Crime de stealthing – estelionato sexual

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Trata-se de uma modalidade criminosa antiga, que remonta a idade média (anos 476 a 1.453), conhecido por STUPRUM PER FRAUDEM, que possuía a mesma reprimenda penal do Estupro Violento daquela época.

Posteriormente, com o significativo aumento do uso da furtividade, dissimulação ou fraude na prática dos atos sexuais, passou a ser positivado na Legislação Penal Prussiana no ano de 1620, seguido pelo Código Penal Espanhol em 1822 e Legislação Penal Italiana em 1853. No Brasil somente a partir da Constituição de 1967 firmou-se igualdade jurídica entre homens e mulheres. Contudo, conforme PRADO[1], a partir do ano de 2009, com o advento da Lei 12.015/09, esse delito passou a configurar na figura típica, sob um único nomem iuris Violação mediante fraude (artigo 215, CP[2]).

Conforme ensina Jamil Chaim[3], É a conduta de retirar o preservativo (camisinha ou proteção) durante o ato sexual, sem o consentimento de outra pessoa. Nesses casos a vítima deseja a prática do ato sexual seguro, porém a proteção é retirada durante este momento.

Se a vítima condicionou a relação sexual ao uso da proteção, a retirada não consentida, ou mesmo a sua não colocação, simulando que a colocou, configura o delito de violação sexual mediante fraude (artigo 215, CP).

Nesses casos a vítima (homem ou mulher), mantém uma relação sexual consentida, mas com a vontade viciada em razão da fraude[4] empregada pelo agente. É uma quebra de confiança na relação entre as pessoas, que expõe a vitima a situação de perigo (gravidez indesejada, doenças, traumas psicológicos e outros).

O artifício empregado na fraude deve recair sobre aspectos essenciais da situação de fato, que se fosse do conhecimento da vítima não teria o consentimento à prática do ato sexual.

A fraude limita-se a viciar a vontade da vítima sem suprimi-la, ou seja, a fraude precisa ter aptidão.

Ao que tange a elementar do tipo, a conjugação carnal pode ser praticado por homem contra a mulher, pelo homem contra outro homem, pelo transgênero ativo que faça uso de prótese peniana ou mesmo por mulher contra homem ou mulher que utiliza apetrechos ou objetos sexuais de forma desprotegida no parceiro (a). Não podemos esquecer que o bem jurídico tutelado é a liberdade sexual, em que a pessoa precisa ser livre para escolher.

Ademais, quando se menciona a proteção para o ato sexual, estamos considerando qualquer objeto apto à realização da pratica sexual ou ato libidinoso, que engloba a titulo de exemplo: preservativos masculinos ou femininos, luvas e etc.

Já em relação a outro ato libidinoso, pode envolver ambos os sexos. Pois é a ação capaz de gerar satisfação sexual e contemplação da lascívia, que é inerente a ambos os sexos.

DOLO: O tipo subjetivo é representado pelo dolo, que consistente na consciência e vontade de realizar os elementos objetivos do injusto. Em decorrência da fraude empregada pelo agente, pode haver reiteradas práticas em situações diversas, sendo admissível o crime continuado. Conforme nos ensina Andreas Eisele[5], O dolo não é um elemento do tipo, mais um instituto necessário para a definição da tipicidade da conduta.

Uma das finalidades da conduta do agente é subjugar e estabelecer uma relação de dominância com a vítima expondo-a ao perigo, pois a retirada da proteção ocorre dentro de um cenário coberto pela clandestinidade (as escondidas). Ao nosso entender, um dos objetivos do agente é inferiorizar a vítima, caracterizando uma violência de gênero.

Provas do Dolo[6]:

- Para apuração é essencial considerar o contexto em que os fatos transcorreram.

- Aferição pelo conhecimento dedutivo.

- Exame das circunstâncias já provadas (verificar arts. 59, 61 a 67 do CP).

- Confissão do acusado (KLEINSCHROD).

- A prova do dolo é possível, desde que o método de comprovação seja subjetivo.

- Análise do significado social da conduta Critério social da prova do dolo.

- A vontade do agente deve abarcar as finalidades ou tendências típicas, no sentido de sua obtenção.

- Para SCHMIDHÄUSER, desenvolvedor da teoria da representação, o agente atua dolosamente se ele suporta o perigo.

- Para VOLK (FG- BGH, p. 739 e 746), quando um argumento analisado isoladamente não puder ser caracterizado de forma inequívoca e por si só como parte de uma definição ou como regra de prova, não pode o mesmo ser utilizado inequivocamente pelo direito material ou processual.

- Para PUPPE, o dolo é provado quando o agente conhece as circunstâncias e possui um método (modus operandi) e estratégia idôneos para a realização do fato típico, ou seja, para a Professora Puppe, é preciso caracterizar um planejamento.

Emprego de Violência ou grave ameaça: De forma diversa caso haja o emprego da violência ou grave ameaça para o intento criminoso, estaremos diante do crime de estupro (artigo. 213, CP). Importante observar que se a vitima utilizar droga, álcool ou algo que a faça não oferecer resistência, estaremos diante do estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A, § 1°, segunda parte[7], do CP.

Previsibilidade de Multa: O parágrafo único do artigo 215 do CP prevê de forma cumulada a aplicação da pena de reclusão e multa, caso haja a finalidade de obter vantagem econômica. Nesse caso, basta a mera intenção de obter a vantagem pecuniária.

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Tentativa: É cabível quando por circunstâncias alheias a vontade do agente, a conduta não pode ser realizada.

Progressão Criminosa: Ocorre quando o agente quer o resultado menos grave, mas no meio do curso causal, muda o dolo e passa a querer um resultado mais grave.

Em decorrência do crime previsto no artigo 215 do CP, o agente pode expor a vítima a perigo de contato venéreo crime previsto no artigo 130 do CP[8] ou a contágio de moléstia grave conduta criminosa tipificada no artigo 131 do CP[9]. Podendo desdobrar basicamente nos seguintes casos, segundo magistério de CHAIM[10]:

Transmissão de HIV: Lesão Corporal de natureza gravíssima: art. 129, §2°, II do CP.

Lesão corporal de natureza leve, se ocorrer à transmissão de moléstia.

Lesão corporal de natureza grave artigo 129, parágrafos 1°, 2° e 3° do CP.

Homicídio (artigo 121, CP), caso a moléstia possa gerar o resultado morte.

Epidemia (artigo 267, CP), se a conduta atingir um número indeterminado de pessoas.

Lei Maria da Penha (Lei 11340/2006): Possível aplicação tendo em vista, o âmbito de aplicação da norma por força de seu artigo 5°, dentro de um contexto doméstico, familiar ou com relação intima de afeto. Salutar mencionar que a Lei Maria da Penha não é uma lei penal, e sim de caráter protetivo. A referida Lei se aplica as mulheres trans, sempre que configuradas as hipóteses do art. 5°, conforme Enunciado n° 46 do FONAVID[11].

Proteção ao homem pela Lei 11.340/2006: Parte da jurisprudência admite, excepcionalmente, a aplicação, sobretudo das medidas protetivas, quando o homem estiver em especial situação de vulnerabilidade. Mas de toda forma, aplica-se o artigo 129, § 9° do CP.

Para o acionamento da Lei Maria da Penha, ao que tange as medidas protetivas e medidas de assistência, não é preciso que haja crime, basta que haja situação de violência (física ou psicológica).

A medida protetiva de urgência não tem haver com o crime, é uma ação civil cautelar satisfativa de proteção da pessoa. Não precisa de uma ação principal É uma cautelar autônoma. A Lei Maria da Penha, não altera a ação penal prevista para cada crime tal como disciplinado no Código Penal.

Da Atipicidade da Conduta: Conforme preleciona Masson[12], Se em razão da fraude ou expediente similar a vítima é obrigada a praticar em si mesma atos sexuais (ex: automasturbação), ou vier a praticar no agente ato libidinoso (ex; sexo oral), não se poderá reconhecer o crime de violação sexual mediante fraude. Isso ocorre, por que o texto legal é ... praticar ato libidinoso com alguém.... O tipo penal exige uma conduta passiva da vítima para sua configuração típica, contudo sem que haja estado de vulnerabilidade, pois estando presente teremos o crime de estupro de vulnerável capitulado no artigo 217-A do CP.

Outra forma de verificar a atipicidade da conduta do agente ocorre quando a vítima percebe a retirada do preservativo ou da proteção, e dá continuidade a relação sexual de forma consentida.

Por fim, relevante mencionar que essa modalidade criminosa é tipificada no ordenamento jurídico brasileiro, não se trata de uma mera quebra de confiança a ser analisada pelos órgãos de persecução, podendo ter um intento maior que pode se desdobrar em homicídio na forma consumada ou mesmo em um crime de epidemia, caso haja um número indeterminado de vítimas.

Sobre o autor
Silvio Teixeira de Souza Júnior

Direito - Universidade Cândido Mendes Direito - FND Pos graduado em prática penal avançada - Damasio de Jesus/ IBMEC Pos graduado em direito penal - Damásio de Jesus/ IBMEC Membro Grupo de Estudos Avançados Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) Baixada Fluminense. Membro IBCCRIM, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e M133. Especialização em Essentials of Corporate Finance, pela University of Melbourne, Mestrado em Administração de Negócios em Controladoria e Finanças pela UNIGRANRIO. Academia Militar das Agulhas Negras. Children's Human Rights. Université de Genève, UNIGE, Suiça.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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