REDES SOCIAIS, E O CRIME DE ATENTADO A DEMOCRACIA

Promover ou patrocinar ato que possa tentar contra democracia, é crime previsto em Lei.

23/08/2022 às 18:10
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Em ano eleitoral de discursos inflamados e eleitores que se comportam como fiéis radicais é importante conhecer dos diplomas legais que tipificam como crime as condutas que tentam contra democracia. As redes sociais não devem dar espaço aos fanáticos.

 

Para os mais desavisados, no ano passado foi aprovada a  Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/2021), já vigente. Nela está previsto que na defesa e respeito ao regime democrático, as autoridades constituídas pela Polícia e o Ministério Público, têm o dever de proteger o Estado Democrático de Direito, de atos que o coloquem em risco.

A Lei além de revogar a antiga Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/1983), acabou por criar no Código Penal uma seção específica para os tipos penais contra o Estado Democrático de Direito, incluindo crimes (i) contra a soberania nacional, (ii) contra as instituições democráticas, (iii) contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral e (iv) contra o funcionamento dos serviços essenciais. Continuam vigentes todos os direitos e garantias fundamentais, como as liberdades de expressão, de opinião e de associação, mas atentar contra a democracia é agora um crime previsto no Código Penal.

A norma é um importante aperfeiçoamento da legislação penal, cuja finalidade é precisamente proteger os bens essenciais de uma sociedade. Por exemplo, não fazia sentido o Código Penal punir o ato de desacatar um funcionário público e, ao mesmo tempo, deixar impune um atentado contra o regime democrático.

Logo com a entrada em vigor da Lei 14.197/2021, é crime todo ato que tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, com pena de reclusão de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência. Vale frisar que o Código Penal pune não apenas a extinção do Estado Democrático de Direito, e sim sua tentativa, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.

O Congresso traçou uma linha nítida. Ações, com emprego de violência ou grave ameaça, para impedir ou restringir o exercício do Legislativo, do Judiciário ou do Executivo não são mera expressão de opinião. Não são gestos políticos aceitáveis. São crimes, a exigir a atuação da polícia e do Ministério Público.

É também crime, com pena prevista de três a seis anos de reclusão, impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral. Essa disposição do Código Penal é muito significativa nos tempos atuais, expressando e reiterando que a paz nas eleições é um bem de grande relevância para a sociedade. A punição não está reservada apenas a quem impedir a votação ou a apuração dos votos, mas também a quem perturbar a eleição.

Corretamente, a Lei 14.197/2021 definiu de antemão que não constitui crime a manifestação crítica aos Poderes constitucionais, assim como a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais. Num país livre, a manifestação política é livre. O importante é, como a nova lei o faz, diferenciar entre o que é crítica e manifestação de pensamento e o que é ameaça, violência ou perturbação do livre funcionamento das instituições democráticas, em especial das eleições.

Nesse ano eleitoral, eu imagino que diariamente você seja bombardeado de Fake News, que além de lhe aborrecer lhe fazem refletir, o que se passa com a pessoa que compartilha determinadas barbaridades?

Procurei me socorrer de Freud, para melhor entender o que se passa nas redes sociais.

Curiosamente, Freud, escrevendo em 1921, na época assustado com o crescimento da propaganda nacionalista (partidos nazifascistas) se debruçou sobre a compreensão das massas, e o efeito da comunicação e de falsos líderes sobre a mente das pessoas, algo bem parecido com o que vemos diariamente em nossas redes sociais.

Freud, em sua obra chamada Psicologia das massas e análise do eu, explica como se dá o poder que provém das grandes massas na sociedade.

Afinal o que leva as pessoas a fazerem parte de uma rede social, ou até de diversas ao mesmo tempo? Com o tempo a segmentação passou a ser o ingrediente maior na estratégia delas para se ajustarem aos diversos gostos, hábitos e faixas de idade, em redes e grupos cada vez mais segmentados, e com comportamento semelhante, na edificação de nítidas bolhas, onde muitos acreditam que o seu universo é o de todos.

As redes viraram plataforma de comunicação que constroem de um dia para outros novos mitos com discurso que unem semelhantes em causas antigas de velhas bandeiras, desatualizadas do contexto mundial, onde muitos se agarram como salvação de suas vidas e do seu país, fazendo que de uma hora pra outra questões que nunca haviam sido vistas como um problema real, ganhem o peso de salvação da lavoura (ficamos no voto impresso como um só exemplo).

Para Freud, algo que cabe feito uma luva nesse momento, onde eleitores por vezes se comportam feito torcedores fanáticos, ou como fiéis radicais que em instante algum param para refletir sobre os seus líderes: A massa é extraordinariamente influenciável e crédula, é acrítica, o improvável não existe para ela. Pensa em imagens que evocam umas às outras associativamente, como no indivíduo em estado de livre devaneio, e que não têm sua coincidência com a realidade medida por uma instância razoável. Os sentimentos da massa são sempre muito simples e muito exaltados. Ela não conhece dúvida nem incerteza. Ela vai prontamente a extremos; a suspeita exteriorizada se transforma de imediato em certeza indiscutível, um germe de antipatia se torna um ódio selvagem.

Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma fala. Para isso veja quantas fantasmas são ressurgem

E assim Como a massa não tem dúvidas quanto ao que é verdadeiro ou falso, e tem consciência da sua enorme força, ela é, ao mesmo tempo, intolerante e crente na autoridade. Ela respeita a força, e deixa-se influenciar apenas moderadamente pela bondade, que para ela é uma espécie de fraqueza. O que exige de seus heróis é fortaleza, até mesmo violência. Quer ser dominada e oprimida, quer temer os seus senhores. No fundo, inteiramente conservadora, tem profunda aversão a todos os progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição. Não é de graça que escolhe exemplos calhordas de seres preconceituosos que vivem as barrotas com frases fortes para denotar sua masculinidade.

Logo novos líderes, quase sempre falsos profetas, unem multidões, catalisadas pelas redes sociais que criam bolhas herméticas em que a reflexão não existe, e abre-se espaço para todo e qualquer devaneio.

Ou seja Freud, quase 100 anos antes já previa as fake News, hoje anabolizadas pelas redes sociais.

Para ele As massas pensam em imagens e de forma muito simplória, sem averiguar as informações, sem consultar as fontes mais confiáveis etc.

Todo esse movimento amplifica os delírios desses mitos, pois com a ditadura da exposição das redes, a verdade perde importância, e todos compartilham para manter-se em evidência nesse sentimento de pertencimento a algum grupo, substituindo velhos ditados, e sábios ditados como penso logo existo, por versões canhestras para os adoradores de falsas notícia, onde o que hoje funciona é o: compartilho logo existo.

E assim durante eleições a até mesmo fora delas, nossas redes sociais nos remetem as velhas novelas, lembrando os inúmeros modismos que em maior ou menor grau as pessoas passaram em sua adolescência, que vai da linguagem comunicacional, quando repetem bordões de novelas e agora de séries até o jeito do cabelo ou de se vestir .A história da humanidade é repleta desses exemplos que onde afinal o homem procura ao longo da vida estabelecer relações sociais com os inúmeros grupos, seja na escola, no trabalho, no clube ou na sua rua, ele é sempre movido pelo sentimento de pertencimento.

As redes sociais estabelecem uma relação de consumo, onde os aplicativos nos fornecem ferramental para divulgarmos nosso conteúdo e interagirmos e recebermos conteúdo de outros, em troca recebem nossos dados e o nosso tempo.

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Tempo e dados essa é a moeda do negócio, claro que para ter mais dados eles precisam de mais tempo seu, assim registram algoritmos que procuram ampliar seu tempo na rede por isso em sua time line, as redes sociais dão preferência aos vídeos, e as publicações de amigos que costumeiramente você curte, logo quanto mais curtidas mais informações sobre o que você gosta e o que tem em comum com a sua rede de amigos.

Ocorre que o que serve a você serve também aos robôs que atrás de perfis falsos, divulgam conteúdo quase sempre, igualmente falso, buscando na construção de mentiras o seu compartilhamento e a sua opinião para dar credibilidade aquela publicação.

Assim ao compartilhar uma notícia falsa, você oferta a sua credibilidade a ela que por sua vez também é compartilhada por seus amigos. Como a quantidade de conteúdo é grande poucos conseguem checar a veracidade daquela notícia ou artigo. Logo ele é compartilhado em outras mídias sociais (WhatsApp, Instagran etc) ganhando força e relevância nos mais diversos grupos.

Por sua vez o algoritmo ao perceber os conteúdos não curtidos por você, não comentados e não compartilhados, vai tirando os mesmos da sua linha de tempo, pois a radicalização do discurso e dos perfis gera um distanciamento virtual que em muitas das vezes muda do plano virtual para o físico e assim a intolerância vai sendo alimentada.

Onde as discussões não se aprofundam e onde procuramos as notícias, e o algoritmo encontra, que reforçam a nossa forma de ver o mundo, pois assim funciona cada dia mais as redes sociais, onde sempre encontramos quem dá vazão e ressonância para as nossas ideias.

Se não encontramos essas pessoas, mudamos de rede social, vamos para aquelas onde raramente ocorre uma discussão como o Instagran onde a preponderância de fotos lindas e maravilhosas dão muito mais curtidas, alimentando o nosso sentimento de pertencimento.

E assim de mão dadas pertencimento e intransigência digital são o fermento para relações líquidas, explosivas e em boa parte das vezes rasas.

Em Psicologia das massas e análise do eu, Freud afirma que o indivíduo submete sua peculiaridade à massa e se deixa sugerir por outros, e acrescenta que sente a necessidade de estar com eles e não de se opor a eles, talvez por amor deles.

No geral as redes sociais parecem ser um ambiente biliático, onde o cérebro dá lugar a bílis. Reflete-se pouco, e com dedos rápidos disparam crimes atrás de crimes.

É preciso reinventar-se a internet, que cria a cada dia que passa freios, visto por alguns como censura, para aumentar a credibilidade das informações que circulam na rede. Afinal, se as redes perderem a totalidade de sua credibilidade, o que restará como forma de comunicação no futuro?

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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