Há uma interrogação que martela a cabeça de toda pessoa sensata: os operadores do Direito (Magistrados, membros do Ministério Público, Advogados, Procuradores de Estado, Auditores Públicos) são servos do texto frio da Lei ou da sadia hermenêutica que transforma a Lei em um Direito equânime e em uma Justiça libertadora?
Entendo que a Lei é um mero instrumento oriundo do pacto social que tem como objetivo a felicidade humana, e que o ditado popular “A injustiça a um é uma ameaça a todos” se coaduna perfeitamente com a afirmação de Planiol: “o bem comum não é senão o somatório do respeito aos direitos individuais”.
Afinal de contas, o Superior Tribunal é de Justiça e não de leis. Na Justiça comum, os tribunais estaduais são denominados de Justiça e os juízes são de Direito, o que significa dizer que buscam os horizontes amplos do Direito e da Justiça, tendo como ferramentas as leis, a doutrina, a jurisprudência, a equidade, os costumes (os bons), a ética e, sobretudo, coibindo que a verdade real seja tragada pelo engodo, a mentira, o formalismo piegas de algumas regras processuais que condenam os inocentes e concedem vitória aos canalhas.
Os juízes não são teleguiados e insensíveis aplicadores de leis selvagens; os promotores de justiça são representantes da sociedade que clama pela justa fiscalização das leis ao caso concreto; já os causídicos, segundo o seu estatuto, no capítulo pertinente à ética da profissão, "assevera que o advogado deve considerar-se defensor da justiça e do direito" e jamais servir de cúmplice às armadilhas criminais e aos assaltos cíveis intentados por espertalhões que tentam usar o Judiciário como meio de enriquecimento ilícito, fraude à verdade real e danos irreparáveis à moral e ao patrimônio alheios.
A Lei deve servir ao Direito. No entanto, nem sempre cumpre o verdadeiro desiderato que a torna legítima, justa e própria aos reclamos sociais.
Há inúmeros comportamentos tipificados como criminosos no Código Penal que, na prática, não são punidos pela sua ilogicidade com a realidade atual e, assim, fulminados pela interpretação histórico-evolutiva.
Ademais, ser julgador verdadeiro é ter coragem de decidir para evitar que inocentes sejam condenados à prisão ou a perdas patrimoniais e morais, assim como evitar a premiação a comprovados criminosos.
O mundo precisa extirpar da sua história contemporânea os julgadores covardes como aqueles que, dentro da legalidade, compactuaram com os assassinatos de Sócrates, Jesus Cristo, Tiradentes e tantos outros que foram condenados por juízes fantoches que não tiveram a firmeza de julgar com justiça, mas conforme provas dolosamente fabricadas e acobertadas por leis injustas e cruéis, mas que, à época, eram consideradas legítimas.
Por outro lado, a OAB deve ser severa com alguns “advogados” que representam o papel de pistoleiros de vinganças absurdas e coautores de infrações, que enlameiam o nome da categoria. Mesmo porque o Código de Ética afirma que “o advogado deve recusar o patrocínio de causa que considere ilegal, injusta ou imoral...”, notadamente na área do Direito Civil ou assemelhada.
No dizer do mestre Roberto Lyra, “O Jurista não é formado, juramentado, treinado, doutorado para o sobrevôo desdenhoso de supremas injustiças...”.
Os operadores do Direito não podem contribuir para os desajustamentos que lhes cumpre resolver, identificando-se com o mal, atraiçoando as trincheiras morais, invertendo a missão constitucional de guardiões da justiça.
O dito mestre Roberto Lyra assevera: “O julgamento não é um ato de ciência, mas de consciência”. E a consciência determina a compreensão finalista e social do Direito e a supremacia do Direito sobre a Lei, sobrepondo a verdade real à verdade formal, a Justiça sobre a segurança jurídica, a cidadania sobre o Leviatã, tendo por inspiração os valores humanos.
O eminente juiz e mestre do Direito João Batista Herkenhoff entende que os magistrados não devem ser submetidos ao culto idólatra da Lei, e afirma categórico:
“O valor maior é a justiça. Se há um conflito entre a lei e a justiça, prevaleça a justiça, por fidelidade à própria lei, que não é um amuleto, mas deve ter como fim a justiça, os valores oriundos da ética, o progresso, o avanço da sociedade em direção à maior justiça...”
Assim, quando o juiz tempera o rigor da lei, num caso particular, ou lhe nega aplicação, em hipótese de patente iniqüidade, não viola, mas segue a vontade do legislador: não se pode presumir que o legislador tenha querido a injustiça, mesmo num caso único; seria admitir a destruição do próprio fundamento na ordem jurídica.