A lei de crimes hediondos nos dias de hoje

01/09/2022 às 16:59
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Comentários sobre as alterações da Lei de Crimes Hediondos

Embora sua existência já acumule alguns anos no ordenamento jurídico brasileiro, esta lei passou a atrair novamente o foco das atenções após uma considerável alteração legislativa denominada Pacote Anticrime, que impende algumas observações para os operadores do Direito Criminal, estudantes e até mesmo para o público em geral, principalmente pela inclusão no rol taxativo de alguns delitos na “lista negra”, dos crimes que causam maior repugnância e comoção, repulsa e reprovação social.

Como dito, a expressão hediondo em apertada síntese significa aquilo que causa repugnância, repulsa, indignação moral pelo seu caráter ignóbil da ação voluntária praticada por um ser humano. Nesse diapasão e com fulcro exclusivo de conter o avanço dos crimes perpetrados no país, ao longo da década de 80, após a inserção do “crack” como causador do maior abismo social, amplamente difundido na sociedade, surge então a necessidade de um recrudescimento das figuras típicas que impeliam do Estado maior repressão.

Assim, através do mandamento Constitucional de criminalização, na espécie do artigo 5º XLIII, restou estabelecido que a determinados ilícitos penais, haveria tratamento jurídico-penal adequado à especificidade, tanto em face da reprimenda quanto à concessão de benefícios de ordem executiva e executória.

Com isto, frisa-se que a Constituição Federal emanou mandamento no sentido de declarar por equiparação três espécies de ilícitos penais que devem receber tratamento jurídico nos exatos termos dos crimes hediondos, são eles o Tráfico de Drogas, o Terrorismo e a prática de Tortura.

Ademais, estabeleceu que seriam alguns delitos estabelecidos no Código Penal que deveriam ser eleitos e elencados em rol estritamente taxativo com a rotulação de hediondos. Assim foi feito com o surgimento da Lei 8072/1990, contudo após a entrada em vigor da Lei 13694/2019 – denominada de Pacote Anticrime, surgem novos ilícitos penais existentes no ordenamento jurídico esparso e no próprio diploma criminal que passa a integrar a chamada “lista negra” dos crimes hediondos.

Para tais figuras, por não surgirem essencialmente do codex criminal, podemos dizer não serem de cunho originário ao mandamento constitucional, não há pecado nenhum classificarmos de delitos equiparados a hediondos por derivação.

Dessa forma passamos então a deixar estabelecido que no Brasil, o critério para escolha e classificação dos crimes hediondos se dá pelo chamado critério Legal e enumerativo. Não se permite que o juiz estabeleça qualquer outro fato típico ou figura agravadora ao crime praticado, como hediondo. De igual sorte não se pode atribui o condão nem de critério judicial e nem de critério misto, sendo estritamente LEGAL e TAXATIVO.

De acordo com o Texto Constitucional “in verbis”:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;  

Como se pode depreender, a partir do mandamento constitucional, surge a Lei de Crimes Hediondos que em seu artigo primeiro determina os tipos penais rotulados de hediondos, nos termos legais, aos quais passaremos a explorá-los nas suas especificidades.

Entretanto, importante se faz observar as questões jurisprudenciais que tanto foram combatidas e combalidas para se chegar ao momento de relativa pacificação que encontramos nos dias de hoje.

A primeira questão é atinente à possibilidade de aplicação da inafiançabilidade, tal qual não suscetibilidade de anistia, indulto e de graça. Dessa forma, de pronto imaginar que do dia do surgimento do texto legislativo, já chovera recursos e medidas constitucionais com objetivo de impedir a execução de tais medidas drásticas ao apenado.

Contudo, os tribunais superiores firmaram entendimentos que, grosso modo, estampam o caráter teleológico da nominada legislação, qual seja, o real recrudescimento do caráter repressivo e social de sua vigência. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, ao debruçar sobre tais temas, a suprema corte glosou entendimentos consonantes, tais como segue, a exemplo,  manifestação do Ministro Cezar Peluso,  relator do HC 81.810-SP, que combatia indeferimento de indulto natalino ao réu, assim exarou seguinte entendimento:

“pelo fato de não existir a vedação expressa ou inferida na Lei Maior à concessão de indulto a condenados pela prática de crime hediondo, não se pode cogitar a inconstitucionalidade das normas incidentes no caso”. HC 81.810-SP.

Questionamentos outros com destaque ao regime de cumprimento de pena, progressão de regime e concessão de sursis, os tribunais superiores firmaram entendimento adstrito ao Texto Constitucional, antes mesmo da alteração legal imposta pelo Pacote Anticrime, no sentido de declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º§2º por entender constrangimento ilegal, o cumprimento de pena em regime fechado integral.

O que se tem hoje com relação ao modelo inicial de cumprimento de pena, leia-se, tipo de regime, o pleno do STF, firmou entendimento ao julgar o Habeas Corpus 111.840 do Estado do Espírito Santo, que por colidir e afrontar o princípio Constitucional da Individualização das Penas, materializado no inciso XLVI do artigo 5º da Carta Política deva ser deveras precedido de inconstitucionalidade.

Devemos entender que baluarte da regulação de aplicação de penas no Brasil, em total obediência aos tratados de direito internacional ratificados pelo país, poderoso e soberano é o inciso XLVI em referência, pois determina:

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

Para que se consagre a devida aplicação de pena após criterioso juízo de ponderação e subsunção legal, dosimétrica e sobretudo justa, o código penal brasileiro estabelece em seu artigo 59 os critérios que devem ser adotados pelo juiz, quais sejam as circunstâncias judiciais, ainda existem mais duas fases da dosimetria, que após amplamente defendida e sustentado por Nelson Hungria durante a Reforma do Código Penal em 1984, restou estabelecido no artigo 68 o sistema trifásico de aplicação.

Não custa lembrar as palavras do eminente Ministro FELIX FISCHER, quando relator do HC n. 304.083/PR, Quinta Turma STJ, DJe 12/3/2015).

“A exasperação da pena-base deve estar fundamentada em dados concretos extraídos da conduta imputada ao acusado, os quais devem desbordar dos elementos próprios do tipo penal. - A ponderação das circunstâncias judiciais não constitui mera operação aritmética, em que se atribuem pesos absolutos a cada uma delas, mas sim exercício de discricionariedade vinculada, devendo o Direito pautar-se pelo princípio da proporcionalidade e, também, pelo elementar senso de justiça”.

Na  dosimetria penal, resta estabelecido que na primeira fase estão as circunstâncias judiciais que norteiam a determinação da pena base; já na segunda fase estão presentes as circunstâncias legais genéricas, espaçadas pelos artigos 61, 62, 65 e 66 do C.P., denominadas de atenuantes e agravantes que possibilitam a estabelecer uma pena provisória; por derradeira fase têm-se a análise da causas especiais que aumentam ou diminuem a pena, chamadas de majorantes ou atenuantes, que por fim permitem a determinação pelo juiz da pena em definitivo.

  Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime

        I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

        II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

        III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

        IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Ocorre que tal juízo não se basta por regular tabela sistêmica, quando a aplicação do direito de maneira a alcançar a justa reprimenda ao caso concreto, é muito mais ampla, contudo em respeito ao padrão legal estabelecido. É o que se denomina “arbitrium regulatum” [MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. Campinas: Millennium, 1999. Volume III.].

 Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

Desse modo, assertiva a posição do STF ao decidir pela não aplicabilidade do início de cumprimento de pena em regime fechado.

No tocante à progressão de regime, em que pese manifestação sumular de cunho obrigatório, SÚMULA VINCULANTE 26, antes do aperfeiçoamento da legislação penal e processual penal com o chamado Pacote Anticrime - Lei 13.694/2019, já se refutava a impossibilidade de progressão, contudo, a “novatio legis”, trouxe especificamente critérios de progressão, ao alterar o artigo 112 da Lei 7210/84 Lei de Execuções Penais, senão vejamos:

“Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

I - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;

IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

VI - 50% (cinqüenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou

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c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

Podemos fazer uma representação gráfica para facilitar o entendimento didático:

Criminoso Primário = 40%

Criminoso Reincidente = 50%

Criminoso Primário+Crime Resultado MORTE= 60%

Criminoso Reincidente+Crime com Resultado Morte = 70%

Comandante ORCRIM prática Crime Hediondo = 50%

Prática de Milícia Privada = 50%

Em todos os casos> COMPROVADA – Diretor CDP – BOA CONDUTA CARCERÁRIA

Quanto à possibilidade de concessão de livramento condicional, houve a fixação de necessidade de cumprimento de dois terços das penas em reincidência específica e também,  os únicos óbices legais que terminantemente impedem a concessão do benefício, ainda que presentes os requisitos objetivos e subjetivos do Código Penal, artigos 83 e seguintes, bem como da Lei de Execução Penal, a partir do artigo 131, são:

Se o condenado, sendo primário ou reincidente, praticou crime hediondo ou equiparado, com resultado MORTE. Em ambas as condições, se houver a morte, será vedada por determinação Legal a concessão de livramento condicional.

Artigo 112 – LEI 7.210/84 – LEI DE EXECUÇÃO PENAL.

VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

VI - 50% (cinqüenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

Com relação ao Crime Equiparado a hediondo - Tráfico de Drogas- privilegiado, foi abolida a sua hediondez com o Pacote Anticrime, com inserção na Lei de Execução Penal, ao dispor:

§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

Para refrescar a memória, o Tráfico de Drogas Privilegiado (artigo 33º §4º Lei 11.343/06):

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.    

Não houve nenhuma alteração legislativa que impeça o juiz quanto à concessão de Sursis penal sobre os crimes hediondos. E é possível o réu apelar em liberdade, em caso de sentença condenatória, por decisão fundamentada do juiz, conforme disposição do artigo 2º § 3º da Lei 8.072/90.

Dos crimes em espécie:

Preliminarmente, cumpre esclarecer que responde o agente que realizou o núcleo do tipo penal, bem como o mandante ou quem podia evitar, se omitiu. De igual sorte, não há afastamento da “qualidade de hediondo” para os consumados ou tentados.

O primeiro delito que requer severa atenção, se refere ao Homicídio na modalidade simples, que passou a ser hediondo quando praticado por associação criminosa (antiga quadrilha ou bando – artigo 288 CP) especializada em assassinatos, é dizer nos ditames legais, em atividade típica de grupo de extermínio, nesta condição específica, ainda que praticado por um só agente, tendo somente uma vítima, incide a condição especial de crime hediondo.

Quanto ao crime de homicídio com a incidência de qualificadoras, todos os exemplos são tidos como hediondos. A única ressalva que devemos observar, é no que tange ao delito de homicídio privilegiado qualificado. É o que se registra no parágrafo primeiro do artigo 121, senão vejamos:

 § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Nesse sentido: HC 36317/RJ - PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, §§ 1º E 2º, INCISOS III E IV, DO CÓDIGO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. CRIME HEDIONDO. Por incompatibilidade axiológica e por falta de previsão legal, o homicídio qualificado-privilegiado não integra o rol dos denominados crimes hediondos (Precedentes). Writ concedido.

Abaixo, elenco as qualificadoras que incidem no delito de Homicídio, sendo todas configuradoras de hediondez.

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino

VII - contra autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federalintegrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consangüíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.

VIII - com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido:         

IX - contra menor de 14 (quatorze) anos

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.  

LESÃO CORPORAL

Somente em razão das qualidades especiais de agentes de segurança e militares, seus parentes até 3º grau, casos de lesão gravíssima ou seguida de morte aos sujeitos passivos do delito.

Artigo1º I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consangüíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.

ROUBO

Decidiu-se atribuir o termo CIRCUNSTANCIADO, que é o qualificado por uma circunstância inserida pela nova lei no capitulo do roubo, quais sejam,

 a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima;

b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito.

Atribui-se a denominação roubo circunstanciado porque o legislador entendeu inserir causa de aumento de pena e não pena autônoma, como fez com a hipótese seguinte ao estabelecer mais uma qualificadora do roubo, sendo aquela que tem como resultado a lesão corporal grave ou a morte.

c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte.

Sobre a extorsão, restou estritamente as qualificadas pela restrição da liberdade da vítima sendo este o mecanismo necessário para a obtenção da vantagem econômica, ou pela ocorrência de lesão corporal ou morte. Enquanto para a extorsão mediante seqüestro, tanto a simples como nas formas qualificadas, a todas são atribuídos o caráter de hediondo.

Extorsão

Art. 158 C.P. - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:

§ 3o  Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2o e 3o, respectivamente.  

Extorsão mediante seqüestro

Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:                 

§ 1o Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha...        

§ 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave...

§ 3º - Se resulta a morte...

Importante acrescentar que a Lei de Crimes Hediondos, especificamente nos crimes de extorsão mediante seqüestro, visando restabelecer a liberdade da vítima, dispôs como medida de estimular os autores em co-autoria, para que denunciem o seqüestro e facilite a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terço, nos termos do §4º do Artigo 159 CP.

No mesmo sentido, pensou o legislador ao possibilitar ao associado ou participante de associação criminosa, que ao denunciar possibilite o desmantelamento de tal, terá pena reduzida também de um a dois terços. Conforme preconiza o parágrafo único do artigo 8º da Lei de Crimes Hediondos.

Estupro e Estupro de Vulnerável

Todas as condutas de estupro, simples ou qualificado e todas as formas de estupro de vulnerável configuram crime hediondo.

Estupro

Art. 213, CP. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

§ 2o Se da conduta resulta morte:

Estupro de vulnerável

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave;

§ 4º Se da conduta resulta morte:

§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.

Epidemia

Somente será hediondo se a propagação de germes patogênicos produzir resultado morte, nos termos do artigo 267, § 1º Código Penal.

Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais

Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

O grande ponto chave que merece atenção se refere aos insumos farmacêuticos, cosméticos, saneantes e de uso de diagnósticos, tais como cremes, xampus, bases, etc,  conforme segue:

§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

Favorecimento à prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável

Importante observação que se faz que com o advento da chamada Lei da Xuxa, a Lei 12.978/2014, este delito passou a figurar no rol dos crimes hediondos, onde se pune exige devida austeridade e tratamento de crime hediondo para as seguintes condutas:

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

§ 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

§ 2º Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;

II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.

Furto

O delito de furto somente será considerado hediondo se utilizado como meio de cometimento, o emprego de explosivos ou artefato análogo, desde que cause perigo comum, nos termos do artigo 155 §4º - A Código Penal.

        § 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.  

Por fim, abordaremos os delitos equiparados a hediondo por derivação, assim denominei por terem surgido posterior e não integrarem o código penal brasileiro mas sim legislações extravagantes. Assim, nos termos da Lei 13.964/19, consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:    

 I - o crime de genocídio, previsto nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956;       

II - o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

III - o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

IV - o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

V - o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado.

Vejam que o delito de posse ou porte de ilegal de arma de fogo somente será classificado como hediondo, quando tratar-se de arma cuja classificação legal se enquadra em PROIBIDO, excetuam-se dessa regra, no entanto as armas de cunho permitido e restrito.

Valemos de uma opinião que aquilo que deva configurar arma de fogo proibida é todo artefato que ostente potencial lesivo e perigo comum cuja aparência seja dissimulada de arma de fogo.

Quanto aos núcleos do tipo tipificado no artigo 2º da Lei 12.850/13, promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, somente haverá enquadramento de equiparação ao crime hediondo quando tal empreitada se der visando à prática de crimes hediondos ou equiparados.

Art. 2º, Lei n. 12.850/13. Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

Por derradeiro, a presente lei de crimes hediondos ainda apresenta algumas características importantes a saber na mesma esteira do tratamento da organização criminosa, também houve recrudescimento da conduta de associação criminosa para a prática de crimes hediondos ou equiparados, mesmo por derivação legal, ao passo que o delito na espécie simples possui mandamento de penalização de reclusão de 1 a 3 anos, a associação criminosa qualificada, possui penas de 3 a 6 anos.

Quanto à prisão temporária, todos os delitos cuja rotulação se dá em crimes hediondos ou equiparados receberam extensão temporal com prazo de 30 dias prorrogável por igual período. Desde que extrema e comprovada necessidade.

Por fim, importante saber que foi através da Lei de Crimes Hediondos que se tornou possível a transferência de presos de alta periculosidade dos sistemas prisionais estaduais para estabelecimento prisional mantido pela União.

Art. 3º A União manterá estabelecimentos penais, de segurança máxima, destinados ao cumprimento de penas impostas a condenados de alta periculosidade, cuja permanência em presídios estaduais ponha em risco a ordem ou incolumidade pública.

REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2007.

JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal: parte geral. Trad. por Miguel Olmedo Cardenete. 5. ed. Granada: Comares editorial, 2002.

LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955. vol. II. Volume II. 

MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. Campinas: Millennium, 1999. Volume III. 

NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Trad. por Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Renavan, 1991.

PIEDADE, Antonio Sérgio Cordeiro. Individualização da pena. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Penal. Christiano Jorge Santos (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/427/edicao-1/individualizacao-da-pena

Sobre o autor
José Gustavo Marques

Ingressou nos quadros da Polícia Civil do Estado de São Paulo em 2006 na carreira de Agente de Telecomunicações Policial sendo posteriormente investido em outro cargo da Polícia Civil, admitido em concurso público para a carreira de Investigador de Polícia. Trabalhou na Delegacia Especializada sobre Extorsões Mediante Sequestro DEAS, onde teve atuações nobres. Passou pelo Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, também pela Delegacia de Polícia do Município de Arujá, exerceu suas funções na Delegacia Geral de Polícia - na Proteção VIP do Delegado Geral de Polícia do ano de 2013 até janeiro de 2015. Atualmente exerce suas funções no Departamento de capturas e delegacias especializadas DECADE, na Divisão de Atendimento ao Turista - DEATUR, terceira Delegacia de Polícia - AEROPORTO INTERNACIONAL DE GUARULHOS. Policial cadastrado para atuação em Grandes Eventos, em razão disso, ministrou palestras para policiais estadual sobre os aspectos técnicos da Abordagem Policial em grandes eventos. Durante os jogos da Copa do Mundo de Futebol - FIFA, executou operações de proteção pessoal do Chefe da Polícia Civil de São Paulo - Delegado Geral de Polícia. Possui graduação - Centro Universitário Metropolitano de São Paulo - Faculdades Integradas de Guarulhos (2010) - UNIMESP/FIG e PÓS-GRADUAÇÃO - ESPECIALIZAÇÃO pelo NÚCLEO DE ESTUDOS SUPERIORES DA POLÍCIA CIVIL - onde defendeu Tese sobre o CONTROLE DE ARMAS NO BRASIL, tendo sido aprovado com nota 95,00, e sua obra recomendada para publicação institucional. Ademais, participou da elaboração de relatório técnico sobre aquisição de armas munições e equipamentos pela Polícia de São Paulo. Atualmente é Professor de Armamento e Tiro da Academia de Polícia Civil de São Paulo e Investigador de Polícia do Governo do Estado de São Paulo. Tem formação acadêmica em Direito, com ênfase em Direito Público. Instrutor de ARMAMENTO e TIRO credenciado pelo SETOR DE ARMAMENTO E TIRO - SAT\IAT - SINARM\DPF. Explosivos - Cabo de Fogo - BLÁSTER - certificado registro n. 214-2014. Na área acadêmica, exerce seu magistério no âmbito da Academia de Polícia, onde participa da formação de todas as carreira policiais, como Investigadores,Peritos, Médicos e Delegados de Polícia, além de participar durante a formação complementar dos policiais civis de São Paulo ministrando cursos de capacitação em armas específicas, explosivos, técnicas e táticas policiais. Participou ativamente da segurança VIP do membro da família Real Inglesa - Príncipe Richard, Duque de Gloucester, quando da sua vinda ao Brasil no dia 25 de maio de 2015.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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