Segundo o art. 167, I, 21 da Lei nº 6.015 de 31 de dezembro de 1973 sempre foi necessário o que ora dispõe o art. 792 do Código de Processo Civil
José Sebastião Fagundes Cunha[1]
Poliana Maria Cremasco Fagundes Cunha[2]
O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento: Sem averbação da execução no registro do imóvel, configuração de fraude em alienações sucessivas exige prova de má-fé.[3]
Com base na jurisprudência da Colenda Corte, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu os critérios para que o reconhecimento de fraude à execução na venda de imóvel do devedor tenha efeitos em relação às alienações subsequentes, a partir de dois cenários principais:
1) Caso exista registro prévio da ação ou da penhora na matrícula do imóvel alienado a terceiro, haverá presunção absoluta do conhecimento do adquirente sucessivo e, portanto, da ocorrência de fraude. Sendo declarada a ineficácia da transação entre o devedor e o adquirente primário, as alienações posteriores também serão consideradas ineficazes.
2) Se não houver registro da penhora ou da ação, caberá ao credor provar a má-fé do adquirente sucessivo. Ainda que a venda ao primeiro comprador tenha ocorrido em fraude à execução, as alienações sucessivas não serão automaticamente ineficazes. Dessa forma, a sua ineficácia perante o credor dependerá da demonstração de que o adquirente posterior tinha conhecimento da ação contra o proprietário original.
Imóvel vendido quando não havia restrição em cartório
O recurso em que assentado o entendimento teve origem em embargos de terceiros apresentados pelos compradores de um imóvel que havia sido adquirido pelo vendedor, dois anos antes, de pessoas que estavam sendo executadas por uma empresa de factoring. Após o reconhecimento de fraude à execução na primeira alienação, os embargantes alegaram que fizeram o negócio de boa-fé, pois, naquele momento, não constava no cartório imobiliário nenhuma informação sobre o processo.
Os embargos foram julgados improcedentes em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença por considerar que não havia qualquer restrição no registro imobiliário quando o negócio foi celebrado, e que o reconhecimento da fraude na primeira alienação não afetava automaticamente a venda subsequente.
Em recurso ao STJ, a empresa de factoring sustentou que a venda foi intermediada por imobiliária, a qual, experiente no ramo, tem o hábito de obter certidões sobre ações e execuções antes do fechamento de um negócio, razão pela qual os compradores não poderiam alegar desconhecimento da execução, mesmo assim o Superior Tribunal de Justiça entendeu necessária a averbação.
Hipóteses para o reconhecimento da fraude à execução
A relatora do recurso especial, ministra NANCY ANDRIGUI, explicou que o reconhecimento de fraude à execução leva à ineficácia da alienação do bem em relação ao exequente (artigo 792, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil de 1015).
Com base na legislação e na interpretação do STJ, a ministra apontou as hipóteses em que a alienação ou a oneração do bem podem ser consideradas fraude à execução:
a) quando sobre o bem houver ação baseada em direito real ou com pretensão reipersecutória (reivindicação de um bem ou direito que não se encontra no próprio patrimônio);
b) quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução;
c) quando o bem tiver sido objeto de constrição nos autos da ação em que foi suscitada a fraude; e
d) quando, no momento da alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência.
Quanto à prévia averbação da penhora no registro imobiliário, a magistrada destacou que, segundo a jurisprudência, ela é requisito de eficácia perante terceiros, gerando presunção absoluta de conhecimento para estes e, portanto, de fraude à execução "caso o bem tenha sido alienado ou onerado após a averbação" situação que também se aplica na hipótese de averbação de execução pendente.
Falta de averbação exige comprovação de má-fé
No entanto esclareceu a douta Ministra NANCY ANDRIGUI , se não há a averbação de penhora ou execução, essa circunstância não impede totalmente o reconhecimento de fraude à execução, "mas caberá ao credor comprovar a má-fé do terceiro, vale dizer, que o adquirente tinha conhecimento acerca da pendência do processo".
Essa orientação está consolidada na Súmula 375 do STJ.[4]
No caso dos autos mencionados, a relatora observou que a empresa de factoring não providenciou a averbação da execução no registro imobiliário nem comprovou que os adquirentes sucessivos tinham conhecimento da ação em trâmite contra os executados (primeiros vendedores).
"Não há que se falar, por conseguinte, em extensão da decisão que reconheceu a fraude à execução na primeira alienação e, portanto, em ineficácia do negócio celebrado entre os recorridos e o primeiro comprador", concluiu a ministra.
Ao negar provimento ao recurso especial, ela ressaltou ainda que como bem apontado pelo TJSP , as certidões judiciais de ações e execuções que devem ser verificadas na alienação de imóvel dizem respeito ao vendedor, não se exigindo uma investigação de toda a cadeia dominial passada.
Leia o acórdão no REsp 1.863.999.
Em verdade, o tema é recorrente e em memoráveis aulas do Prof. Dr. Desembargador DONALDO ARMELIN, no programa de pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo colocamos em discussão, qual seja a necessidade de averbação na matrícula do imóvel das ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis, conforme o artigo 167, inciso I, nº 21, da Lei Federal 6.015/73.
O referido ato não apenas dá ciência aos interessados da existência dessas ações, como também se presume cometida em fraude à execução qualquer aquisição imobiliária posterior à sua inscrição. Portanto, a aquisição poderá ser judicialmente declarada ineficaz, não podendo o adquirente fundar-se na boa-fé.
O fato é que desde a crise econômica no Governo Sarney, dezenas de vezes decidimos que sem a averbação na matrícula milita em favor do adquirente a presunção de boa fé e há a necessidade da demonstração de má fé do terceiro que vier a adquirir o imóvel.
As averbações premonitórias e as citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias relativas a imóveis são ferramentas processuais de grande valia porquanto dão publicidade da lide judicial afastando possível boa-fé de adquirentes ou terceiros que receberam o imóvel em garantia e são obrigatórias de acordo com a Lei de Registros Público, o atual Código de Processo Civil apenas explicitou do que já havia comando normativo.
O objetivo da averbação premonitória na matrícula do imóvel é dar publicidade em relação a terceiros do feito de forma que se presuma fraude à execução qualquer alienação ou oneração de bens realizadas após essa inscrição.
Na verdade uma ação real ou pessoal reipersecutória é a relação entre um direito de caráter obrigacional (entre credor e devedor) que abrange a natureza do direito real sobre a coisa. Sob esse ponto de vista, se conclui que as ações reais ou pessoais reipersecutórias têm sua origem no descumprimento de uma obrigação (caráter obrigacional) e se culmina com a pretensa aquisição de um direito real sobre a coisa.
Assim, expõe Fabrício Coutinho:
No serviço de registro de imóveis devem ser registradas no Livro nº 2 as citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis, conforme o artigo 167, inciso I, nº 21, da Lei Federal 6.015/73. O referido ato não apenas dá ciência aos interessados da existência dessas ações, como também se presume cometida em fraude à execução qualquer aquisição imobiliária posterior à sua inscrição. Portanto, a aquisição poderá ser judicialmente declarada ineficaz, não podendo o adquirente fundar-se na boa-fé.[5]
E ainda, Fabrício Coutinho ratifica a condição da averbação premonitória como ser passível de certidão de ação pessoal reipersecutória:
Assim, como no registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias, a averbação premonitória firma a presunção de fraude à execução para oneração ou alienação de bens, após a feitura do ato. No entanto, pelo teor normativo, verifica-se que a averbação premonitória aplica-se tão somente às ações vinculadas ao processo de execução, ao passo que o registro das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias é mais abrangente, recaindo sobre ações ordinárias, na maioria das vezes. [...] O não cumprimento de uma obrigação contratual pelo devedor que é o pagamento faz desta ação não apenas executória, mas também pessoal reipersecutória, já que repercute sobre o bem imóvel objeto do negócio jurídico. Logo, a mencionada demanda poderá originar a certidão premonitória e a certidão de citação de ação pessoal reipersecutória.[6]
Desta forma, a averbação de ações na matrícula do imóvel traz ao conhecimento de terceiros uma situação jurídica pendente sobre o imóvel que se torna erga omnes, ou seja, oponível contra terceiros. A pendência de uma ação inerente ao direito real, que não seja oriunda de um processo tipicamente de execução, no caso de alienação ou oneração do bem, não caracteriza a fraude à execução, mas seus efeitos restarão completados no exercício do direito de sequela que pode colocar o bem à disposição de uma execução.
Tal fato decorre da própria eficácia dos direitos reais. O direito de sequela é um privilégio que assiste ao titular de direito real de executar os bens que lhe servem de garantia para recebimento do crédito, bem como persegui-los em poder de qualquer pessoa que os detenha.
Salienta-se que no Cartório de Registro de Imóveis, será gravado determinado bem de titularidade do devedor que seja de conhecimento do credor. Nesse caso, o imóvel será registrado com uma averbação que define a existência de uma ação real ou pessoal reipersecutória, ou seja, que decorre da tutela de um direito real. Conforme define Fabrício Coutinho: A ação reipersecutória, por sua vez, objetiva que o autor retome ao seu patrimônio o que lhe pertence, mas se encontra em poder de terceiro ou na esfera patrimonial do réu que não cumpriu uma obrigação contratual.[7]
E assim, Coutinho expressa: é a ação que persegue uma coisa em decorrência de relação obrigacional não honrada pelo devedor.[8]
Ressalta-se, que a certidão comprobatória da admissibilidade do processo executivo é um título hábil para averbação no Cartório de Registro de Imóveis. De fato, o artigo 828 é um instrumento quase perfeito para o credor, no sentido de evidenciar a fraude à execução. Todavia, é uma opção quase perfeita, pois a averbação em si não gera a indisponibilidade do bem, não impede a alienação, não retira a capacidade do devedor de proprietário e dos seus atributos de usar, gozar e dispor do bem. Esses atos serão consequência a ser averbada na matrícula, caso o devedor expresse conduta que possa dissipar o seu patrimônio, não garantir a satisfação do crédito ou dificulte o recebimento do que é devido ao credor.
Cumpre esclarecer que na Serventia Registral, a certidão comprobatória da admissibilidade do processo executivo caracteriza a denominada averbação premonitória, ato a ser realizado na matrícula para o conhecimento de terceiros. É ainda premonitória, pois implica no conhecimento prévio de terceiros sobre o processo de execução em curso. É o caráter premonitório, que define a natureza preventiva e acautelatória da medida, ora, proposta pelo credor/exequente contra o devedor/executado.
Portanto, seja no processo de execução ou outro procedimento ajuizado que culmine com o procedimento executivo, faz com que o interesse do credor na averbação da certidão exarada no artigo 828 do CPC anterior seja um documento hábil e indicativo para terceiros de uma ação em curso que pode ocasionar a penhora, arresto ou mesmo a indisponibilidade do bem. É mais um instrumento obrigatório de publicização dos atos com eficácia erga omnes.
A oponibilidade erga omnes, de modo objetivo, significa que uma pessoa titular de direito real sobre uma coisa, é livre para exercer seu poder sobre esta, cabendo a todos os demais, o dever de respeitar o exercício de tal direito, daí o termo oponível contra todos.
Em decorrência da oponibilidade, a publicidade do direito é indispensável e determinada por lei. Desta feita, a publicidade dos bens imóveis é realizada por meio de registro dos atos perante Cartório de Registro de Imóveis, e a publicidade de bens móveis se dá por meio da tradição. O caráter de publicidade do processo civil não supera a necessidade de averbação das ações e restrições, ônus e outros em relação ao imóvel no respectivo cartório de registro de imóveis e desde a entrada em vigor da Lei de Registros Públicos, em assim o é.