídios aumentou e é nesta seara que o serviço de inteligência policial pode atuar para repressão e evitar que novos crimes, movimentações do tráfico ocorram, de forma que o presídio de fato contribua para sua a finalidade, que é a de ressocialização.

Através dos serviços de inteligência policial é possível mapear o crime organizado dentro dos estabelecimentos penais, bem como levar à identificação de outros criminosos.

O trabalho de inteligência será ainda melhor elaborado, com a aprovação do Serviço de Inteligência Penitenciária, onde o texto traz atribuições como, acompanhar e analisar as atividades do preso, produzir dados e conhecimento relacionados a crimes ou indícios de crimes e a faltas graves cometidas pelos presos durante a execução da pena, monitorar todos os meios de comunicação e acompanhar  e avaliar os contatos dos presos entre si, com visitas ou com agentes penitenciários.

CONCLUSÃO

Diante o exposto, trouxemos os conceitos de Segurança Pública, Inteligência Policial e Crime Organizado, bem como informações que confirmam a proposta de que o uso da inteligência policial contra o crime organizado será eficiente.

No que tange a Segurança Pública, o uso da atividade de inteligência é uma ferramenta de resposta e combate ao crime organizado, principalmente pela sua característica peculiar, que é a alta complexidade das organizações criminosas, de forma que, através da atividade de inteligência será possível identificar e revelar os aspectos da atuação das organizações criminosas, onde através de uma investigação policial não seriam possíveis de constatar.

Desta forma, nota-se que a inteligência policial é voltada para a produção de conhecimento e pode ser usada pelo poder de polícia de forma estratégica em ações a fim de coibirem o crime organizado, possibilitando então, que após o trabalho da inteligência policial, seja possível construir uma investigação policial de maneira coibitiva ao crime organizado.

Acredita-se com a aprovação da criação do Serviço de Inteligência Penitenciária, haverá um avanço no trabalho de inteligência policial com foco ao crime organizado dentro dos presídios.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2008.

Bittar, Paula. CCJ aprova criação do Serviço de Inteligência Penitenciária. Fonte: Agência Câmara de Notícias. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/813697-ccj-aprova-criacao-do-servico-de-inteligencia-penitenciaria/. Consulta em 21/11/2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

LEI Nº 13.675, DE 11 DE JUNHO DE 2018. Disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7º do art. 144 da Constituição Federal; cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS); institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp); altera a Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, a Lei nº 10.201, de 14 de fevereiro de 2001, e a Lei nº 11.530, de 24 de outubro de 2007; e revoga dispositivos da Lei nº 12.681, de 4 de julho de 2012.

BRANDÃO, P. C. A inteligência criminal no Brasil: um diagnóstico. In: LATIN AMERICAN STUDIES ASSOCIATION INTERNATIONAL CONGRESS, 29., Oct. 2010, Toronto, Canadá. BRASIL. Decreto nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000. Cria o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, e dá outras providências. Disponível no endereço eletrônico http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3695.htm. Acesso em 18/11/2021.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O papel do inquérito policial no sistema acusatório O modelo brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2003.

FREITAS LIMA, Antônio Vandir. O papel da inteligência na atualidade. Dissertação. (Especialização, Inteligência Estratégica) Faculdade Albert Einstein FALBE. Brasília, 2004.

MINGARDI, G. Inteligência policial e crime organizado. In: LIMA, R. S.; PAULA, L. (Orgs). Segurança pública e violência. São Paulo: Contexto, 2008.

SENASP/MJ/2015. Curso de Introdução a Atividade de Inteligência.

ADORNO, S.; PASINATO, W. Violência e impunidade penal: da criminalidade detectada à criminalidade investigada. Dilemas Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 3, p. 51-84, jan./mar. 2010.

O PCC e as facções criminosas». Politize!. 4 de fevereiro de 2019.

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Sobre o autor
Paulo Claudio Pereira Sampaio

Servidor público do Estado de Minas Gerais. Há 14 anos atuando na segurança pública, possui formação em Gestão Ambiental, especialista em Administração pública, Gestão do Sistema Prisional, Direito Administrativo, Direito Penal e Processual Penal, Inteligência Policial, concluiu o Curso de Extensão Universitária em Segurança Multidimensional nas Fronteiras pela Universidade de São Paulo - USP e Instituto de Relações Internacionais, atualmente cursando MBA em Gestão Competitiva e Business Intelligence.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE, CURVELO/MG, 2021.

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