NEURODIREITOS E A SUA REGULAÇÃO

Quais os limites legais da Neurociência?

11/08/2022 às 10:37
Leia nesta página:

Associada à inteligência artificial, a evolução da neurotecnologia vem ocorrendo de forma muito rápida, o que levanta importantes questões éticas e de direitos humanos. Nó temos direitos aos nossos pensamentos? Quem é o dono das nossas memórias?

 

A evolução tecnológica promovida pela permanente interação entre homem e máquina, o que faz surgir uma nova área que trata dos neurodireitos.

São novos temas como privacidade mental, identidade pessoal e livre arbítrio, subáreas decorrentes dessa interação homem máquina aprofundada pela Inteligência Artificial.

Essa interação permanente e evolutiva entre homem e máquina caminharia então para criação de novos ciborgues? O termo foi utilizado em 1960, cunhado por Manfred Clynes e Nathan Kline, em 1960, na publicação Ciborgues e o espaço, na qual argumentam que alterar as funções corporais de um homem para atender aos requisitos dos ambientes extraterrestres seria mais lógico do que criar um ambiente terrestre para ele no espaço, o que implica em alterar o homem ao invés de alterar os espaços onde ele vive ou pretende viver.

Associada à inteligência artificial, a evolução da neurotecnologia vem ocorrendo de forma muito rápida, lembro que em 1948 Norbert Wiener define a cibernética como o estudo científico do controle e comunicação no animal e na máquina, uma área transdisciplinar que explora as estruturas, as restrições e as possibilidades desses sistemas regulatórios, com o evoluir dos serviços e produtos de ligação entre homem e máquina, amplia-se a necessidade regulatória de se estabelecer limites a essa ligação.

Nesse momento um grupo da Universidade Columbia (EUA) impulsiona proposta para a criação dos neurodireitos e proteção contra discriminação, baseado em um estudo feito na Universidade de Tubingen, na Alemanha, publicado no início deste ano, mostrou, pela primeira vez, que um homem de 36 anos em estágio avançado de esclerose lateral amiotrófica (ELA) conseguiu comunicar-se por meio do pensamento. Ele não é capaz de mover nenhum músculo do corpo, mas foi capaz de manifestar intenções com a ajuda de um implante cerebral. Sim, ainda que de forma rudimentar, a tecnologia já permite ler pensamentos. Logo surge a pergunta qual o limite para máquina ler pensamentos? O que precisa e deve ser protegido? Qual o protocolo?

Associada à inteligência artificial, a evolução da neurotecnologia vem ocorrendo de forma muito rápida, o que levanta importantes questões éticas e de direitos humanos. Por exemplo, nós temos direitos aos nossos pensamentos? O que acontece se alguém manipular nossos pensamentos? Máquinas podem implantar pensamentos em nosso cérebro?

Essa questões certamente abrem o debate do que está por vir, não uma regulação que limite o desenvolvimento da pesquisa e do avanço tecnológico, mas o estabelecimento dos limites éticos e humanos para o uso dessas novas tecnologias, evidenciando a importância desse debate ético-jurídico e para a criação dos neurodireitos.

Um grupo da Universidade Columbia (EUA) tem impulsionado a proposta para a criação dos neurodireitos: direito à privacidade mental, direito à identidade pessoal, direito ao livre-arbítrio, igualdade de acesso à tecnologia, proteção contra discriminação. Lembro que o Chile foi o primeiro país do mundo a consagrar a proteção dos neurodireitos em sua Constituição, com esses cinco princípios básicos, e aqui no Brasil a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) já tem um Laboratório de Neurodireitos.

Quais os limites dessa intervenção no cérebro?

O implante do dispositivo que citamos no início do artigo, conseguia decifrar por meio das ondas cerebrais a intenção do movimento dos olhos previamente treinado, ainda que o movimento em si já não mais acontecesse.

Essa discussão certamente não é nova, mas as novas tecnologias dão novos contornos, para podermos aprofundar, lembro que no fim da década de 1940, possivelmente influenciado pela máquina de Turing, o matemático John von Neumann percebe que os seres vivos estavam entre os tipos de máquina que poderiam ser emulados pela máquina universal. Em sua obra The general and logical theory of automata, von Neumann fez uma analogia entre os órgãos humanos e as partes de um computador, especialmente o sistema nervoso central (BARONE, 2003). Ele cria também a teoria do autômato autorreplicante (publicada em 1966 no livro Theory of Self-Reproducing Automata), contra-argumentando a afirmação de que o que separa seres humanos de máquinas seria o fato de elas não serem capazes de se reproduzir. Apesar de ser um trabalho conceitual na época, ele foi validado posteriormente quando foram construídos autômatos que se reproduzem.", imagine o que escreveriam com os avanços da neurociência e a intervenção das máquinas em nossos sentidos?

A ideia da proteção à privacidade mental ganha novos contornos, visto que implica em converter sinapses do cérebro em dados, embora haja inúmeros graus de ceticismo sobre isso, tudo parece ser apenas uma questão de tempo nesse avançar permanente.

Hoje usamos drogas legais e ilegais para aumentar a nossa capacidade cognitiva, como o café e a cocaína, por exemplo, tente imaginar isso sendo feito por dispositivos eletrônicos, controlando momentos de depressão, ou registrando momentos de depressão onde a mente e os pensamentos ofertam perigo ao corpo, ou a terceiros?

Logo tente imaginar dispositivos que registram essas vontades conectados a máquinas de controle social no estilo memority report?

Hoje já temos uma tecnologia de ressonância magnética que permite ver o cérebro funcionando. Até pouco tempo atrás, o cérebro era uma caixa-preta, que só podia ser visto depois da morte do sujeito. Ainda estamos longe desse nível de tecnologia capaz de ler pensamento, mas se as tecnologias começarem a se desenvolver mais, temos de pensar em formas de garantir que a privacidade mental não seja devassada por um Estado autoritário, como no exemplo dado acima.

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Dispositivos que possam ler vontades também podem implantar vontades se forem invadidos certo?

O Professor de filosofia do Direito da UFMG, Andytias Mattos, em artigo publicado no Estadão, questiona a noção do neurodireito. A discussão do neurodireito passa pela ideia de que o cérebro é uma entidade independente do ambiente em que a pessoa está inserida. Acho que a abordagem é reducionista, deixa de lado a complexidade humana.

Mas esse é um velho sonho da psicologia; entender que temos algo semelhante a uma alma, que pode ser medido, controlado, que pode ser um objeto da ciência, aponta o especialista. Por exemplo: o que leva um sujeito a cometer um crime? Dizer que é uma relação de alguns neurotransmissores me parece uma simplificação excessiva de uma questão social muito mais complexa. Muitos processos que acontecem em nível inconsciente são processos sociais, que se constroem a partir de fatores políticos, econômicos.

Já o neurocientista Miguel Nicolelis, da Universidade Duke, nos EUA, um dos pioneiros no desenvolvimento de interfaces cérebro-máquina, também tem uma visão crítica sobre os neurodireitos. Estamos à beira de poder interferir na mente humana, dizem. Ora, a mente humana é influenciada desde sempre, a mídia influencia muito mais a mente humana do que qualquer tecnologia neuronal disponível atualmente, afirma Nicolelis. Não existe nenhum risco, neste instante, de alguém extrair nossos pensamentos. O fato de a internet estar surrupiando nossos dados é muito mais perigoso.

Na mesma reportagem, Nicolelis, argumenta que a discussão é prematura. Segundo ele, a ciência consegue ler sinais elétricos cerebrais que contêm informações motoras por meio de métodos invasivos, como implantes. Ou seja, é possível extrair comandos motores e mandar mensagens simples de volta ao cérebro. Mas memórias, emoções, visões de mundo, filosofia de vida são muito mais complexas do que um comando motor, pontua, e envolvem um número imenso de neurônios.

Desde o paleolítico, quando aprenderam a caçar em grupo, os homens sincronizam seus cérebros. E é por isso que conseguimos caçar animais enormes, muito mais fortes. Evoluímos para atuar em grupo, explica. Da mesma forma, quando um time de futebol joga, os cérebros dos jogadores estão sincronizados. Recentemente, vimos que um quarteto de música, quando toca junto, forma um hipercérebro, como se fosse um único sistema nervoso coletivo.

O Direito sempre produz normas hipotéticas e logo o regramento precisa olhar o futuro sim.

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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