TIGRE, Paulo Bastos. Paradigmas Tecnológicos e Teorias Econômicas da Firma. Instituto de Economia da UFRJ. Fevereiro de 2005.
1. Problematização
O texto analisa a relação histórica entre firma e mudança tecnológica, segundo três paradigmas: (i) a revolução industrial britânica, que dominou a economia mundial durante todo o século XIX e foi a base de observação para a elaboração da teoria neoclássica; (ii) o paradigma fordista, que efetivamente deu origem à economia industrial; e (iii) o paradigma das tecnologias da informação, cuja construção teórica está baseado, principalmente nas correntes evolucionistas e neo-institucionalistas" (TIGRE, 2005, p. 01).
A partir dos citados paradigmas, o autor afirma haver diferenças teóricas importantes entre as três principais escolas que analisam a firma, a neoclássica, organização industrial e evolucionista. Assim, ele se questiona: O que explicaria estas divergências, além do clássico conflito entre mercado versus intervenção estatal como motor do desenvolvimento, que divide a ciência econômica desde os tempos de Smith e Marx? (TIGRE, 2005, p. 02).
2. Tese defendida
O autor, durante o texto vai analisar as três escolas acimas, mas de imediato levanta uma tese: A análise da evolução das teorias da firma e sua relação com paradigmas organizacionais distintos mostram que não existe um corpo teórico único e coerente, pois as teorias estão condicionadas por diferentes filiações metodológico-teóricas, enfocam aspectos distintos (produção ou transação) e baseiam-se em contextos institucionais, históricos e setoriais diversos (TIGRE, 2005, p. 01).
3. Teoria Neoclássica e Revolução Industrial
Segundo o autor, na teoria neoclássica tradicional, o foco de interesse permanece vinculado à teoria dos preços e alocação de recursos. A firma é vista como uma caixapreta, que combina fatores de produção disponíveis no mercado para produzir produtos comercializáveis. O mercado, embora possa apresentar situações transitórias de desequilíbrio, tende a estabelecer condições de concorrência e informações perfeitas. A firma se depara com um tamanho ótimo de equilíbrio. As possibilidades tecnológicas são usualmente representadas pela função de produção, que especifica o resultado da combinação possível de fatores. As tecnologias estão disponíveis no mercado, seja através de bens de capital ou no conhecimento incorporado pelos trabalhadores. Por fim, é assumida a racionalidade perfeita dos agentes, diante de objetivos da firma de maximização de lucros (TIGRE, 2005, p. 04).
Para a teoria neoclássica, portanto, a firma é uma realidade quase ideal, individualizada, como se não mantivesse relação direta com o contexto sócio-político-econômico que a circunda. Assim, a única função da firma é transformar insumos em produtos, e para isso basta selecionar a técnica mais apropriada [...]. O ambiente competitivo é simples e inerte, praticamente sem incertezas. (TIGRE, 2005, p. 04).
Para esta visão, os mercados determinam preços e quantidades produzidas e o empreendedor é considerado apenas um coordenador da produção [...]. A firma tem um princípio comportamental único, a maximização do lucro, desconsiderando o princípio de utilidade de cada um dos agentes econômicos [...]. A firma é tratada não como instituição, mas sim como ator, com um status similar ao consumidor individual. Um ator passivo e sem autonomia, cujas funções se resumem em transformar fatores em produtos e otimizar as diferentes variáveis de ação. A teoria neoclássica de competição perfeita estava mais preocupada com o sistema de preços do que com competição e organização das firmas. Como afirma Demsetz (1993), a teoria tem origem no debate entre mercantilistas e defensores do livre mercado sobre o papel do Estado na economia. A visão liberal se apoiava na mão invisível de Adam Smith, que já no século XVIII apontava para a característica autorreguladora do sistema de preços. (TIGRE, 2005, p. 04).
4. Firma e Fordismo
No início do século XX, houve uma nova onda de desenvolvimento tecnológico, principalmente em relação aos meios de comunicação e de transporte, o que abriu uma trajetória inteiramente nova para a organização interna da firma e sua interação com o mercado, alterando a dinâmica da acumulação de capital. (TIGRE, 2005, p. 09). Assim, três importantes mudanças contribuíram para modificar a estrutura e a forma de se pensar a firma: a eletricidade, o motor à combustão e as inovações organizacionais fordistas-tayloristas. (TIGRE, 2005, p. 10). É nesse contexto, que surge a noção de capitalismo gerencial, haja vista que as inovações organizacionais e tecnológicas permitiam o uso de estruturas gerenciais para planejar e coordenar a produção em larga escala e aplicar conhecimento científico à indústria (TIGRE, 2005, p. 12).
O taylorismo tenta ser uma forma de pressão contra o avanço das formas socialistas no seio das empresas. Taylor racionaliza a firma e combate a participação do operário nas tomadas de decisões. O fordismo, por sua vez, é uma continuação do taylorismo, com a noção de que a produção em massa deve de alguma forma trazer benefícios diretos para o trabalhador. O fordismo pode ser entendido como uma espécie de síntese entres os interesses do capitalista e os do operário. No entanto, taylorismo e fordismo produzem em massa e assumem uma reserva de estoque, partido do pressuposto de que a produção em massa gera preços mais baratos e que, com isso, a população terá mais acesso e comprará todo o estoque. Isso nem sempre ocorre. Em verdade, no começo da implantação do fordismo isso foi de grande serventia, mas, logo em seguida, a grande quantidade de produtos estocados terminaram por ser um peso para as indústrias, pois estas não sabiam como vender tais produtos. Por isso, as empresas fordistas mantêm um vínculo muito próximo com o Estado, espécie de garantidor e avalista de tais firmas, pois, se estas entram em bancarrota, o Estado as socorre imediatamente. Assim, o dinheiro público é utilizado para financiar uma forma de produção nem sempre compatível com as necessidades do consumidor atual.
5. As TICs e as Firmas
Desde o final do século XX, ganha protagonismo as tecnologias da informação e comunicação (TIC), que têm um papel central neste processo, pois constituem não apenas uma nova indústria, mas o núcleo dinâmico de uma revolução tecnológica. Ao contrário de muitas tecnologias que são específicas de processos particulares, as inovações derivadas de seu uso têm a característica de permear, potencialmente, todo o tecido produtivo. (TIGRE, 2005, pl 16).
O modelo evolucionista ou neoschumpeteriano cresceu nos últimos tempos, baseando-se em três pilares: O primeiro é que a dinâmica econômica é baseada em inovações em produtos, processos e nas formas de organização da produção. As inovações não são necessariamente graduais, podendo assumir caráter radical causando, neste caso, instabilidade ao sistema econômico. É atribuída grande importância também à interação entre agentes econômicos, articulados em clusters de produção. Os conceitos de "destruição criadora", de "paradigmas técnico-econômicos" e a analogia com a biologia evolucionista de são esclarecedores da essência descontínua atribuída ao crescimento econômico em função da inovação tecnológica. O segundo princípio descarta a ideia de racionalidade invariante (ou substantiva) dos agentes econômicos. Os evolucionistas criticam as teorias de racionalidade substantiva que pré-define o comportamento de firmas segundo o princípio da maximização. O conceito de maximização não é considerado útil, pois envolve muitas variáveis que não podem ser, a priori, conhecidas pelo empreendedor. Os evolucionistas apontam para a necessidade de desenvolver uma visão da firma constituída de indivíduos distintos e dotada de características cognitivas próprias. A diversidade conduz à ideia de racionalidade procedural, ou seja, de que a racionalidade dos agentes não pode ser pré-definida, pois é resultante do processo de aprendizado ao longo das interações com o mercado e novas tecnologias. O terceiro princípio se refere à propriedade de auto-organização da firma, como resultado das flutuações do mercado. É rejeitado qualquer tipo de equilíbrio de mercado, conforme proposto pela teoria convencional, na medida em que não é possível alcançá-lo em ambiente coletivo de flutuações de agentes individuais com rotinas e capacitações distintas (TIGRE, 2005, pp. 16, 17, 18).
6. O toyotismo
Com a globalização moldada pela rapidez da internet, as empresas são obrigadas a tratar os mercados como transitórios, ou de moda, nos quais os ciclos do produto são curtos, e a mudança na demanda entre um produto e outro é volátil (TIGRE, 2005m p. 21). Embora o toyotismo não seja um modelo novo, no sentido temporal, adapta-se à realidade do século XXI. Nele, a introdução de técnicas organizacionais como just-in-time, controle da qualidade total e estruturas produtivas mais horizontais e integradas em células, levaram empresas japonesas como a Toyota a desafiar o oligopólio longamente estabelecido nos mercados automobilístico e de bens de consumo duráveis. O novo paradigma é comumente chamado de toyotista, em oposição ao fordista (TIGRE, 2005m p. 20).
Assim, é de fundamental importância garantir flexibilidade e lead time menor, por meio de técnicas de produção valorizadoras de estruturas horizontais, fugindo assim do centralismo fordista e taylorista: Tais conceitos contrastam com a organização fordista, assentada na especialização, divisão do trabalho e separação entre a concepção, execução e controle da produção. A necessidade de adaptar o processo produtivo a frequentes mudanças nas quantidades, mix e desenho de produtos reduz substancialmente as vantagens da coordenação hierárquica. Em consequência, cresce também a importância das redes de firmas como forma intermediária de coordenação entre a firma verticalizada e o mercado atomizado (TIGRE, 2005m p. 21).
6. Conclusão
Para o autor, A análise da evolução das teorias da firma e sua relação com paradigmas organizacionais distintos permite concluir que não existe um corpo teórico único e coerente. As teorias estão condicionadas por diferentes aspectos, cabendo destacar a filiação metodológico-teórica, o aspecto da firma analisado (produção, transação) e o objeto da análise em si (indústrias e contextos institucionais e históricos). A filiação metodológico-teórica tem origem não apenas em motivações ideológicas, mas também nas preocupações derivadas da própria estrutura da indústria e da organização da firma (TIGRE, 2005, p. 24).
O autor resume a relação histórica entre firma e economia:
Em suma, dos três paradigmas estudados, mostrando que existe certa coerência entre paradigmas tecno-econômicos e teorias da firma. Isso indica que, mais cedo ou mais tarde, a teoria procura se adaptar à realidade dos padrões dominantes de competição, das características das tecnologias e da organização da produção (TIGRE, 2005, p. 25).