Josué Alves de Lacerda
RESUMO
São abordadas a classificação doutrinária universal (direitos difusos e direitos coletivos) e a classificação legal brasileira (direitos difusos, direitos coletivos stricto sensu e direitos individuais homogêneos) dos direitos coletivos. São apresentadas as características dos direitos coletivos segundo a classificação brasileira. São abordadas as diversas legitimidades nos direitos coletivos.
Palavras-chave: Direitos Coletivos. Classificação. Características. Legitimidade.
1. INTRODUÇÃO
Doutrinariamente, os interesses ou direitos coletivos e difusos são chamados de interesses meta individuais ou supra individuais.
São espécies de ações coletivas: ação civil pública, ação popular, mandado se segurança coletivo, as ações coletivas do Código de Defesa do Consumidor, ação de improbidade administrativa, ação da corrupção nas empresas, ações diretas de inconstitucionalidade, ação declaratória de inconstitucionalidade, arguição de descumprimento de preceito fundamental, mandado de injunção e ações judiciais eleitorais.
O direito processual coletivo tem natureza e fundamentos constitucionais, estando enquadrado, quanto ao seu objeto formal, no que a doutrina chama de direito processual constitucional. A sua autonomia como novo ramo do direito processual brasileiro ficou consagrada a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estando fundamentada nos dispositivos a seguir: art. 1º, caput, que instituiu o Estado Democrático de Direito; art. 5º, XXXV, que garante o acesso amplo à justiça para a tutela de direitos individuais e para a tutela de direitos ou interesses coletivos em sentido lato; art. 129, III, que deu dignidade constitucional à ação civil pública para a tutela de todos os direitos ou interesses difusos e coletivos; e arts. 102, I, a, 103, §§ 1º e 2º e 125, § 2º, que são disposições de controle concentrado de constitucionalidade das leis, objeto do direito processual coletivo especial.
2. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS COLETIVOS
A doutrina internacional classificou os direitos coletivos em Direitos Difusos e Direitos Coletivos
A classificação dos direitos coletivos no Brasil não é doutrinária, mas legal. De acordo com o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor essa classificação é a que segue:
- Direitos difusos
- Direitos coletivos stricto sensu;
- Direitos individuais homogêneos
2.1 Sobre os Direitos difusos.
Os direitos difusos estão definidos no inciso I do parágrafo único do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.
São exemplos de direitos difusos o direito de respirar ar puro, o direito do consumidor de não ser alvo de propaganda enganosa e abusiva e o direito da comunidade sobre a integralidade da coisa pública.
2.2 Sobre os direitos coletivos stricto sensu
Os direitos coletivos stricto sensu estão definidos no inciso II do parágrafo único do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor:
II - Interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
Um exemplo de interesses e direitos coletivos stricto sensu são os interesses dos contribuintes do imposto de renda, onde existe uma relação jurídica entre os contribuintes e o fisco.
2.3 Sobre os direitos individuais homogêneos
Os direitos individuais homogêneos estão definidos no inciso III do parágrafo único do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor:
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
São exemplos de direitos ou interesses individuais homogêneos os derivados da aquisição, por muitas pessoas perfeitamente determináveis, de veículos de determinada marca, ano e série, com defeitos de fabricação, situação que enseja a tutela jurisdicional coletiva.
3. CRACTERÍSTICAS DOS DIREITOS COLETIVOS
De acordo com Dias (2021/2022), algumas das características dos direitos coletivos são:
3.1 Dos direitos difusos
I) Transindividualidade: são direitos meta individuais ou supra individuais, pois vão além dos direitos individuais transcendendo a ideia de direito individual;
II) Indivisibilidade do direito ou interesse: o objeto do direito não pode ser dividido, fracionado para cada indivíduo. Por exemplo, o ar não pode ser dividido, pelo menos ainda não, para cada indivíduo;
III) Pessoas indeterminadas e indetermináveis: não há titularidade individual desses direitos porque as pessoas são indeterminadas e indetermináveis, pertencendo a titularidade desses direitos a todos indistintamente, à coletividade.
IV) Relação entre as partes: não existe prévia relação jurídica base entre as pessoas, pois estas estão ligadas por meras circunstâncias fáticas.
V) Indisponibilidade dos direitos: não se pode dispor desse direito. Ninguém pode poluir um rio e depois dizer que paga a despoluição porque o direito a um rio limpo é indisponível. Não se pode desistir da ação, pois, em regra, não se pode desistir das ações coletivas. Só pode ser negociada a forma como a obrigação deve ser cumprida.
VI) Os efeitos da sentença em processo coletivo são erga omnes, ou seja, a sentença alcança as partes do processo e também os outros titulares do direito discutido – quem sofreu um dano individual, mesmo não tendo participado do processo, tem que ser indenizado.
3.2 Dos interesses ou direitos coletivos stricto sensu
São as mesmas dos direitos difusos, com algumas diferenças, sendo que estes abrangem toda a coletividade e os direitos coletivos stricto sensu só abrangem grupos, categorias e classes. Como os dois direitos compartilham a maioria das características, eles são bem próximos. As diferenças nas características são as que seguem:
III) Pessoas indeterminadas, mas determináveis: seus titulares são grupo, categoria ou classe de pessoas com relação jurídica entre si. Grupos são associações, como a Associação dos Professores. Categorias são formadas por sindicalizados. Entretanto, independentemente de ser filiado ou não, fazendo parte da categoria, o indivíduo se beneficia das conquistas dela. Classes são as entidades de representação dos profissionais: OAB, CREA etc.
IV) Relação entre as partes: os titulares – grupo, categoria, ou classe de pessoas - estão ligados entre si por uma prévia relação jurídica base. Como exemplos, citem-se a categoria dos petroleiros, dos eletricitários, dos médicos etc.
3.3 Dos direitos individuais homogêneos
I) Interesses e direitos individuais: pelo aspecto subjetivo, os titulares são pessoas perfeitamente individualizadas.
II) Pluralidade de sujeitos (meta individual): há uma pluralidade de pessoas que são titulares desses direitos.
III) Individualidade de cada direito: são direitos divisíveis, quantificáveis e identificáveis seus titulares. Podem ser reivindicados através de ações coletivas. Ou seja, é um direito individual protegido por tutela coletiva. No Brasil, temos duas ações para isso. 1 – Ação Civil Pública e 2 – Ação Civil Coletiva.
IV) Seus titulares podem ser identificados pelo fato de pertencerem a grupos, categorias ou classes.
V) Homogeneidade dos direitos com relação a todos os sujeitos: essa homogeneidade está relacionada com a real possibilidade de identidade ou pelo menos semelhança entre as causas de pedir de cada direito individual, não vinculadas só à existência das mesmas questões de fato.
VI) Têm origem comum, nascendo de um ato ou fato através de um ato ou fato. Ato pode ser uma lei, uma portaria, um decreto, um ato político etc. Um fato é um acontecimento (por ex.: acidentes automobilísticos, de trem ou aéreo). A homogeneidade é decorrente de situações juridicamente iguais.
VII) Efeitos erga omnes: a sentença de uma ação coletiva transitada em julgado tem efeitos erga omnes, ou seja, a sentença alcança a todos participantes da relação jurídica e também os outros titulares do direito discutido – quem sofreu um dano individual, mesmo não tendo participado do processo, tem que ser indenizado.
4. LEGITIMIDADE NOS DIREITOS COLETIVOS
O Ministério Público é o principal legitimado ativo no direito processual coletivo comum, por ser o guardião da sociedade (custos societatis) e guardião do próprio direito (custos juris). A legitimidade do Ministério Público na defesa dos direitos coletivos é ampla, como explicita o inciso III, do art. 129 da Constituição da República Federativa do Brasil ao estabelecer como uma das suas funções institucionais, promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Mesmo quando não é o autor da ação ajuizada, o Ministério Público tem participação obrigatória no processo coletivo, sob pena de nulidade. O § 1º do art. 5º, da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), diz que o Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei e o § 3º do mesmo artigo diz que, em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá titularidade ativa.
A legitimidade no controle concentrado de constitucionalidade está expressa no art. 103 da CF/1988, cujos incisos do seu caput descrevem os legitimados (I – o Presidente da República, II – a Mesa do Senado Federal etc.).
A legitimidade na Ação Civil Pública está expressa no art. 5º da Lei nº 7.347/85 (I – o Ministério Público, II – a Defensoria Pública etc.).
A legitimidade no Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/1990, está expressa no seu artigo 82 (I – o Ministério Público, II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal etc.).
A legitimidade no Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003, está assentada no seu artigo 81 (I – o Ministério Público, II - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, III – a Ordem dos Advogados do Brasil etc.).
A União, os Estados, o Município e o Distrito Federal têm legitimidade ativa ampla no direito processual coletivo comum por terem personalidade jurídica e por determinação do art. 82, II, do CDC, do art. 81, II, do Estatuto do Idoso e do art. 5º, III da Lei de Ação Civil Pública.
Os órgãos e entidades da administração pública indireta também têm legitimidade ativa no direito processual coletivo comum em relação ao ajuizamento de ações coletivas que estejam em consonância com seus respectivos objetivos constitucionais (art. 5º, IV da LACP e art. 82, III, do CDC).
Os órgãos públicos sem personalidade jurídica também têm legitimidade para ajuizamento de ação coletiva. Para isso, é necessário que a tutela pretendida por intermédio da ação coletiva esteja inserida nas finalidades institucionais do respectivo ente público despersonalizado. Diz o art. 82, III, do Código de Defesa do Consumidor, que são legitimados concorrentemente: III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código.
A Defensoria Pública tem sua legitimidade assentada no art. 5º, II, da Lei 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública, que diz que tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar a Defensoria Pública. Essa legitimidade é condicionada à presença de hipossuficiente no grupo.
As entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente (Art. 5º, XXI, da CF/1988). O art. 5º, V, da Lei 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública, diz que tem a legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; e, b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
A legitimidade dos sindicatos está expressa no art. 8º, III, da CF/1988: É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.
A Ordem dos Advogados do Brasil, OAB, tem legitimidade para defesa dos direitos transindividuais dos idosos, conforme o inciso III do art. 81 do Estatuto do Idoso. Nos demais casos, é destituída de legitimidade.
A lei dos partidos políticos, Lei nº 9.096/1995, no seu art. 1º, diz que os partidos políticos se destinam também a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal. De outro lado, o art. 6º da CF/88, inserido no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), diz serem direitos sociais, por exemplo, a saúde e a educação, o inciso LXX, alínea a) do art. 5º da CF/88, diz que o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional e o inciso IV do art. 82 do CDC diz que as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC poderão exercer em juízo a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas individualmente ou a título coletivo.
A legitimidade do cidadão está expressa no art. 5º, LXXIII da CF/88 e no art. 1º da Lei 4.717/65, Lei da Ação Popular. Entende-se que se trata de cidadão brasileiro nato ou naturalizado, que esteja no gozo de seus direitos políticos, sendo suficiente a cidadania mínima, que é a capacidade de votar adquirida obrigatoriamente ao completar 18 anos.
O indivíduo sem sua condição de cidadão não tem legitimidade ativa no direito processual coletivo. Pelo art. 94 do CDC, o indivíduo isoladamente pode, na hipótese de tutela jurisdicional dos direitos ou interesses individuais homogêneos, intervir no processo coletivo como litisconsorte.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O direito processual coletivo tem berço e natureza constitucionais e seu objetivo é proteger, resguardar, assegurar e garantir os direitos coletivos. No processo coletivo, o objeto é sempre o direito material.
No direito individual, o legitimado é o titular do direito, ao passo que, no direito coletivo, em regra, os legitimados não são os titulares do direito.
Ocasionalmente, em termos processuais, determinado tipo de tutela coletiva poderá recair sobre questão criminal ou cível, quando será mister analisar a causa de pedir e o pedido.
O Direito processual coletivo comum brasileiro foi reforçado com a formação de um microssistema de tutelas coletivas formado pela Lei nº 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e pela Lei da Ação Civil Pública.
A lei tem que ser interpretada dentro do sistema jurídico com o diálogo das fontes. Exemplo: CF/88, CDC e Ação Civil Pública. Hoje se aplica a ordem jurídica e não só a lei. O juiz não está mais vinculado à lei, mas à ordem jurídica. O juiz não é mais a boca da lei, mas a boca do ordenamento jurídico. Trata-se do ciclo hermenêutico do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, que exige, para a completude da compreensão do fenômeno, o diálogo entre as fontes.
REFERÊNCIAS:
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BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965. Ação Popular. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4717.htm. Acesso em abril/2022.
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DIAS, Francisco Barros. Direito Processual Coletivo 2021/2022. UFRN. Disponível em: https://www.bing.com/videos/search?q=%3a+professor+barros+processo+coletivo+-+YouTube&qpvt=%3a+professor+barros+processo+coletivo+-+YouTube&FORM=VDRE. Acesso em abril/2022.
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