CAVALCANTE, Pedro. Inovação e políticas públicas: superando o mito da ideia). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Brasília, 2019.
O Dr. Pedro Cavalcante organizou o livro Inovação e políticas públicas: superando o mito da Ideia, cujo objetivo foi o de contribuir para a prática e o fomento do debate sobre inovação na administração pública, [...] visando dar continuidade aos esforços colaborativos de construção de conhecimento empírico sobre a cultura e a capacidade de inovação no setor público (CAVALCANTE, 2019, p. 11).
Para o autor, o Brasil está cada vez mais exigindo que a Administração Pública se modernize, embora haja um rechaço a tal fenômeno dentro da própria Administração. No entanto, a ênfase no desenvolvimento de inovações se encaixa em uma conjuntura de superação das estratégias reformistas, que, no fim do século passado, proliferaram pelo mundo. O entendimento contemporâneo é que, embora fossem imbuídos de bons propósitos, os esforços reformistas de grande vulto geraram altos custos transacionais e resultados aquém do planejado. Por essa razão, os governos passaram a direcionar seus empenhos em estratégias pragmáticas de melhorias incrementais e constantes, isto é, os micro-improvements ou inovações nos processos e serviços públicos (CAVALCANTE, 2019, p. 12).
O Estado, no tocante à inovação no setor administrativo, pode atuar de formas distintas: i) de restrição, como os códigos de ética de pesquisa; ii) de condição, a exemplo de leis e medidas que visam melhorar o ambiente de negócios das empresas; iii) de catalisador de iniciativas e experiências inovadoras, tais como as políticas públicas de fomento a startups (empresas nascentes com alto potencial de crescimento); e iv) de agente, quer dizer, o setor público como protagonista e foco em inovações em seus processos e serviços [...]. Os artigos do livro abordam, em graus distintos, todos esses papéis (CAVALCANTE, 2019, p. 12).
Cavalcante, contudo, diz que as ideias inovadoras devem ter implantação efetiva, da mesma forma que acontece no Vale do Silício, onde de cada cem startups, apenas dez dão resultados positivos. As startups podem ser definidas como empresas que possuem um modelo de negócios repetível e escalável, normalmente usam a tecnologia para o seu funcionamento. Também são compostas por um grupo de pessoas com perfil e mindset empreendedor. O termo startup surgiu no Vale do Silício. Existem diversas startups, como Uber, Airbnb e Apple Elas são incentivadas em grande medida no Vale do Silício, local onde a experimentação e a capacidade empreendedora são incentivadas constantemente.
Dos diversos artigos publicados no livro, Pedro Cavalcante tenta fazer uma síntese. Para ele, os textos direta ou indiretamente insinuam que a inovação, embora praticada há décadas na administração pública do país, vem sendo deliberadamente internalizada com mais intensidade nos anos recentes, tanto no discurso quanto no dia a dia das organizações e dos atores envolvidos (servidores, lideranças, terceiro setor e iniciativa privada). Mesmo com diversas barreiras, em especial ocasionadas pelas recentes crises econômica e política por que o país passou, a inovação dá sinais cada vez mais claros de fazer parte das agendas governamentais como diretriz estratégica (CAVALCANTE, 2019, p. 20).
Isso não implica que a desburocratização da Administração Pública tenha sido reduzida drasticamente, justamente pelo conflito de interesses entre quem trabalha para a Administração (os servidores públicos) e os que recebem os serviços prestados por esta (população em geral): A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O estudo argumenta que, embora os esforços de modernização e/ou desburocratização da administração pública tenham sido recorrentes no histórico recente do país, os seus resultados nem sempre foram satisfatórios, sobretudo em função das constantes volatilidades e descontinuidade desses projetos (CAVALCANTE, 2019, p. 20).
No entanto, a própria OCDE reconhece o aumento recente nas atividades inovadoras e a constituição de um sistema próprio, conforme o próprio relatório enfatiza: a inovação do setor público definitivamente está acontecendo no serviço público do Brasil (OCDE, 2018b, p. 9 apud CAVALCANTE, 2019, p. 20). Ou seja, há mudança, mas talvez não tão célere como a OCDE gostaria que fosse.
Embora o setor público ainda reaja contrariamente às inovações, uma parte da população vem pressionando o setor público para que este passe a ser tão ágil como o privado, mas ainda não houve uma pressão suficiente forte para causar uma mudança radical.
Daí, para o autor, a importância de publicações que abordem o tema da inovação e que sejam usadas pelos gestores públicos para que, com isso, haja gradativamente uma mudança na base.
Dessa forma, parra Cavalcante, a ideia principal do livro está estampada em no título (superando o mito da ideia), pois, para ele, inovar exige bem mais do que lampejos ou momentos de criatividade de equipes ou líderes. As experiências relatadas robustecem essa premissa na medida em que indicam, primeiramente, que as inovações não surgem de uma ideia preestabelecida, mas sim de processos e momentos de construção coletiva, tanto do mapeamento dos problemas quanto das soluções a serem implementadas (CAVALCANTE, 2019, pp. 20-21).
Seguindo o modelo do Laboratório Britânico de Inovação, (NESTA), o autor afirma que para quebrar as bases de uma gestão pública excessivamente burocrática deve-se seguir algumas etapas:
exploração de oportunidades e desafios;
geração de ideias ou ideação;
desenvolvimento e testes;
construção do caso;
entrega e implementação;
crescimento, escala e disseminação; e
mudança de sistemas.
O autor, porém, diz que as duas últimas etapas são as mais difíceis de atingir e quem nem todos os processos inovadores, embora atinjam as cinco primeiras, logram alterar a mentalidade do sistema.
Para mudar verdadeiramente ele aponta dos personagens fundamentais: o servidor público e o gestor público: Cabe ressaltar o papel de destaque que os servidores públicos desempenham na implementação de inovações, perceptível em todos os casos de sucesso relatados aqui e também facilmente observado em outras experiências espalhadas nos governos. A despeito de um natural viés nos relatos dos autores, uma vez que a maioria deles estava envolvida com as iniciativas, é difícil imaginar que elas conseguiriam gerar os impactos alcançados sem o esforço e o engajamento dos empreendedores públicos. Não há dúvidas de que as experiências reforçaram a relevância das lideranças e das parcerias com atores e unidades ou instituições de fora e de dentro das organizações públicas. Todavia, os gestores e servidores, normalmente, são os principais responsáveis e protagonistas pois eles atuam desde o início como idealizadores, formadores e coordenadores dos processos de cocriação e, assim, propiciam as condições à continuidade e perenidade, aspectos fundamentais em projetos de médio e longo prazo, típicos da inovação (CAVALCANTE, 2019, pp. 24).
Portanto, antes de mudar a base, deve-se o intelectual acadêmico tentar mudar a mentalidade dos gestores, pois são estes que comandam a base. E é aí que entram livros e intelectuais que tratam da importância de uma mudança inovadora na gestão da coisa pública no Brasil, seria um trabalho lento, mas necessário para o progresso da nação.