Artigo original em https://advambiental.com.br/criar-animal-silvestre-em-casa-nao-pode-configurar-infracao-ambiental/
Na hipótese de uma pessoa possuir um animal silvestre em ambiente doméstico sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade ambiental competente e houver uma fiscalização, será lavrado um auto de infração ambiental.
Esse auto de infração ambiental, geralmente, é enquadrado no art. 24 do Decreto 6.514/2008, que prevê como infração ambiental:
Art. 24. Matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
3º Incorre nas mesmas multas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural; ou
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade ambiental competente ou em desacordo com a obtida.
Ocorre que, o ato de criar um animal silvestre em ambiente doméstico não é mencionado pelo artigo 24 do Decreto 6.514/08, isto é, tal norma não cataloga, como infração contra a fauna, a criação de animal silvestre no âmbito doméstico, de modo que tal conduta é atípica e eventual auto de infração ambiental por tal motivo padece de vício.
CRIAÇÃO DE ANIMAL SILVESTRE EM AMBIENTE DOMÉSTICO
Possuir um animal silvestre em casa é costume secular no Brasil, que foi respeitado pelo legislador. Daí, não ter inserido no art. 24, seus parágrafos e incisos, do referido Decreto 6.514/08, o verbo nuclear criar.
O mencionado dispositivo alude ao ato de matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.
O verbo criar não participa do rol de condutas no caput do mencionado art. 24 do Decreto 6.514/08.
Nem tampouco figura nos incisos do § 3º, do art. 24, do Decreto 6.514/08, a se concentrar apenas na conduta de impedir a procriação da fauna (inciso I) ou modificar, danificar ou destruir ninho, abrigo ou criadouro natural (inciso II).
Da mesma forma, criar animal silvestre em casa não faz parte do inciso III do referido § 3º, porquanto este tipifica como infração a conduta de vender, expor à venda, exportar ou adquirir, guardar, tem em cativeiro ou depósito, utilizar ou transportar ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade ambiental competente ou em desacordo com a obtida.
Observar que todos os verbos conduzem a ideia de comércio vender, expor à venda, exportar, adquirir, guardar, ter em cativeiro ou depósito, etc que a norma, evidentemente, com muita presteza, quer evitar e, por isso, combate de modo frontal, o que não se verifica quando o fato se traduz por criar em casa, como se cria gato, como se cria cão, entre os animais mais domésticos que se conhece.
VERBO GUARDAR É DIFERENTE DO VERBO CRIAR
Verdade é que o termo guarda, que integra o rol de condutas do III, do § 3º, do art. 24, do Decreto 6.514/08, não se encaixa no fato de criar animal silvestre em casa.
Isso porque, a guarda mantém a ideia de que recebeu de alguém um animal, para ficar sob seus cuidados, por algum tempo, diferentemente de criar em sua casa, cercado dos cuidados devidos, o que é bem diferente da guarda doméstica, sempre com o significado de guarda transitória.
Ademais, o termo guarda simboliza o cuidado, a vigilância a respeito de alguém ou de alguma coisa, o abrigo, o amparo, a benevolência, o cuidado, o favor, a proteção, a sentinela, diferentemente do verbo criar.
É certo que o § 2º, do art. 24, do Decreto 6.514/08, alude a guarda doméstica, a simbolizar a guarda dentro do ambiente caseiro, o que também não traduz o verbo criar.
Mesmo sendo guarda doméstica, o seu significado se distancia de criar o animal em casa, porque se guarda o que não é seu, mas de alguém que lhe pede ou lhe encarrega, guarda, portanto, que é meramente transitória.
LEI 9.605/98 NÃO CRIMINALIZA O ATO DE CRIAR ANIMAL SILVESTRE
Em tudo, o que pretendeu o poder executivo ao redigir o art. 24, do Decreto 6.514/08, foi a vedação e o combate ao comércio clandestino de animais, cujo texto reproduz a intenção do legislador, responsável pela edição da Lei Federal 9.605/08, e que também decidiu não punir o ato de criar animal em casa, veja:
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
§1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
A ideia de que um animal silvestre, mantido em casa, por longo período, em contato diário e permanente, não se constitui em infração, o que não é novidade, por não ter o legislador, em momento algum, se utilizado do verbo criar, ao contrário, deixaria ele bem claro que criar constituiria em infração a fauna, o que não o fez.
CONCLUSÃO
Quem já viu um animal silvestre tanto na casa de seus avôs como de seus pais tratado como membro da família, recebendo todo cuidado, amor, carinho e afeto, como se filho fosse, inclusive, interagindo com todos, respondendo as manifestações das pessoas, mesmo estranhas a casa, que dele se aproximam, compreende o bem que um animal silvestre proporciona ao seu criador, sem se falar no longo tempo que vive, o que mais sedimenta a ligação afetiva.
Infelizmente, fiscais, que lavram tal auto de infração, não conseguem entender que o combate que a Lei 9.605 faz é a guarda do animal que se destina à venda, e, não do animal criado desde pequeno, no interior de uma casa, como membro da família.
Embora louvável o trabalho do agentes de fiscalização ambiental na repressão dos crimes e infrações ambientais, há que se considerar a situação particular de animais silvestres que se encontram por longo tempo de convívio em ambiente doméstico, pacífico e livre de ameaças externas, criados com zelo e dedicação por seu dono, tratado como se filho fosse.
Tal atitude não se coaduna com o texto da infração administrativa art. 24, do Decreto 6.514/08, a teor do art. 70, da Lei 9.605, porque não se torna crime contra a fauna, não se enquadrando, pois, no rol do inciso III, do art. 29, reproduzido por aquele dispositivo (24).
Além do mais, por se tratar de norma punitiva, não é possível ampliar o seu rol de aplicação, do contrário, violaria o princípio da vedação de interpretação analógica in malam partem, como consectário lógico do princípio da reserva legal, que veda a imposição de penalidade sem previsão legal prévia e expressa.
Significa dizer, que o Direito Administrativo Sancionador, assim como no Direito Penal, rege-se pela legalidade estrita não cabendo aplicação de sanção não regulamentada em lei.
Portanto, há de se diferenciar o verbo guardar do verbo criar, sendo que este não foi inserido na Lei pelo legislador, tão pouco reproduzido pelo chefe do executivo ao editar o Decreto 6.514/08, de modo que um auto de infração ambiental lavrado contra alguém que cria animal silvestre em casa padece de vício e deve ser declarado nulo, por atipicidade da conduta.
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