DIVERGÊNCIAS SOBRE A POSSIBILIDADE DE CLEMÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

22/07/2022 às 23:41
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Diego Lima do Nascimento

Brasília, 2022

Introdução

Atualmente existe no ordenamento jurídico brasileiro divergência de interpretação quanto à possibilidade de o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri conceder clemência a um réu, ainda que se tenha comprovadas a materialidade e autoria do crime. O fundamento legal para essa clemência encontrar-se-ia no nosso Código de Processo Penal (CPP), tal qual disposto pelo seu artigo 483, III, que se refere ao questionário que se deve fazer ao Conselho de Sentença (Seção XIII do Capítulo II  Do procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri), especificamente: se o acusado deve ser absolvido. Essa divergência envolve princípios constitucionais bem como os próprios dispositivos do CPP, aos quais são dadas interpretações distintas, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência pátrias, conforme se verá a seguir.

Objetiva-se aqui, então, primeiramente abordar brevemente os dispositivos legais que determinam a criação e a competência do Tribunal do Júri  com o fim de entender melhor o contexto e as frase do processo penal nos quais surgem a possibilidade de o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri conceder clemência , para, posteriormente, avaliarmos, por meio da jurisprudência e opiniões doutrinárias, sobre a constitucionalidade e legalidade da clemência, bem como quais são as vias recursais e desfechos jurídicos possíveis após a manifestação do júri em um caso de absolvição de um réu que caracterize a clemência. Por fim, apresentam-se as considerações finais sobre essa temática.

Poderes e Competências do Tribunal do Júri

Existe no ordenamento jurídico brasileiro a figura do Tribunal do Júri ou, como é mais massivamente conhecido, Júri Popular, que se trata de um verdadeiro exemplo de mecanismo de exercício da democracia pela participação direta do cidadão comum nas atividades do Estado, por meio do Poder Judiciário. O Júri tem sua previsão dada diretamente pela Constituição, no artigo 5º, incicso XXXVIII: é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei [...], e sua competência precípua é o julgamento de crimes dolosos contra a vida, que são aqueles previstos nos artigos 121 a 128 do Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848 de dezembro de 1940), desde que cometidos com animus necandi, a intenção de tirar a vida de otura pessoa, excluindo-se, portanto, esses mesmo crimes se forem cometidos na modalidade culposa por imprudência, negligência ou imperícia , como acontece em casos de acidentes. As alíneas do dispositivo constitucional supracitado determinam ainda a plenitude de defesa dos acusados perante o Tribunal do Júri (alínea a), o sigilo das votações (alínea b) e a soberania dos vereditos proferidos (alínea c).

As regras de alistamento e convocação, sorteio e seleção dos jurados para a composição do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, bem como sobre as sessões, votos e sobre os procedimentos a serem seguidos encontram-se dispostas nos artigos 406 a 497 do Código de Processo Penal (Decreto-Lei N. 3.689, de 3 de outubro de 1941), que compõem o Capítulo II do Título I do Livro II: Do Procedimento Relativo aos Processos da Competência do Tribunal do Júri. O Conselho de Sentença  responsável por proferir as sentenças de condenação ou absolvição dos acusados, mas não pela dosimetria e aplicação da pena  é formado por 7 jurados escolhidos dentre os 25 sorteados, alistados e convocados para compor o Tribunal do Júri, juntamente com um juiz togado, que é quem preside Júri e faz a dosimetria da eventual pena e pela aplicação da sentença soberana emanada pelos jurados (art. 447, CPP).

Com a promulgação da Lei 11.689/2008, incluiu-se no questionário do procedimento do Tribunal do Júri o quesito genérico de absolvição (art. 483, III, do CPP), de modo que os jurados passaram a gozar de ampla e irrestrita autonomia na formulação de juízos absolutórios, não estando vinculados, em seu processo decisório, às teses suscitadas em plenário pela defesa ou quaisquer outros fundamentos de natureza estritamente jurídica. Este é o entendimento que parte significativa da doutrina e da jurisprudência tem seguido a partir da referida alteração legislativa, embora caiba salientar que existem entendimentos diversos, que serão explorados adiante.

Contudo, conforme o disposto no artigo 593, III, d, do CPP, em respeito ao duplo grau de jurisdição, há a possibilidade de apelação da decisão do júri, caso seja manifestamente contrária à prova dos autos e, conforme o disposto no §3º do referido dispositivo, caso seja provido o recurso, será o réu submetido a novo julgamento, por um novo Júri formado por jurados necessariamente diferentes do anterior, à cuja respectiva sentença não se admitirá segunda apelação por motivo idêntico, ou seja, em caso de nova absolvição, esta será irrecorrível.

Das divergências sobre a aceitação ou não do benefício da clemência concedido por meio da absolvição do acusado pelo Conselho de Sentença por meio da resposta ao quesito genérico, começou-se uma discussão sobre estarem diversos outros princípios jurídico-constitucionais em conflito, como, especialmente, o da segurança jurídica, pela instabilidade causada por essas sentenças, sobre as quais os críticos argumentam não prolatadas com base em critérios técnico-jurídicos, por serem os jurados leigos; o da igualdade e isonomia (art. 5º, caput, CF), visto que dois acusados que cometessem o mesmo crime e circunstâncias semelhantes poderiam ser indiscriminadamente um condenado e outro absolvido, à mercê dos jurados que fossem chamados para formar o Conselho de Sentença, o que introduziria um perigoso elemento de aleatoriedade aos processos de competência do Tribunal do Júri. Para além do argumento de que o Júri estaria tolhendo o Jus Puniendi do Estado e obstando a consecução da Justiça e necessária compensação da sociedade pela satisfação do crime por meio do cumprimento da respectiva pena legalmente cominada.

Em que pese a previsão do artigo 593 do CPP anteriormente abordada, existem divergência com relação a interposição de recurso contra as sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri, razão de serem tomadas da previsão constitucional que assegura o sigilo das votações. Segundo os defensores dessa posição (HC 185.068/SP, Rel, Min. Celso de Mello, Segunda Turma), o controle judicial em sede recursal dessas decisões seria incompatível, pois não há como se verificar nem a motivação nem os fundamentos efetivamente acolhidos pelo Conselho de Sentença para a absolvição (CPP, art. 483, III), em razão do sigilo:

I Em razão da superveniência da Lei 11.689/2008, que alterou o Código de Processo Penal CPP no ponto em que incluiu no questionário do procedimento do Tribunal do Júri o quesito genérico de absolvição (art. 483, III), os jurados passaram a gozar de ampla e irrestrita autonomia na formulação de juízos absolutórios, não se achando adstritos nem vinculados, em seu processo decisório, seja às teses suscitadas em plenário pela defesa, seja a quaisquer outros fundamentos de índole estritamente jurídica, seja, ainda, a razões fundadas em juízo de equidade ou de clemência (HC 185.068/SP, Rel, Min. Celso de Mello, Segunda Turma).

II Em face da reforma introduzida no procedimento penal do júri, é incongruente o controle judicial em sede recursal (CPP, art. 593, III, d), das decisões absolutórias proferidas pelo Tribunal do Júri com base no art. 483, III e § 2o, do CPP, quer pelo fato de que os fundamentos efetivamente acolhidos pelo Conselho de Sentença para absolver o réu (CPP, art. 483, III) permanecem desconhecidos (em razão da cláusula constitucional do sigilo das votações prevista no art. 5o, XXXVIII, b, da Constituição), quer pelo fato de que a motivação adotada pelos jurados pode extrapolar os próprios limites da razão jurídica.

III Agravo regimental a que se nega provimento.

Diante dessa situação e das divergências jurisprudenciais acerca do tema, foi reconhecida a repercussão geral quanto à constitucionalidade da absolvição baseada no quesito genérico, conforme se observa no Tema 1.087 do STF, que tem por objeto justamente a possibilidade de Tribunal de 2o grau, diante da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, determinar a realização de novo júri em julgamento de recurso interposto contra absolvição assentada no quesito genérico, ante suposta contrariedade à prova dos autos.

Das Divergências na Jurisprudência e na Doutrina Processual Penal

Quanto a divergência nos tribunais, temos algumas manifestações jurisprudenciais tanto favoráveis como contrários à possibilidade de se adotar a clemência. Em sentido favorável temos o caso do HC 178.777-MG, impetrado em face do Supremo Tribunal Federal. Conforme o relatório feito nesse caso, o réu havia sido indiciado pela tentativa de homicídio qualificado, conforme disposto no art. 121, 2º, incisos II, IV e VI (que se referem ao crime de homicídio e às qualificadoras, respectivamente), combinados com o artigo 14, inciso II (que se refere à forma tentada), todos do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei N. 2.848, de 7 de dezembro de 1940). Quando do momento do julgamento do réu pelo Júri, o Conselho de Sentença deu resposta afirmativa com relação aos quesitos referentes à materialidade e autoria, ou seja, pelo entendimento da maioria dos jurados, comprovaram-se os fatos típicos característicos do crime e que foi o réu o responsável pela realização desses atos. No entanto, quando os mesmos jurados foram indagados se absolvição do réu, deram resposta afirmativa, concedendo a absolvição. Estamos diante então de um caso de uma concessão de clemência, visto que os jurados que compunham esse Conselho de Sentença decidiram por não cominar a respectiva pena ao crime cometido pelo réu que foram incumbidos de julgar.

O caminho processual a ser seguido seria uma apelação a ser interposta pelo Ministério Público para a realização de um novo Júri, dado que este é  como já demonstrado anteriormente  o incumbido constitucional pelo julgamento de caso de crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, então não poderiam os desembargadores da respectiva Corte de apelação substituir o Júri nesse julgamento. Ocorreu que o Ministério Público interpôs tempestivamente o recurso, porém não obteve êxito, nem por meio de embargos declaratórios, nem por meio de Recurso Especial ao STJ  o recurso foi desprovido e o agravo interno negado pela Quinta Turma. Desse modo, o título condenatório transitou em julgado.

Por fim, a questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal para que se manifestasse sobre a constitucionalidade da absolvição. A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo indeferimento. Por sua vez, a Defensoria Pública de Minas Gerais, manifestou-se no sentido de defender a obrigatoriedade do quesito genérico de absolvição, a cuja resposta afirmativa não implicaria contradição ou decisão contrária às provas do processo, visto que a decisão do Júri é soberana, tal qual prevê a Constituição Federal, e que os jurados têm a prerrogativa de absolver o réu por meio da resposta afirmativa ao quesito de absolvição, independentemente do que se lhes for apresentado, tanto pela defesa quanto pela acusação.

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No julgamento da 1ª Turma do STF, que se deu em 29/9/2020, ficou incumbido pela relatoria do caso o Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio. O voto do ministro relator Marco Aurélio basicamente firmou a tese de que a vontade do Júri é soberana e deve ser respeitada, mesmo quando seja pela absolvição do réu, após comprovadas materialidade e autoria do crime. Visto que a decisão do conselho de sentença do júri é tomada pela livre convicção dos jurados. Ou seja, o relator foi favorável à aceitação da possibilidade de clemência ao, por fim, votar pelo deferimento da ordem de restabelecimento da sentença absolutória, justificando que:

O quesito versado no dispositivo tem natureza genérica, não estando vinculado à prova. Decorre da essência do Júri, segundo a qual o jurado pode absolver o réu com base na livre convicção e independentemente das teses veiculadas, considerados elementos não jurídicos e extraprocessuais. A pergunta, conforme se depreende do preceito legal, há de ser formulada obrigatoriamente, no que a resposta afirmativa não implica nulidade da decisão, independentemente dos argumentos suscitados, em Plenário, pela defesa (voto no HC 178.777-MG/2020).

Sobre esse assunto, existem divergências tanto doutrinárias quanto na jurisprudência; nesta última, a divergência pode ser notada em relação aos tribunais, pois o STJ possui entendimento diverso sobre o assunto, como no caso do HC: 313.251-RJ/2018, sob a relatoria do ministro Joel Ilan Paciornik, a absolvição por clemência foi basicamente rejeitada, sob o argumento da necessidade de novo julgamento:

EMENTA

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. DESCABIMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. ABSOLVIÇÃO. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO PROVIDA. ART. 593, III, D, DO CPP. SUBMISSÃO DO RÉU A NOVO JULGAMENTO. O JUÍZO ABSOLUTÓRIO PREVISO NO ART. 483, III, DO CPP NÃO É ABSOLUTO. POSSIBILIDADE DE CASSAÇÃO PELO TRIBUNAL DE APELAÇÃO. EXIGÊNCIA DA DEMONSTRAÇÃO CONCRETA DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS. SOBERANIA DOS VEREDICTOS PRESERVADA. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. MANIFESTA CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO QUE DEMANDA REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE EM HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. WRIT NÃO CONHECIDO.

[...]

2. As decisões proferidas pelo conselho de sentença não são irrecorríveis ou imutáveis, podendo o Tribunal ad quem, nos termos do art. 593, III, d, do CPP, quando verificar a existência de decisão manifestamente contrária às provas dos autos, cassar a decisão proferida, uma única vez, determinando a realização de novo julgamento, sendo vedada, todavia, a análise do mérito da demanda.

3. A absolvição do réu pelos jurados, com base no artigo 483, III, do CPP, ainda que por clemência, não constitui decisão absoluta e irrevogável, podendo o Tribunal cassar tal decisão quando ficar demonstrada a total dissociação da conclusão dos jurados com as provas apresentadas em plenário. Assim, resta plenamente possível o controle excepcional da decisão absolutória do júri, com o fim de evitar arbitrariedades e em observância ao duplo grau de jurisdição. Entender em sentido contrário exigiria a aceitação de que o conselho de sentença disporia de poder absoluto e peremptório quanto à absolvição do acusado, o que, ao meu ver não foi o objetivo do legislador ao introduzir a obrigatoriedade do quesito absolutório genérico, previsto no artigo 483, III, do CPP" (STJ - HC: 313251 RJ 2014/0345586-7, Relator: ministro Joel Ilan Paciornik, data de julgamento: 28/2/2018, S3 - 3ª Seção, data de publicação: DJe 27/3/2018 RSTJ vol. 250 p. 684).

Já mais recente, neste outro julgado do STJ pode-se entender que, embora aceite que seja possível a clemência do Conselho de Sentença por meio da absolvição do réu com base em qualquer tese de defesa, também é possível a anulação dessa decisão absolutória, se for manifestamente contrária à prova dos autos, pelo Tribunal de Justiça, acatando recurso de apelação interposto pelo MP, sem que isso represente uma violação à soberania dos veredictos. Consoante o exposto no acórdão do HC 621.679, de Relatoria do Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09.12.2020, in verbis:

É possível a absolvição do réu amparada em qualquer tese defensiva, ainda que não sustentada em plenário, como decorrência lógica do sistema de íntima convicção. Dessa forma, a melhor interpretação dos arts. 483, inciso III, § 2o, e 593, inciso III, alínea d, § 3o, do Código de Processo Penal, é a de ser possível a absolvição do acusado, mesmo que haja o reconhecimento da materialidade e da autoria delitiva, ainda que a única tese defensiva seja a de negativa de autoria. No entanto, é possível postular o reconhecimento de nulidade do julgamento, nos moldes realizados pelo Ministério Público, com fundamento no art. 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal, apontando contrariedade à prova dos autos sem que isso signifique violar a garantia constitucional da soberania dos veredictos.

Também é contrário a tese firmado pelo STF o renomado doutrinador do processo penal brasileiro, Renato Brasileiro de Lima (2020), cuja opinião é na de que a lei não objetivou dar poderes irrestritos aos jurados para conceder a absolvição do réu:

"Fosse a intenção do legislador outorgar aos jurados ampla e irrestrita autonomia em seu processo decisório, deixando-os desvinculados às teses suscitadas em plenário pela defesa e/ ou a fundamentos de índole estritamente jurídica, é de todo evidente que teria suprimido todos os demais quesitos (v.g., materialidade, autoria, causas de diminuição de pena, etc.), deixando apenas aquele atinente à absolvição do acusado, o que, de fato, não ocorreu" (LIMA apud MARQUES, 2020).

Considerações Finais

Em que pese as divergências apresentados, existem alguns pontos sobre os quais tanto os que são favoráveis quanto os que são contrários a tese da possibilidade da clemência estão de acordo, que são os que dizem respeito de ser o Júri o juízo natural competente para julgamentos de crimes dolosos contra vida, tentados ou consumados, como que a decisão do júri deve ser soberana e que esses poderes estão disciplinados não somente no CPP, mas são também mandamentos constitucionais diretos.

O procedimento relativo aos processos da competência do tribunal do júri já apresenta diversos princípios e mecanismos de interpretações apriorísticas das situações fáticas dúbias que são, em certa medida, contrários a princípios constitucionais, como o da presunção da inocência (CF, art. 5º, LVII), desdobrável no princípio do in dubio pro reo (CPP, 155). É o caso da intepretação, feita pelo juiz togado durante a fase da judicium accusationis, dos indícios de materialidade, autoria e culpabilidade, para se proceder a pronúncia ou impronúncia do réu a ser julgado pelo juiz natural competente (o júri popular) , na qual a majoritária doutrina diz imperar o in dubio pro societate, ou seja, em caso de dúvida, em vez de se absolver (de ser declarada a impronúncia, nesse caso), deve-se pronunciar o réu para que o Júri decida.

Ora, entendemos, portanto, que, se já existe uma fase em que se decide em desfavor do réu e opta-se pelo prosseguimento do processo sob a justificativa de que se deve por a cargo do Júri o destino do réu  se esta será ou não condenado, então não seria coerente que, na fase posterior, se afirme que a decisão tomada não deva ser respeitada. Do contrário, incorre-se em risco de incontornável contradição. Ainda, essa mesma decisão que se tomou in dubio pro societate na fase da judicium accusationis tem o condão de fortalecer ainda mais a importância da manifestação do Júri e soberania de sua decisão.

Conforme se demonstrou, a decisão do Júri pela absolvição do réu ou mesmo clemência deve ser formada pela livre convicção dos jurados. Assim, temos que livre entende-se ser qualquer coisa! A bondade ou a fé dos jurados, por exemplo, que pode admitir qualquer meio de prova, como até mesmo a prova psicografada ou inúmeras outras admissíveis, o que só assim se garante o também constitucional princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). A força dessa decisão e a garantia de ser julgado por seus pares já é algo previsto e pensado desde o mais antigo protótipo de constituição que conhecemos, a Magna Carta de 1215, segundo a qual: No free man shall be seized or imprisoned, or stripped of his rights or possessions, or outlawed or exiled, or deprived of his standing in any way, nor will we proceed with force against him, or send others to do so, except by the lawful judgment of his equals or by the law of the land.

Tanto é assim que, com as devidas vênias às posições divergentes, os demais ministros da Primeira Turma de nossa Corte Suprema seguiram o voto do relator e formaram acórdão no sentido de firmar a posição favorável à possibilidade de concessão clemência pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri.

Referências Bibliográficas:

BARROS, Francisco Dirceu. Teoria e prática do novo júri. São Paulo: Elsevier, 2008.

JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal anotado. 23a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva. 2009.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020. p. 1.952.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 11a ed. São Paulo: Editora Atlas. 2008.

NOVAIS, César Danilo Ribeiro de. A inconstitucionalidade do novo artigo 478 do CPP. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1878, 22 ago. 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2008.

SCHLEE GOMES, Márcio. Debates no Júri: a taxatividade do art. 478 do CPP. Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, v. 12, p. 158-179, 2017.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de Outrubro de 1941 (Código de Processo Penal).

BRASIL. Decreto-Lei N. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

STF. HC: 178777 MG 0033658-62.2019.1.00.0000, 29/09/2020.

STF. HC: 178777 MG 0033658-62.2019.1.00.0000, 29/09/2020.

STF. HC 178.856, Rel. Min. Celso de Mello, 2a Turma, j. 09.10.2020.

STJ. HC 621.679, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5a Turma, j. 09.12.2020

STJ. HC: 313251 RJ 2014/0345586-7, Relator: ministro Joel Ilan Paciornik, data de julgamento: 28/2/2018, S3 - 3ª Seção, data de publicação: DJe 27/3/2018 RSTJ vol. 250 p. 684

No free man shall be seized or imprisoned, or stripped of his rights or possessions, or outlawed or exiled, or deprived of his standing in any way, nor will we proceed with force against him, or send others to do so, except by the lawful judgment of his equals or by the law of the land. Texto original da Magna Carta traduzido para o inglês moderno. Disponível em: <https://www.bl.uk/magna-carta/articles/magna-carta-english-translation>. Acesso em: 04 abr. 2022.

Sobre o autor
Diego Lima do Nascimento

Bacharel em Ciência Política (UnB) e bacheralando em Direito (UnB), artigo apresentado submetido como forma de avaliação do curso de Direito Penal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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