Em que momento comunicar ao paciente ou sua família evento adverso ? - Disclosure

05/08/2022 às 11:40
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A COMPLEXA ATUAÇÃO NO ÂMBITO DA SAÚDE

A assistência à saúde constitui uma das atividades mais complexas atualmente desenvolvidas na nossa sociedade, na medida em que exige a conjugação de diversos setores altamente dependentes, cada qual com seu microssistema interno de operação e que contam com a participação humana.

A junção da existência de setores interdependentes e a participação humana, muitas vezes, são responsáveis pela ocorrência de um incidente ou evento adverso na área da saúde.

Numa tentativa de diminuir, prever e monitorar esses incidentes ou eventos adversos, muitas instituições de saúde passaram a adotar a cultura de segurança, consistente numa política interna, que envolve todos os setores integrantes da assistência, traçada de forma planejada com o escopo final de evitar determinados riscos.

DISCLOSURE NA CULTURA DE SEGURANÇA DO PACIENTE

O disclosure é um dos procedimentos integrantes da cultura de segurança, consistente na comunicação estratégica e estruturada de um incidente ou evento adverso, decorrente de falha humana ou sistêmica, ao paciente ou seus familiares, bem como das suas causas e consequentes melhorias instituídas internamente para evitar acontecimentos semelhantes futuros.

A principal premissa envolvida no processo de disclosure é a atenção integral e suporte ao paciente, seus familiares e equipe multidisciplinar, com a efetivação do direito à informação como ferramenta para manutenção da confiança na relação estabelecida.

O AMPARO CONSTITUCIONAL, LEGAL E NORMATIVO DO DISCLOSURE

Partindo da análise jurídica em seu aspecto macro, o disclosure encontra amparo constitucional na dignidade da pessoa humana, fundamento da República, além da garantia fundamental à vida e direito social à saúde.

No âmbito infraconstitucional, é possível apontar como corolários do disclosure a preservação da autonomia da vontade do paciente, a inviolabilidade dos direitos da personalidade, a necessidade de observância dos princípios da probidade e boa-fé, além do direito de acesso à informação que é garantido ao consumidor.

Especificamente na área da saúde, envolvendo as iniciativas pública e privada, temos a “Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde”, editada pelo Conselho Nacional de Saúde, segundo a qual toda pessoa tem direito ao tratamento adequado e no tempo certo para resolver o seu problema de saúde, sendo asseguradas informações sobre o seu estado de saúde, de maneira clara, objetiva, respeitosa e compreensível.

POR QUE REALIZAR O DISCLOSURE?

O paciente espera uma comunicação clara e compreensível acerca de incidentes e eventos adversos que o envolvam, mediante o compartilhamento de informações sobre o que efetivamente ocorreu, quais as condutas indicadas para recuperação de sua saúde diante deste fato, como isso será prevenido no futuro e, quando cabível, um pedido de desculpas por parte dos profissionais e instituição de saúde.

É certo que não são todos os maus resultados que decorrem de uma falha humana ou do procedimento adotado pela instituição, competindo aos profissionais o esclarecimento sobre a intercorrência sofrida pelo paciente.

Uma boa comunicação depende do fornecimento de informações claras sobre o diagnóstico, o plano de tratamento, os resultados esperados e possíveis complicações, que podem levar a uma relação de maior abertura e confiança, retirando dos profissionais e das instituições de saúde o peso de uma irreal infalibilidade, sem prejuízo do comprometimento com o emprego das melhores técnicas e meios de recuperação possíveis.

Contudo, quando ocorre um incidente ou evento adverso, é necessário o preparo e treinamento prévio daqueles que participarão da comunicação, desde a alta direção até a equipe diretamente envolvida no evento, inclusive para traçar padrões e diretrizes quanto ao gerenciamento dos riscos e as vantagens do disclosure, quando deverá ser realizado e de qual forma, com vistas à manutenção de postura honesta e transparente.

O QUE DEVE SER COMUNICADO

Cada instituição de saúde possui autonomia para definir quais incidentes devem ser comunicados. Há estudos que sugerem que toda vez que houver um incidente ou evento adverso que gerou danos ao paciente, de qualquer grau, seja realizado o disclosure.

Quando, por outro lado, ocorrer o incidente ou evento adverso, mas não houver um dano detectado ainda, a equipe deve discutir a necessidade de comunicação ao paciente, seja pelo potencial risco de piora do quadro ou por ser perceptível, para o usuário dos serviços ou sua família, que houve uma intercorrência, gerando maior ansiedade e insegurança.

Por fim, quando verificada pela equipe de saúde a possibilidade de intercorrência ou evento adverso em abstrato, não há necessidade de realização de disclosure, devendo apenas ser avaliado se a comunicação pode ajudar a evitar a sua concretização, como ocorreria, por exemplo, no caso de pacientes homônimos que se encontram no mesmo setor e, por esta razão, podem ter suas condutas terapêuticas eventualmente confundidas.

A ESTRUTURAÇÃO DO DISCLOSURE

Verificada a necessidade de realização do disclosure, é importante que seja feito um planejamento prévio iniciado pela análise do incidente ou evento adverso, seguida pela discussão de um plano de ação e a especificação de quem, qual local e como será feita a comunicação dos fatos conhecidos até o momento.

A presença e participação de um representante da alta direção é muito importante, assim como um representante da equipe multidisciplinar envolvida no incidente ou evento adverso e um profissional para o apoio emocional ao paciente ou família, como um psicólogo ou assistente social.

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Recomenda-se que a primeira comunicação ocorra em até 24 (vinte e quatro) horas do incidente ou evento adverso, de modo a evitar o aumento do sentimento de insegurança ou o repasse informações sobre o ocorrido, muitas vezes incorretas, por outros meios. Deve ser colocada à disposição do paciente e da família uma fonte de contato específica para eventuais dúvidas futuras.

O disclosure não é composto apenas pela primeira comunicação, pois dada a brevidade em que deve acontecer, não é possível apurar por completo todos os fatos que convergiram para a ocorrência do incidente ou evento adverso, tampouco traçar as medidas que serão implementadas para evitar novas ocorrências.

Por esta razão, deve ser agendada com o paciente ou sua família uma nova reunião, dentro do prazo sugerido de 45 (quarenta e cinco) dias, para que novas informações sejam passadas, apresentando um quadro mais completo sobre o incidente e seus desdobramentos para a vítima e demais envolvidos.

É de grande importância a anotação, no prontuário do paciente, do disclosure realizado e sua conclusão, por se tratar de informação fundamental referente ao atendimento de assistência à saúde prestado, resguardando a instituição de saúde e possibilitando o acesso pelo paciente.

A COLABORAÇÃO DA EQUIPE

Os profissionais envolvidos e a instituição de saúde devem estar cientes da importância do reconhecimento da falha e da elaboração conjunta de um plano de resolução ou mitigação dos riscos, com análise das causas que levaram à essa ocorrência, incluindo estratégias de apoio ao paciente e família e a sua inclusão na análise dos fatos e no plano de ação de melhorias a ser implementado.

A instituição de saúde deve analisar a conduta dos seus profissionais sob um viés de acolhimento, fornecendo apoio institucional com orientações, treinamentos, acompanhamento psicológico e assistencial, considerando que, muitas vezes, também são atingidos pelos efeitos do incidente ou evento adverso.

Para o reforço da cultura de segurança, é primordial que se evite a adoção indiscriminada de uma postura punitiva dos profissionais de saúde, que neste caso se sentiriam intimidados, evitando manter a transparência e comunicar um incidente ou evento adverso quando necessário.

O NÚCLEO DA ATENÇÃO

É certo que, independentemente da realização do disclosure, o paciente pode buscar a reparação de eventuais danos de forma judicial.

Contudo, uma vez comunicado do incidente ou evento adverso, será assegurado o direito do paciente de ser informado, além de trazer benefícios para a equipe, com acolhimento e orientação, e para a instituição de saúde, para revisão dos seus procedimentos internos de gestão de riscos e melhorias.

Por fim, a comunicação possui o escopo de restabelecer a confiança na relação entre os profissionais de saúde e instituição com o paciente e sua família, possibilitando o acompanhamento dos cuidados indicados, prevenção de danos para outros usuários da assistência à saúde e reforço positivo da cultura de segurança.

Sobre a autora
Patricia Dantas

Advogada integrante do escritório Battaglia & Pedrosa Advogados, formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito Civil pela Escola Paulista da Magistratura e em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito. Atualmente cursando MBA em Gestão Jurídica da Área da Saúde e Hospitalar.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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