O direito do consumidor passou por grandes alterações recentemente com a Lei n. 14.181/2021 que alterou o Código de Defesa do Consumidor, que trouxe a figura do superendividado, garantindo uma forma de recolocação do consumidor no mercado de consumo, com a possibilidade de uma renegociação de suas dívidas.
Antes de entrar no mérito do texto, importante definir quem estará em situação de superendividamento de acordo com o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 54-A, § 1°:
Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.[1] (grifo nosso).
A Lei 14.181/2021 foi criada para estabelecer formas diferenciadas de pagamento do débito do consumidor de boa-fé que possui um passivo acima do seu ativo e que não consegue sair da chamada bola de neve das dívidas, em especial nos casos mais comuns que envolve cartão de crédito e cheque especial os maiores vilões dos brasileiros.
O tratamento do superendividado foi uma válvula de escape para aquele consumidor que quer solucionar a sua vida financeira e se reestruturar para voltar a ter o crédito na praça. Sabe-se que muitas dessas situações, são causadas por fatores que fogem da normalidade, principalmente no período pós-pandemia do Covid-19 em que houve um elevado número de demissões, divórcios e falecimentos.
São situações, em muitos casos, geradoras de altos gastos e cortes de receitas que pega o consumidor de surpresa e em muitos casos despreparado e desorganizado financeiramente.
Parecia que a legislação caminhava para uma solução legal, mas essa solução foi alterada recentemente, dificultando a vida do consumidor que no dia 26/07/2022, sofreu um duro golpe, com a publicação do Decreto n. 11.150/2022 que determinou o mínimo existencial para fins de acordos/conciliações dos superendividados.
O Decreto n. 11.150/2022 no seu art. 3 ° assim dispõe:
No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto.[2] (grifo nosso).
Ficou determinado de acordo com o Decreto n. 11.150/2022 que será considerado mínimo existencial o valor de R$ 303,00 (trezentos e três reais). Uma total violação do que é a visão de mínimo existencial, que deveria se pautado no princípio da dignidade da pessoa humana previsto no art. 1°, Inciso III da Constituição Federal de 1988.[3]
Como será possível renegociar as dívidas e garantir o que prevê o art. 6° da Constituição Federal? Veja-se:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.[4] (grifo nosso).
Que de acordo com a moderna doutrina é o considerado o mínimo para uma vida digna, sendo garantias vitais para o ser humano.
Difícil para o consumidor, o que parecia ser a solução para o restabelecimento de seu crédito, respirar, diminuir os problemas de saúde que o superendividamento gera na vida do consumidor, virou algo quase impossível de ser sustentado para um consumidor que recebe salário mínimo e que busca renegociar suas dívidas e garantir o sustento de sua família.
É preciso lutar para que esse valor seja alterado, e que a sua aplicação seja revista com base no que realmente é o mínimo existencial para o cidadão brasileiro. Somente assim, será possível que o tratamento do superendividamento não fique apenas no papel, mas passe a ser um direito que garanta uma forma de restruturação das famílias e do cidadão de boa-fé que por fatores inesperados encontra-se hoje superendividado e que sonha com a sua reinserção no mercado de consumo, mas sem tirar o sustento de sua família.
Referências:
[1] BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm >. Acesso em: 20 ago. 2022.
[2] BRASIL. Decreto nº 11.150, de 26 de julho de 2022. Dispõe sobre a preservação e o não comprometimento do mínimo existencial para fins de prevenção, tratamento e conciliação de situações de superendividamento em dívidas de consumo, nos termos do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: < 2022/2022/decreto/D11150.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%2011.150%2C%20DE%2026%20DE%20JULHO%20DE%202022&text=Regulamenta%20a%20preserva%C3%A7%C3%A3o%20e%20o,C%C3%B3digo%20de%20Defesa%20do%20Consumidor. >. Acesso em: 20 ago. 2022.
[3] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
[4] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 ago. 2022.