O Teletrabalho e a Medida Provisória nº 1.108/2022:

Anotações Sobre os Principais Pontos Atualizados do Instituto na Consolidação das Leis do Trabalho

08/08/2022 às 13:28
Leia nesta página:

O estudo tem por objetivo tecer comentários pontuais sobre a atualização da Consolidação das Leis do Trabalho proposta pela Medida Provisória nº 1.108/2022, que altera, principalmente, o seu Capítulo II-A.

1. INTRODUÇÃO

Em meados dos anos 1970, o contexto histórico da população global era a de vivenciar crises petrolíferas, que vieram a cessar somente na década seguinte. Logo, a realidade diária daquele momento era de que as pessoas gastavam muito tempo se deslocando de seus lares até seus empregos, fazendo com que optassem por efetuar o trajeto a pé, ao invés de utilizarem-se de veículos automotores movidos a combustíveis produzidos a partir do petróleo, de forma a evitar gastos desnecessários. Partindo desta situação fática, o cientista estadunidense Jack M. Nilles, em 1973, desenvolveu um projeto de pesquisa na qual trabalhadores podiam executar as suas tarefas profissionais de suas próprias casas, através de meios tecnológicos dispostos à época. Tal projeto acabou sendo batizado de telecommuting, ou, em português, teletrabalho.

O pesquisador, também conhecido por ser o Pai do Teletrabalho, conceitua o instituto que concebeu como quaisquer formas de substituição de deslocamentos relacionados com a atividade econômica por tecnologias da informação, ou a possibilidade de enviar o trabalho ao trabalhador, no lugar de enviar o trabalhador ao trabalho (NILLES, 1997, p. 28). Esta percepção, ao longo do tempo, sofreu mudanças substanciais, haja vista que as ferramentas de tecnologia foram se aperfeiçoando e novos instrumentos científicos igualmente foram criados. Neste sentido, conceitos mais modernos de teletrabalho foram sendo formulados, como aquele idealizado por Luciano Martinez:

O teletrabalho é muito mais do que uma modalidade de trabalho em domicílio. O teletrabalho é um conceito de organização laboral por meio da qual o prestador dos serviços encontra-se fisicamente ausente da sede do empregador, mas virtualmente presente, por meios telemáticos, na construção dos objetivos contratuais do empreendimento (MARTINEZ, 2022, p. 143).

Vê-se, de pronto, que o instituto em tela é entendido como um regime de trabalho cuja essência denota o empregado não estar fisicamente presente no ambiente de trabalho para, de fato, haver a realização de suas atividades laborais, porquanto estas podem ser efetivadas por meios ditos telemáticos. Na mesma toada, o Tribunal Superior do Trabalho assim o define:

É a modalidade de trabalho realizada fora das dependências do empregador, com a utilização de recursos tecnológicos e que não se enquadram na ideia de trabalho externo, isto é, do trabalho que, em razão de sua natureza, é desempenhado em locais externos, como é o caso de motoristas, representantes, vendedores, etc. (TST, 2020).

Da interpretação da definição supra, percebe-se que a Corte Laboral trouxe importante destaque no tocante ao fato de que teletrabalho é função diversa de trabalho externo, vez que este é atividade realizada fora das dependências funcionais, em razão da própria natureza de sua atribuição, como nos exemplos acima, a qual não pode ser executada em ambiente virtual.

Deste modo, tem-se que o regime de teletrabalho foi criado com o escopo de otimizar o tempo do empregado, posto que este não mais irá precisar deslocar-se de um ponto à outro para efetuar suas obrigações profissionais, sendo, portanto, possível realizá-las onde quer que esteja, não precisando, necessariamente, estar em sua residência. Muitas são as vantagens de sua utilização prática, tais como o menor gasto de tempo e de dinheiro com o translado e a flexibilização dos horários de trabalho. Por outro lado, igualmente existem desvantagens já reconhecidas pela doutrina majoritária e pelo cotidiano laboral, dentre as quais, o maior gasto com energia elétrica, uma menor socialização entre trabalhadores e, ainda, a possibilidade de sobrecarga de trabalho, uma vez que, neste caso, não existe uma rotina laboral definida (TST, 2020).

O teletrabalho, sob o viés jurídico, é tido como um modelo de trabalho que se encontra assentado na Consolidação das Leis de Trabalho desde o ano de 2017, quando do advento da Lei nº 13.467, popularmente conhecida por Reforma Trabalhista. Antes dela, a única previsão normativa vigente acerca deste regime encontrava-se inserida no artigo 6º, caput e parágrafo único da CLT, que já dispunha:

Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. 

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Com as diversas atualizações trazidas pela Reforma, o instituto do teletrabalho ganhou maior espaço dentro da Consolidação das Leis do Trabalho, recebendo, inclusive, um capítulo próprio, Capítulo II-A, que hoje se estende do artigo 75-A ao 75-F. Nestes dispositivos estão descritos, dentre outros elementos e situações, o seu conceito e as condições para migração ao trabalho presencial.

Em linhas gerais, além daquilo que se encontra disposto na CLT, o teletrabalho teve apenas uma normativa que tratava a seu respeito, a Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, a qual dispunha acerca das medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do Coronavírus (Covid-19), e que teve sua vigência encerrada em 19 de julho daquele mesmo ano, por meio do Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 92. Demais regulamentos sobre a matéria se prestam exclusivamente para grupos específicos, como são os casos da Resolução nº 151/2015, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, cujo destinatário é a Justiça do Trabalho, e da Resolução nº 227/2016, do Conselho Nacional de Justiça, cujo destinatário é o Poder Judiciário.

Não obstante, em 25 de março de 2022 foi publicada a Medida Provisória nº 1.108, a qual alterou parcialmente o teor do Capítulo II-A da CLT, trazendo avanços para a aplicação deste modelo trabalhista no Brasil. Assim, o presente ensaio tem por escopo tecer comentários sobre as principais alterações que a MP trará ao ordenamento jurídico, vez que a mesma tem o intuito de modificar o conteúdo sobre o teletrabalho previsto na CLT.

 

2. O TELETRABALHO DO ARTIGO 75 DA CLT E O TELETRABALHO DA MP Nº 1.108/2022

Antes de 2017, o teletrabalhador não possuía direitos específicos, o que, de um certo modo, trazia insegurança jurídica quanto a aplicação do regime, vez que o único respaldo era o previsto no artigo 6º da CLT, mera disposição genérica para as relações de trabalho. Por conta desta carência e do aumento substancial de atividades laborais nesta modalidade, houve forte demanda pela criação de uma estrutura melhor formulada, de maneira que sua utilização pudesse ser delineada por uma diretriz de conteúdo mais robusto, que envolvesse as condições particulares do teletrabalho.

A Reforma Trabalhista trouxe, então, o Capítulo II-A, Do Teletrabalho, descrevendo questões acerca do tema em toda a sua extensão. Os artigos, respectivamente, tratam sobre a definição do que se considera teletrabalho (artigo 75-B); a obrigatoriedade desta condição estar descrita expressamente no contrato do empregador que irá prestar seus serviços nesta categoria, e suas funções acuradas (artigo 75-C); as possibilidades de alterar para prestação de serviço presencial, desde que haja mútuo acordo entre as partes, tendo prazo mínimo de 15 dias para a transição (artigo 75-C, §§ 1º e 2º); a responsabilidade de aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos tecnológicos, tal como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado e a previsão a respeito em contrato (artigo 75-D); a obrigação do empregador de instruir seus teletrabalhadores, de forma expressa e ostensiva, quanto aos cuidados para evitar acidentes e a disseminação de doenças em ambiente de trabalho, devendo, este, assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as orientações ditadas por aquele (artigo 75-E, caput e parágrafo único).

As mudanças trazidas pela MP auxiliaram em muito no desenvolvimento do regime no ordenamento pátrio, observando-se que a relação de emprego, agora, se limita pelo dispositivo vigente. Entretanto, a situação começou a se modificar e apresentar novas diligências com a pandemia de Covid-19, quando, através de medidas sanitárias, adveio o chamado lockdown, fazendo com que o teletrabalho e o home office passassem a ser os meios empregados para se prestar serviços, já que o modelo presencial restava suspenso. Sobre o tema, Gilberto Stürmer e Denise Fincato, discorrem que:

Em 06 de fevereiro de 2020, foi publicada a Lei nº 13.979, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

Em relação ao Direito do Trabalho, as principais Medidas Provisórias editadas foram a 927, de 22 de março de 2020 e a 936, de 01 de abril de 2020.

A MP 927/20, estabeleceu no seu art. 3º que, para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para a preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras medidas, o teletrabalho (STÜRMER; FINCATO, 2020).

O teletrabalho, a partir deste momento, tornou-se amplamente aplicado, posto que as normativas emergenciais o indicavam como a alternativa mais adequada para aquele instante. Porém, alguns especialistas da área da saúde se opuseram a sua imediata aplicabilidade, como facilmente se percebe nos dizeres abaixo:

A falta de espaço, mobilha, internet e computadores, aliada ao aumento do estresse e da ausência de convívio social, estão gerando depressões, crises de ansiedade, ultra conexão com o trabalho e desgaste familiar. Todos esses pontos fundamentam a crítica ao uso indistinto do home office e do teletrabalho que por vezes é implementado sem atentar para as peculiaridades pessoais, familiares e estruturais de cada trabalhador (TENÓRIO, 2021, p. 97).

Apesar de ser um método laboral com a função elementar de proteger o trabalhador da exposição ao vírus da Covid-19, o mesmo também contava com pontos negativos, analisando que o isolamento feito a toque de caixa não permitiu preparação física, trazendo prejuízos significativos à saúde mental do empregado. Outro problema proveniente do teletrabalho era figurar na exceção do regime de duração de trabalho do Capítulo II da CLT, em particular, no artigo 62, devido à dificuldade de controle das horas trabalhadas, onde não há, pois, direito ao pagamento de horas extras, adicional noturno, etc. (TST, 2020).

Em se tratando de laborar além daquilo que é devido, quando da opção pelo regime de teletrabalho, o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) realizou pesquisa, em 2021, com 5.639 participantes, onde restou demonstrado o prejuízo em relação ao sistema de horas, conforme extrato que segue:

No total, 76% dos participantes relataram exercer o teletrabalho durante a pandemia. Destes, 48% consideraram que as atividades profissionais dentro de casa foram maiores que o de costume e apontaram dificuldades para administração das próprias rotinas. Cerca de 1/3 dos entrevistados, por exemplo, afirmaram que nunca controlavam quando deveriam fazer um intervalo, nem mesmo eram capazes de definir em quais dias deveriam trabalhar ou estabelecer a hora de começar e terminar as atividades (SIQUEIRA, 2021).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Fica claro que o fato do teletrabalhador não receber pelas horas a mais em que exerce suas atividades era problemático, incorrendo em danos ao mesmo, além do descontentamento, haja vista que o profissional sofria com desgaste por não conseguir regularizar seu horário de trabalho, tanto de início e fim, quanto aos horários de intervalo. Esse foi um dos motivos que incentivaram a criação da Medida Provisória nº 1.108, pois ela trouxe novidades benéficas ao trabalhador, e respondeu a questões que ainda seguiam em aberto quanto à inserção do regime do teletrabalho (MASSOTE, 2022).

A MP mudou o teor da CLT em diversos artigos. As alterações de maior importância são: o teletrabalho por jornada figura como passível de receber horas extras; a prestação de serviços pode ser realizada fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não; o teletrabalhador pode prestar seus serviços por jornada, por tarefa ou produção e os trabalhadores com prioridade no regime são os empregados com deficiência e aos empregados e empregadas com filhos ou crianças sob guarda judicial até 4 anos de idade.

Tais mudanças expressam grande impacto no sistema laboral brasileiro, tendo em vista que o teletrabalhador aquele que exerce atividades por jornada receberá horas extras, adicional noturno, férias, além de poder utilizar-se do banco de horas. O principal objetivo da MP ora em discussão é o de proteger o ente hipossuficiente para que este tenha remuneração e garantias trabalhistas congruentes ao desempenho de suas funções.

 

3. O ARTIGO 75-B, § 1º DA CLT E A FLEXIBILIZAÇÃO DOS REQUISITOS DO TELETRABALHO

A Medida Provisória nº 1.108 acrescentou 9 parágrafos ao artigo 75-B da CLT, onde havia apenas o parágrafo único, alterando, inclusive, algumas partes do seu próprio conteúdo. Até mesmo o caput sofreu alguns ajustes, conforme pode ser observado na tabela comparativa abaixo:

Artigo 75-B, caput, antes da MP nº 1.108

Artigo 75-B, caput, depois da MP nº 1.108

Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.

O dispositivo em questão é o que define o instituto jurídico do teletrabalho e revela as suas delimitações. O novo texto normativo trouxe melhor entendimento a seu respeito, uma vez que dispõe de uma descrição mais robusta que a anterior. Ademais disto, passou a abarcar o trabalho remoto, também conhecido por home office que, muito embora constituam regimes distintos, são tidos, na prática laboral, como semelhantes (CALCINI; MORAES, 2022).

O legislador, quando da confecção da versão final da redação da Medida Provisória, acabou por remover o termo preponderantemente, que se encontrava na narração original da CLT, deixando-a como de maneira preponderante ou não, abrindo caminho à uma nova interpretação, conforme lição de Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes, que a seguir se traslada:

Com a nova redação da norma pela atual MP nº 1.108/2022, o próprio conceito do teletrabalho previsto no artigo 75-B celetista passa por uma metamorfose, pois, a partir de uma atenta leitura do dispositivo, com as respectivas alterações, percebe-se uma enorme e efetiva flexibilização. [...]. E, mais, o termo "preponderante" foi excluído propositadamente pela medida provisória que, em seu lugar, passou a admitir o comparecimento, sobretudo habitual, do empregado às dependências da empresa, sem que isso desnature o regime de teletrabalho ou trabalho remoto. Ficou mantida, contudo, a exigência da utilização de tecnologias de informação e de comunicação para a execução dos serviços à distância, que, por sua natureza, não se configura e/ou se confunde com o trabalho externo (CALCINI; MORAES, 2022).

É cediço que houve uma larga tentativa de relativizar a questão do comparecimento do funcionário teletrabalhador ao local físico, uma vez que a regra anterior apenas reconhecia visitas esporádicas para a realização de algumas tarefas mais pontuais. Para efeitos de melhor análise das alterações ocorridas por conta da MP de 2022, segue abaixo tabela comparativa:

Artigo 75-B, Parágrafo Único

Artigo 75-B, § 1º

O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.

O comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento, não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto.

À vista disto, o texto vigente propõe que o teletrabalhador possa vir a comparecer com certa habitualidade no ambiente físico do empregador sem que isso prejudique a sua condição, eis que o fato do trabalhador ter que ir presencialmente ao escritório, por exemplo, mesmo que com certa frequência, não descaracterizará o contrato de teletrabalho (BRAZ, 2022). 

Em que pese o requisito essencial para designar o instituto do teletrabalho seja, pois, a prestação do serviço em local que não o da empresa, através de equipamentos telemáticos e de instrumentos tecnológicos, a MP nº 1.108, por sua essência, se afasta de tal rigidez, inserindo um regime mais maleável, na qual, mesmo que o teletrabalhador se faça presente no ambiente empregatício de modo frequente, não irá ser descaracterizado como tal, levando-se, assim, em consideração que existem atividades que carecem de atendimento tão específico que somente poderão ser realizadas na modalidade presencial.

 

4. O ARTIGO 75-B, §§ 2º E 3º DA CLT, AS ESPÉCIES DE JORNADA DE TRABALHO DO TELETRABALHO E A SUA (IN)APLICAÇÃO

Alguns dos maiores problemas enfrentados na prática do teletrabalho, principalmente no período em que as regras de isolamento social estavam mais enérgicas, eram, sem dúvidas, as questões relativas ao horário de trabalho, aos intervalos (intrajornada e interjornada) e às horas extras, bem como, em casos isolados, ao adicional noturno.

Em 2020, o Tribunal Superior do Trabalho compreendeu que devido à dificuldade de controle, não há direito ao pagamento de horas extras e de adicional noturno (TST, 2020), demonstrando uma tendência protetiva maior ao empregador do que ao empregado, na medida em que o último trabalhava, muitas das vezes, a mais que o devido (em relação à sua jornada de trabalho tradicional), auferindo, ao final, verdadeira disparidade salarial entre as espécies.

Havia, por certo, uma efetiva demanda para que esta situação viesse a mudar, o que de fato ocorreu com a chegada da MP nº 1.108. Nos §§ 2º e 3º do artigo 75-B estão assentadas as alterações em relação a tais adicionais:

§ 2º. O empregado submetido ao regime de teletrabalho ou trabalho remoto poderá prestar serviços por jornada ou por produção ou tarefa.

§ 3º. Na hipótese da prestação de serviços em regime de teletrabalho ou trabalho remoto por produção ou tarefa, não se aplicará o disposto no Capítulo II do Título II desta Consolidação.

A partir disto, o teletrabalho não mais configurava exceção do Capítulo II, estando à margem de receber tudo quanto é garantido pela CLT. Contudo, à luz da interpretação da lei, somente os teletrabalhadores que prestam serviços na modalidade por jornada é que tem tal direito. Os trabalhadores que exercem funções por produção ou por tarefa não gozam de tal proteção, pois a elementar da sua atividade é produzir e receber conforme a produção, não sendo, para isto, estabelecido um horário de trabalho específico (NASCIMENTO, 2017).

O teletrabalhador apenas pode vir a receber todos os direitos dos demais trabalhadores quando trabalhar por jornada, tendo em vista que é a única maneira de poder se caracterizar as horas devidamente trabalhadas, sendo possível, também, contabilizar as horas extraordinárias e os momentos em que prestou serviço no horário considerado noturno, vez que o trabalhador por tarefa ou por produção é remunerado por cada produto produzido, ou seja, quanto maior a produção maior o salário a ser recebido.

 

5. O ARTIGO 75-F DA CLT E A PRIORIDADE NO REGIME DE TELETRABALHO

O teletrabalho, embora hoje reconhecido pelas empresas e pela comunidade jurídica, era considerado um sistema de trabalho pouco usual, e, como mencionado anteriormente, este regime veio a ser difundido no período da pandemia de Covid-19, com o isolamento social e a prestação de serviços à distância.

Como na CLT não havia nenhuma ressalva e/ou recomendação quanto à aplicação do teletrabalho, foram seguidas, de início, diretrizes trazidas por agentes de saúde. Um exemplo é a Instrução Normativa nº 109, de 29 de outubro de 2020, originária da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal, que, em seu artigo 7º, indicava que:

Art. 7º. Deverão ser priorizados para a execução de trabalho remoto, mediante autodeclaração, as seguintes situações abaixo constantes da Portaria nº 2.789, de 2020, do Ministério da Saúde:

I - servidores e empregados públicos que apresentem as condições ou fatores de risco descritos abaixo:

a) Idade igual ou superior a sessenta anos;

b) Cardiopatias graves ou descompensadas (insuficiência cardíaca, infartados, revascularizados, portadores de arritmias, hipertensão arterial sistêmica descompensada) e miocardiopatias de diferentes etiologias (insuficiência cardíaca, miocardiopatia isquêmica);

c) Pneumopatias graves ou descompensados (dependentes de oxigênio, asma moderada/grave, DPOC);

d) Imunodepressão e imunossupressão;

e) Doenças renais crônicas em estágio avançado (graus 3, 4 e 5);

f) Doenças cromossômicas com estado de fragilidade imunológica;

g) Neoplasia maligna (exceto câncer não melanótico de pele);

h) Doenças hematológicas (incluindo anemia falciforme e talassemia); e

i) Gestantes e lactantes.

II - servidores e empregados públicos na condição de pais, padrastos ou madrastas que possuam filhos ou responsáveis que tenham a guarda de menores em idade escolar ou inferior, nos locais onde ainda estiverem mantidas a suspensão das aulas presenciais ou dos serviços de creche, e que necessitem da assistência de um dos pais ou guardião, e que não possua cônjuge, companheiro ou outro familiar adulto na residência apto a prestar assistência.

III - servidores e empregados públicos que coabitem com idosos ou pessoas com deficiência e integrantes do grupo de risco para a COVID-19.

Em não havendo nenhum outro regramento que versasse sobre o tema, a proteção aos grupos de risco ficou cristalizada. Tal entendimento seguiu produzindo efeitos até o momento da publicação da Medida Provisória nº 1.108, que adicionou o artigo 75-F ao Capítulo II-A da CLT, com a seguinte redação:

Art. 75-F. Os empregadores deverão conferir prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados e empregadas com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto.

Desse modo, houve uma integração sobre o tema, sanando, em definitivo, as dúvidas quanto a aplicação do regime, notadamente porque a própria MP já sugere em seu texto quem deve ser prioridade, conferindo, ainda, a possibilidade de estender tais efeitos aos aprendizes e aos estagiários, conforme indica o artigo 75-B, § 6º da norma geral do direito do trabalho.

Em síntese, o recém-criado artigo 75-F propicia um preceito que deve ser considerado quando da sua aplicação, sendo inequívoco que o legislador visava amparar os colaboradores enquadrados em condições de maior vulnerabilidade: pessoas com deficiência, em atenção às suas necessidades mais específicas, e também os trabalhadores que têm filhos ou crianças sob seus cuidados, com idade até 4 anos, observando-se a criação de laços com aquele infante que precisa de seus genitores e/ou tutores para ter um crescimento e desenvolvimento saudável.

 

6. AS PERSPECTIVAS PARA O NOVO TELETRABALHO NO BRASIL

A Medida Provisória nº 1.108 tem por pretensão principal sanar a insegurança jurídica que gerava quando da aplicação do instituto do teletrabalho, ficando mais urgente ainda com o advento imediato da pandemia de Covid-19.

Com as inovações por ela trazidas, tais como: estender o teletrabalho aos estagiários e aprendizes, ou ainda o teletrabalhador que optar por exercer atividade por jornada, incorporar aos direitos que já detém o direito de receber as garantias previstas na CLT, fica demonstrado existir, a partir de então, um novo regime laboral, com aplicação diversa daquela que se tinha anteriormente.

E para prestar maior auxílio técnico aos empregados desta categoria, o Ministério do Trabalho e Previdência, juntamente com a publicação da referida MP, lançou o projeto social denominado Programa Caminho Digital, entendido como:

[...] um programa do Ministério do Trabalho e Previdência que tem o objetivo de centralizar e promover as iniciativas de capacitação com foco no desenvolvimento de habilidades digitais e inserção profissional voltados para a Economia 4.0.

A Escola do Trabalhador 4.0 - uma parceria da pasta com a Microsoft - é parte do programa Caminho Digital e oferece cursos gratuitos em temas de tecnologia e produtividade, com o objetivo de preparar o trabalhador para o mercado (SANTOS, 2022).

O Programa Caminho Digital surge como uma maneira de o governo federal auxiliar o empregado a se preparar para o mercado de trabalho, ou então, ascender na sua carreira com maiores conhecimentos na área de tecnologia, tendo em vista que o mundo atual, o dito 4.0, é totalmente digital e automatizado, restando claro que o teletrabalho é, pois, uma ferramenta inovadora e bastante funcional na prestação de seus serviços em razão de o funcionário poder realizar as funções distante fisicamente do ambiente laboral habitual (FREDERICO, 2021).

As mudanças normativas, bem como as novas oportunidades oferecidas pelo Estado, definem, por certo, um novo cenário laborativo pós-pandemia, observando que as tecnologias da informação tomam cada vez mais espaço dentro do universo corporativo, em virtude de as reuniões não mais precisarem ser realizadas presencialmente, podendo-se utilizar de recursos virtuais como o Skype, o Microsoft Teams, o Google Meet ou o Zoom, ou mesmo os meios digitais de videochamadas como, a exemplo, pelo aplicativo WhatsApp (TV BRASIL, 2020). Logo, a tendência do teletrabalho é a de expansão, visto que as comunidades se tornaram mais e mais informatizadas, deixando claro que o mundo laboral não ficará para trás neste quesito.

A MP nº 1.108, portanto, abriu um leque de direitos aos teletrabalhadores no tocante à tutela do hipossuficiente, trazendo nova visão acerca da aplicabilidade do instituto, posto que, agora, as questões referentes ao Capítulo II-A da CLT foram modificadas para melhor lapidar a perspectiva laboral daquele que faz a empresa produzir, e é tido como elemento central para o funcionamento da mesma: o empregado.

 

7. CONCLUSÃO

O teletrabalho, desde a sua introdução na Consolidação das Leis do Trabalho, através da Reforma Trabalhista de 2017, até o mês de março de 2022, antes da publicação da Medida Provisória nº 1.108, figurava como uma exceção quanto às garantias trabalhistas descritas na legislação, ganhando maior visibilidade apenas após o início do período de isolamento social, decorrente da pandemia de Coronavírus.

Não obstante, o tema foi foco principal da MP, que tem por objetivo efetuar alterações normativas no sentido de fechar as brechas deixadas pela atualização anterior, ofertando, pois, maior estabilidade nas relações jurídicas de cunho empregatício, considerando que a partir da data de sua publicação, as mudanças passariam a, de fato, ocorrer, oferecendo uma relação de emprego com maior paridade aos seus componentes.

Desde então, os teletrabalhadores contam com uma estrutura legal mais desenvolvida, e que abrange, de forma satisfatória, seu pleito, observando-se que o texto hoje em vigor goza de um número maior de artigos, e com isso, dispositivos mais específicos acabam figurando na norma jurídica, delineando, assim, o vínculo empregado-empregador de modo mais seguro e preciso, buscando, ao final, alcançar a equidade entre as partes.

À guisa de conclusão, tem-se que a Medida Provisória nº 1.108 chega para beneficiar o trabalhador, sendo-lhe reconhecidos direitos outrora desprezados de modo que sua prestação de serviço seja remunerada a contento, além de, em certos casos, poder executar tarefas, ainda que com habitualidade, de forma presencial no estabelecimento do empregador, sem que, com isso, haja prejuízos em seu contrato de trabalho na qualidade de teletrabalhador, dentre outros. Em síntese, a alteração no disposto da Consolidação das Leis do Trabalho surge para melhorar as condições destes trabalhadores porquanto expandem seus direitos, buscando-se, em tempo, efetivar a justiça nas vinculações laborais em que se encontram.

 

REFERÊNCIAS

A TECNOLOGIA e as novas relações a distância após pandemia. Tv Brasil. Disponível em: <https://tvbrasil.ebc.com.br/impressoes/2020/05/tecnologia-e-novas-relacoes-distancia-apos-pandemia>. Acesso em: 5 jun. 2022.

BRAZ, Cassiano DAngelo. MP 1108/22 ajusta critérios para o teletrabalho e regulamenta uso de vale alimentação. Nosso Direito em Ação. Disponível em: <https://www.nossodireito.com.br/2022/04/20/mp-1108-22-ajusta-criterios-para-o-teletrabalho-e-regulamenta-uso-de-vale-alimentacao>. Acesso em: 3 jun. 2022.

CALCINI, Ricardo; MORAES, Leandro Bocchi de. Nova MP do teletrabalho: aspectos pragmáticos. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2022-abr-07/pratica-trabalhista-nova-mp-teletrabalho-aspectos-pragmaticos#author>. Acesso em: 3 jun. 2022.

DORE, Eder. O que é telemática? Como ela é aplicada nas empresas? Map Link. Disponível em: <https://maplink.global/blog/o-que-e-telematica>. Acesso em: 10 mai. 2022.

FREDERICO, Luiz Fernando. Teletrabalho (quase) obrigatório é a tempestade perfeita para implementar a cultura da inovação. Haze Shift. Disponível em: <https://hazeshift.com.br/teletrabalho-cultura-inovacao>. Acesso em: 5 jun. 2022.

MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

MASSOTE, Fernanda. MP nº 1108/2022 e o controle de jornada no teletrabalho. Mega Jurídico. Disponível em: <https://www.megajuridico.com/mp-no-1108-2022-e-o-controle-de-jornada-no-teletrabalho>. Acesso em: 3 jun. 2022.

NASCIMENTO, Marcelo Mascaro. Com a reforma trabalhista, poderei receber só por produtividade? Exame. Disponível em: <https://exame.com/carreira/com-a-reforma-trabalhista-poderei-receber-so-por-produtividade>. Acesso em: 5 jun. 2022.

NILLES, Jack M. Fazendo do teletrabalho uma realidade: um guia para telegerentes e teletrabalhadores. São Paulo: Futura, 1997.

O MUNDO e a crise do petróleo de 1973. Virtualia. Disponível em: <https://virtualia.blogs.sapo.pt/43321.html>. Acesso em: 10 mai. 2022.

SANTOS, Ananda. Caminho Digital: governo lança programa de capacitação digital e inserção profissional. Contábeis. Disponível em: <https://www.contabeis.com.br/noticias/50928/governo-lanca-programa-de-capacitacao-digital-e-insercao-profissional>. Acesso em: 5 jun. 2022.

SIQUEIRA, Egberto. Sobrecarga de trabalho na pandemia é maior para as mulheres, aponta estudo ELSA-Brasil. EdgarDigital UFBA. Disponível em: <https://www.edgardigital.ufba.br/?p=22522>. Acesso em: 30 mai. 2022.

STÜRMER, Gilberto; FINCATO, Denise. Teletrabalho e covid-19. PUCRS. Disponível em: <https://www.pucrs.br/direito/wp-content/uploads/sites/11/2020/06/2020_06_22-direito-covid-19-ppgd-artigos_e_ensaios-teletrabalho_e_covid-19.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2022.

TENÓRIO, Ricardo Jorge Medeiros. A saúde mental e ergonômica no trabalho remoto no pós-pandemia. Espaço Acadêmico. Edição Especial, v. 20, abr./2021, p. 96-105.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Teletrabalho: o trabalho de onde você estiver. Justiça do Trabalho. Disponível em: <https://www.tst.jus.br/documents/10157/2374827/Manual+Teletrabalho.pdf/e5486dfc-d39e-a7ea-5995-213e79e15947?t=1608041183815>. Acesso em: 10 mai. 2022.

Sobre o autor
Luiz Fernando Vescovi

Professor da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidad del Museo Social Argentino. Mestre em Direito das Relações Internacionais e da Integração Regional na América Latina pela Universidad de la Empresa. Mestre em Direito Internacional pela Universidad San Carlos. MBA em Comércio Internacional pela Faculdade de Tecnologia Internacional. Especialista em Geopolítica e Relações Internacionais pela Universidade Tuiuti do Paraná. Bacharel em Direito pela Universidade Positivo. Autor de livros jurídicos e artigos científicos. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos