O estatuto da pessoa com deficiência ingressou no ordenamento jurídico com status de emenda constitucional por versar sobre assunto disciplinado em tratado de direitos humanos o qual foi internalizado com quórum definido pelo art. 5º § 3ª da CRFB, previsto para tanto. É um importante instrumento de inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. A reserva de vagas para deficientes consiste numa ação afirmativa a qual foi positivada como forma de viabilizar a participação de pessoas com deficiência, ou seja, de candidatos que não estão em condição de igualdade com as pessoas da ampla concorrência, em razão das limitações físicas, psicológicos e barreiras atitudinais, entre outras.
Com o advento do estatuto, várias leis deixaram de ser recepcionadas pela Constituição, viso que são anteriores ao estatuto, mas ainda se mantém no ordenamento jurídico porque os agentes legitimados não se preocuparam em mudar a realidade, ou ainda não se atentaram ao conflito. No que diz respeito ao concurso público, algumas bancas parecem utilizar a comissão biopsicossocial prevista pelo art. 2º, da lei 13.146/15, para excluir da participação no concurso público pessoas que tenham doenças degenerativas ou crônicas, notadamente aquelas listadas no art. 146, da lei 8112/90, que ensejam aposentadoria por invalidez.
Observe-se ainda que, com alteração da legislação alguns proventos deixaram de ser integrais. Até é possível vislumbrar que nem toda pessoa com doença crônica ou degenerativa está enquadrada no conceito de deficiente. No entanto, não é possível negar àquelas que estão enquadradas no conceito do artigo segundo do estatuto do deficiente de participar de concurso público sob a justificativa da possibilidade de progressão de doença, que venha a tornar a pessoa incapaz. Ou seja, o indivíduo que já sofre limitações físicas, sofrerá também limitações sociais e econômicas por estar excluindo do direito à participação na vida em sociedade. Ao admitir que essas pessoas não têm direito a concorrer à vaga de deficiente e tão pouco à vaga de ampla concorrência, teríamos um absurdo jurídico de exclusão da pessoa da vida em sociedade (direito ao trabalho ao salário, a liberdade profissional).
Se existe a solidariedade social para pessoas que nunca trabalharam e têm a garantia do direito a receber o benefício de prestação continuada, por que não há solidariedade social com aquele que ainda podem produzir por muito tempo? Se para o BPC todos têm que dividir o ônus da falta de acesso sistema previdenciário de pessoa que nunca contribuiu, a mesma solidariedade social deveria nortear o direito dos doentes crônicos, na condição de deficientes.
Por que retirar o direito daqueles cuja doença em tese daria direito à aposentadoria por invalidez? O ordenamento jurídico certamente garante a todos um mínimo de dignidade por meio do mínimo existencial, que é o núcleo intangível dos direitos fundamentais. Se uma pessoa com deficiência, está numa cadeira de rodas; ou tem graves limitações no convívio social em razão do autismo; por que não permitir o direito a participação no concurso de uma pessoa que tem doença degenerativa ou crônica, cujo agravamento poderá, ou não, levar a uma condição de incapacidade de locomoção e/ou a necessidade de utilização de órteses, ou tecnologia assistiva.
Se um deficiente visual pode ter auxílio de uma terceira pessoa para trabalhar no serviço público, seria isonômico impedir a participação de pessoa que no momento da avaliação biopsicossocial não tem impedimento para o exercício da atividade burocrática para qual prestou concurso? Não se estaria condenando à marginalidade um grupo de pessoas que não tem culpa de ter doença grave e cujo peso deveria ser dividido com o Estado e toda a sociedade?. Avanços de tratamentos médicos, o perfil da pessoa acometida pela doença, a resposta aos medicamentos: nada disso vem sendo considerado em alguns concursos públicos, o que gera uma grave violação de direitos humanos. Onde fica a isonomia material? Será que uma pessoa com uma doença pré-existente seria automaticamente? Será que a deficiência atual (incapacidade parcial) é mais grave que uma incapacidade parcial futura? Se a lei garante que o deficiente atual possa levar uma vida normal por meio da tecnologia assistiva, ou atendente pessoal, quem garante que a pessoa acometida por doença crônica não poderá?
Resta patente que as normas que excluem os portadores de doenças graves do serviço público são preconceituosas e ultrapassadas
Atualmente respeita-se muito mais as pessoas negras (que não podem sofrer preconceito de raça) para assegurar a redução da desigualdade social por meio da mesma ação afirmativa de reserva de vagas. Hoje a mulher tem direito a votar e ser votada. Não pode haver preconceito contra homossexuais. Não se pode bater em crianças. Num futuro breve, espero que haja consciência da necessidade de inclusão de pessoas com doenças prévias e que não sejam incapazes, garantindo o seu lugar de participação na sociedade, afastando todo o preconceito de uma legislação ultrapassada e valorizando a superação e dedicação destes para uma vida mais justa igualitária. Ao que tudo indica, este é só o início de uma mudança de perspectiva para um olhar para o futuro com mais empatia.
Na condição de portadora da doença de Parkinson, peço que reflitam: não nos matem em vida. Não nos incapacitem se somos capazes. Existe vida depois de um diagnóstico. Tratamentos médicos custam caro, por isso, se o Estado não permite que o doente crônico trabalhe, ele vai ter que fornecer seus medicamentos. Não seria muito melhor que estes doente crônicos possam comprar seus medicamento com a contraprestação de seu trabalho digno?