No dia 17/07/22, Carlos Ayres Britto, que já foi ministro do STF (2003-2012)[1], twittou o seguinte:
Fundamental para ordenar o pensamento é entender que, na Constituição de 1988, não há um Supremo Congresso Nacional, menos ainda um Supremo Presidente da República, porém um Supremo Tribunal Federal. Fora dessa ordem que a própria Nação ditou, o que se tem é constituicídio.[2] (sic).
Traduzindo para um bom português, o que o citado ex-iluministro pretendia dizer é que: manda quem pode (STF) obedece quem tem juízo (Congresso Nacional e Presidência da República). Ou seja, apenas deixou claro aquilo que temos vivenciado na atuação do STF, principalmente nos últimos 4 (quatro) anos, vale dizer, um claro ativismo judicial e uma atuação que visa governar o País[3] por meio de uma ditadura da toga![4]
Contudo, a Constituição Federal ao denominar o STF de Supremo não pretendia estabelecer que ele estaria acima do Congresso Nacional ou da Presidência da República. Com efeito, a denominação foi atribuída, apenas, para estabelecer que aquele tribunal (STF) é o mais alto dentro da estrutura do Poder Judiciário. Apenas, isto, para a infelicidade do ex-iluministro, e de alguns outros.
Pelo contrário, ao analisarmos a Constituição Federal de 1988, percebemos que o constituinte fez questão estabelecer em norma constitucional que:
[...]Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição[...].[5]
Assim, de acordo com a Constituição Federal, se algo no Brasil é Supremo esse algo é o Povo (princípio da soberania popular), pois é dele, para ele e por ele que se estabeleceu o Estado democrático e de direito. Aliás, essa é a lição da mais abalizada doutrina constitucional sobre o tema:
[...]O regime brasileiro da Constituição de 1988 funda-se no princípio democrático. O preâmbulo e o art. 1º o enunciam de maneira insofismável. Só por aí se vê que a Constituição institui um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, livre, justa e solidária e sem preconceitos (art. 3°, II e IV), com fundamento na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político. Trata-se assim de um regime democrático fundado no princípio da soberania popular, segundo o qual todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes, ou diretamente[...][6] (destacamos; sic).
Assim, não existe nada mais antidemocrático, ou melhor, nada configura mais um constituicídio do que pretender retirar do povo a condição de soberano e se avocar como Poder Supremo e, pior, pretender implantar um governo para o qual não foi eleito (ditadura da toga), como tem sido a atuação do STF, circunstâncias que ficou cristalizada na fala do ex-ministro Carlos Ayres Britto.
Falando em Poder, aliás, a nossa Constituição também deixou bastante claro que eles são independentes e harmônicos entre si (art. 2º da CF/88), motivo pelo qual não cabe, a quem quer que seja, principalmente a um ex-integrante do Tribunal Constitucional brasileiro, o qual teria por missão ser o guardião da Constituição (art. 102 da CF/88), fazer apologias de que um Poder é maior ou melhor do que o outro. Mais uma vez, não existe nada mais antidemocrático ou que configure um constituicídio do que esse comportamento externalizado pelo ex-iluministro.
A impressão que dá é que o ex-ministro parece viver num mundo paralelo, onde as pessoas obedecem às decisões judiciais não por vontade própria, mas por medo do que possa acontecer a elas. Esquece o ex-ministro (ou se faz de tonto) que é o respeito pelo sistema (democrático e constitucional), e não qualquer outra coisa, que faz com que as decisões judiciais sejam acatadas, de forma que de Supremo, na verdade, o STF não tem nada, afinal onde estava toda essa Supremacia quando o STF nada vez durante os governos militares? Deixemos Nelson Hungria, outro ex-ministro do STF, nos responder:
[...] Contra o fatalismo histórico dos pronunciamentos militares não vale o Poder Judiciário, assim como não vale o Poder Legislativo. Esta é que é a verdade, que não deve ser obscurecida por aqueles que parecem supor que o Supremo Tribunal Federal, ao invés de um arsenal de livros de direito, disponha de um arsenal de schrapnels e de torpedos[...][7] (sic).
A lição que fica, portanto, é que por nossas palavras, no dia final, poderemos ser absolvidos ou condenados, por isso, devemos ter cuidado com aquilo que falamos, principalmente em relação às palavras inúteis![8]