Riscos contratuais e o caso do influencer digital “Luva de Pedreiro”

28/07/2022 às 18:00
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Durante uma live promovida na metade do mês de junho, o jovem criador de conteúdo digital, Iran Santana Alves, popularmente conhecido pelo seu pseudônimo, “Luva de Pedreiro”, veio a público anunciar uma inesperada pausa na carreira em razão do grande descontentamento com sua situação profissional.

Tal posicionamento chamou atenção de seus quase 16 milhões de seguidores nas redes sociais, já que publicamente a carreira do influencer se encontrava em seu ápice, contando com a elaboração de diversos contratos de publicidade firmados entre o criador de conteúdo digital e algumas gigantes do varejo, como a global Amazon Prime Video.

Foi portanto, nesse contexto, que se tornou pública a real situação da carreira do influenciador digital, que apesar de seu enorme sucesso em escala global, contava com uma movimentação bancária de apenas 8 mil reais por mês e uma rotina abusiva de cobranças e restrições impostas por seu antigo empresário sem qualquer liberdade financeira, o qual, inclusive, chegou a contratar seguranças para vigiar se o jovem estaria de fato cumprindo com a agenda imposta.

Assim, com base nas mais recentes informações trazidas pelos diversos veículos midiáticos que amplamente têm acompanhado o caso, passaremos a analisar os aspectos contratuais do instrumento firmado entre o criador de conteúdo digital e seu antigo empresário, os quais serão analisados sob a luz dos princípios da probidade e da boa-fé objetiva, bem como, da simetria e paridade contratual, todos previstos pelos artigos 421 e 422 do Código Civil Brasileiro.


ORIGEM DO INFLUENCER BAIANO

Com apenas 20 anos de idade, Iran Santana Alves, morador de um pequeno povoado do sertão Baiano e um declarado fã de futebol, começou a gravar alguns vídeos em que proferia belos chutes ao gol vestindo luvas popularmente utilizadas por profissionais do ramo da construção civil, com a intenção de fazer alusão aos famosos jogadores europeus que atuam nos grandes campeonatos durante o rigoroso inverno do continente.

Após ter seu conteúdo globalmente viralizado nas plataformas digitais, Iran pôde desfrutar de algumas experiências que para a maioria das pessoas fazem parte do cotidiano, como poder comer um pedaço de pizza pela primeira vez na vida.

Mais recentemente, durante uma entrevista realizada no programa Fantástico da TV Globo, Iran explicou que quando obteve seus primeiros contatos,nas redes sociais, foi procurado pelo empresário carioca Allan Jesus, o qual firmou contrato para o agenciamento de sua carreira na qualidade de empresário.

Ocorre que, segundo Iran, o contrato foi assinado sem a supervisão de um Advogado, sendo que o instrumento sequer foi lido pela parte contratante, já que o criador de conteúdo digital e sua família não sabem ler.


ASPECTOS JURÍDICOS DO CONTRATO

Nesse ponto, passamos a analisar a situação sob os aspectos da simetria e da paridade contratual, ora previstos pelo artigo 421-A do CCB. Na simetria contratual as partes detêm as mesmas condições de informação, conhecimento e capacidade de verificar riscos, alcance das avenças, analisar a minuta, o pré-contrato e contrato em si devidamente instrumentalizado. Já no âmbito da paridade contratual, todos os dados e informações que envolvem o contrato estão ao alcance e compreensão das partes.

Desse modo, vale dizer que em decorrência da origem humilde do influenciador, este estava longe de se encontrar nas mesmas condições da parte contratada, a qual provavelmente figurou como responsável pela redação do instrumento,.

Além disso, tão pouco os dados do contrato estariam ao alcance e compreensão do influenciador e sua família, já que conforme mencionado publicamente, o contrato nem mesmo foi lido pela parte contratante em razão de sua baixa escolaridade.

Assim, no caso em tela, a figura do advogado passaria a ser fundamental e imprescindível, diante da técnica exigida, sendo que um contrato de tamanha complexidade deveria ser amplamente estudado a fim de evitar as comuns “armadilhas contratuais” que dificultam desfazimento da relação entre contratante e contratado.

BOA-FÉ

Conforme trazido pela mídia, o contrato firmado entre o influenciador e seu empresário ora representado na pessoa jurídica da empresa ASJ consultoria, continha cláusulas de rescisão com multas fixadas na casa dos milhões em caso de o influenciador desistir do assessoramento contratado.

Pois bem, conforme já mencionado, o artigo 422 do Código Civil estabelece que os contratantes devem guardar, tanto na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Entretanto, a conduta demonstrada pela parte contratada aparenta, ao menos até agora, consistir em uma conduta ardilosa, em que o empresário contratado, sabendo da deficiência educacional da parte contratante, se valeu da pura má-fé para criar algumas armadilhas contratuais com o intuito de obter uma enorme vantagem indevida sob o sucesso do Influenciador.


O CONTRATO É VÁLIDO?

Em suma, diante flagrante assimetria contratual e da ausência de dos elementos que caracterizam a boa-fé objetiva e a probidade previstos pelo artigo 422 do CCB, vale esclarecer que, com base nas informações de natureza pública disponibilizadas pelos grandes veículos midiáticos, a celebração contratual entre o Influenciador e seu antigo empresário, pode ser anulada, utilizando-se como base a redação do artigo 138 do CCB, de modo que a validade contratual do instrumento parece ser ao menos questionável.

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Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Por fim, vale dizer que as informações contratuais utilizadas na confecção da presente análise foram exclusivamente obtidas através dos veículos de imprensa em âmbito nacional, de modo que a redação original do contrato tem sido tratada como material sigiloso, inclusive, com o proferimento de decisão liminar, em que a magistrada, Dra. Maria Cristina de Brito Lima, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, impediu a divulgação pública do contrato de agenciamento em razão das inúmeras ameaças que o empresário Allan Jesus vem sofrendo.

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Sobre o autor
Caio Meireles

Advogado graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com atuação profissional na área de contencioso cível e direito médico e hospitalar.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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