Questiona-se a atual função dos tribunais dentro do âmbito do Estado Democrático de Direito onde também se investiga a missão desempenhada pelo Poder Judiciário servindo como principal instrumento de efetiva realização de princípios positivados na Magna Carta e nas políticas públicas.
Torna-se observável a variação e a dinâmica residente na relação entre os Poderes constituídos havendo o deslocamento de tensão do poder político para o poder judiciário, e ainda as severas críticas ao ativismo judicial.
Expõem-se os principais argumentos e fundamentos das correntes procedimentalista e substancialista, abordando suas discrepâncias e limites impostos por cada tese e abordando as dimensões do Direito, enquanto ciência e práxis, bem como assinalar as questões atinentes à jurisdição constitucional.
Enfim, a oposição entre esses dois eixos nos faz compreender a dimensão do conflito do direito e sua crise em que faz algum sentido na contemporaneidade.
Realmente ainda sob os influxos da Segunda Grande Guerra Mundial e com o estabelecimento e desenvolvimento do constitucionalismo pós-guerra, a estrutura normativa e ainda a missão do Poder Judiciário tornaram-se progressivamente o objeto de estudo das mais diversas áreas do conhecimento humano. Há a necessidade de se entender a nova atribuição do Judiciário em face da valoração do jurídico decorrente da noção do Estado Democrático de Direito.
Dentro deste cenário, a materialização de fato, dos direitos fundamentais, ainda contidos no conteúdo material das Constituições e estão linkados com tal noção de Estado. O Judiciário assume a atribuição de ser instrumento de ação do Estado com o fito principal de alcançar as pretensões elencadas no texto constitucional.
Foi com o advento da democracia após a Segunda Guerra Mundial, surgiram as Constituições que amparam, positivam e ainda institucionalizaram os direitos sociais e fundamentais, o que vem a redefinir a relação existente entre os três poderes do Estado, de modo que o Judiciário também passa a atuar na área política.
Em nossa pátria, a mais alta corte judicial, o Supremo Tribunal Federal passou a desempenhar função proativa na tomada de decisões que incluem assuntos de vasto alcance e interesse política, e tal função, a priori era atribuída dos Poderes Legislativo e Executivo.
O dinâmico deslocamento da tensão dos procedimentos políticos para os judiciais e, o poder judiciário passa a ser uma opção e uma esperança de resgate e concretização de promessas não cumpridas da modernidade Diante tal cenária surgiram teses objetivando elucidar questionamentos acerca das dimensões processual e a dimensão substantiva do direito e qual destas há de prevalecer e ser privilegiada diante de circunstâncias e necessidades atuais da sociedade contemporânea.
As teorias procedimentalista e a substancialista que, nos países em eterno desenvolvimento, tal como o nosso país, o debate ainda se desdobra com ênfase na atuação do Poder Judiciário atuando como legítimo representante legítimo para cumprir efetivamente princípios constitucionais, preencher lacunas das etapas anteriores como as promessas da modernidade, e ainda, intervir na realização de políticas públicas.
O atual cenário brasileiro que se apresenta e surgem novas formas de compreensão e atribuições do Poder Legislativo diante das necessidades de efetivação dos valores dos conteúdos materiais da Constituição.
E, com a inércia dá-se o deslocamento da esfera de tensão que coloca o Judiciário como protagonista na busca do cumprimento dos direitos sociais e fundamentais e das promessas não exitosas da modernidade. Atentando para a lógica dos poderes recebe nova interpretação por vários doutrinadores. Pois por um lado, os que defendem a legitimidade do Poder Judiciário em realizar princípios e valores positivos no texto constitucional e, de outro lado, há os que acreditam que o referido fenômeno rotineiramente existente enfraquece e põe em risco a divisão dos poderes e as atribuições clássicas da atuação do Judiciário.
Entre as preocupações contemporâneas há a que enfatiza o ativismo judicial conforme bem lecionou Luís Roberto Barroso, in litteris: "O ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva".
O acentuado protagonismo do Poder Judiciário vem despertando, não só no Brasil, um conjunto de pesquisas que buscam a explicação desse fenômeno. Nesse sentido, a formação de uma juristocracia (ou judiciariocracia) chamemos assim a esse fenômeno não pode ser analisada como uma consequência exclusiva da vontade de poder (no sentido da Wille zur Macht, de Nietzsche) manifestada pelos juízes, mas, ao mesmo tempo, deve-se levar em consideração a intrincada relação interinstitucional entre os três poderes. Em síntese, todas essas questões apontam para um acentuado protagonismo do Poder Judiciário no contexto político atual.
Nos termos propostos Ran Hirschl (Towards Juristocracy: The Origins and Consequences of the New Constitucionalism), pode-se dizer, transportando a discussão para terrae brasilis, que nosso grau de judicialização atingiu a mega política (ou, a política pura, como o autor gosta de mencionar). Por certo que este fenômeno não é uma exclusividade brasileira.
Há certa expansão do Poder Judiciário a acontecer, em maior ou menor grau, no cenário mundial. O próprio Hirschl apresenta situações nas quais as decisões, tradicionalmente tomadas pelos meios políticos, acabaram judicializadas, como no caso da eleição norte-americana envolvendo George W. Bush e Al Gore; a decisão do Tribunal Constitucional Alemão sobre o papel da Alemanha na Comunidade Europeia, e o caráter federativo do Canadá.
A intensidade da judicialização da política (ou de outras dimensões das relações sociais) é a contradição secundária do problema. A grande questão não é o quanto de judicialização, mas como as questões judicializadas devem ser decididas. Aqui está o busílis. Este é o tipo de controle que deve ser exercido. A Constituição é o alfa e o ômega da ordem jurídica. Ela oferece os marcos que devem pautar as decisões da comunidade política.
Há um conjunto de obras que tratam da judicialização no Brasil e daquilo que pode ser considerada a sua vulgata, o ativismo judicial. Nestas e cito (Jurisdição e Ativismo Judicial, Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais e Levando o Direito a Sério são algumas) há uma forte acusação ao protagonismo judicial. Referidas pesquisas e reflexões apontam para o perigo que o ativismo judicial representa para a representação política, até porque uma ofensa à Constituição por parte do Poder Judiciário sempre é mais gravosa do que qualquer outra desferida por qualquer dos outros Poderes, porque é ao Judiciário que cabe sua guarda.
Afinal, qual é o conceito de ativismo? Antes de tudo, é necessário dizer que a simples declaração de uma inconstitucionalidade não quer dizer ativismo ou não ativismo. O controle de constitucionalidade é justamente a função precípua e democrática de uma corte constitucional. Logo, número de Ações contra ou a favor não permite epitetar um tribunal de ativista (ou antiativista). Podem ser elementos que apontam algo. Mas não tudo. Aliás, por vezes os números escondem e não desvelam...
Em muitos livros doutrinários no Brasil, ambos ativismo e judicialização são tratados de forma idêntica. Por exemplo, é bom lembrar que o fato de existirem, no STF, mais demandas indeferidas que as que foram deferidas se deve também ao enorme contingente de legitimados. Grande parcela de ações que tratam de questões constitucionais são fadadas ao fracasso ab ovo, por falta de requisitos formais. Isso não diminui o grau de ativismo.
Dizer, por exemplo, que o STF reforça a vontade majoritária do Poder Legislativo pode ser um enunciado que sofre de anemia significativa. Será que, como sustenta, por exemplo, Thamy Pogrebinschi, 14% de ações consideradas procedentes de uma produção legislativa de 21 anos é efetivamente pouco? Qual é o critério para o "pouco ou muito? Não quero jogar com esses dados. Mas não afirmaria, tabula rasa, que tais números representa(ri)am um reforço do Legislativo.
Torna-se indispensável distinguir, porém, a noção de ativismo judicial da de judicialização, pois, apesar de serem do mesmo campo, não significam a mesma coisa, nem tampouco podem ser confundidas. E, o Ministro Barroso explica que a judicialização e o ativismo judicial são primos, portanto, são da mesma família, frequentam os mesmos ambientes e debatem os mesmas temas, no entanto, não possuem as mesmas origens. E, nem são gerados pelas mesmas causas imediatas.
Em tempo, é curial, focalizar que a judicialização dentro do contexto pátrio é uma circunstância decorrente do modelo constitucional que se adotou e, não um exercício deliberado de vontade política. E, em todos os casos acima citados, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. E, se a norma constitucional permite que desta se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe desta conhecer, decidindo a matéria.
A noção de ativismo judicial está ligada a participação mais intensa e ampla do Judiciário na materialização de vetores e fins constitucionais, com maior interferência dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.
A postura ativista se manifesta por diferentes condutas, que incluem: a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente abrangidas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com fulcro em critérios menos rigorosos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente quanto às políticas públicas.
Esse novo papel do Judiciário é fruto de inúmeras situações em que este intervém por ausência de atitude ou por omissão frequentes dos outros poderes originariamente incumbidos. E, embora a corrente procedimentalista tanto como a substancialista reconheçam que o Judiciário se apresenta como um meio das Constituições após a Segunda Guerra Mundial, estas possuem grandes divergências que devem ser elencadas e consideradas.
A tese procedimentalista lastreia-se na prioridade e proteção do procedimento democrático. E, assim reforça o papel instrumental da Constituição de forma que esta seria a garantia de instrumentos de participação democrática, bem como reguladora do procedimento de tomada de decisões.
Para os procedimentalista, o Judiciário assume o papel apenas de assegurar o cumprimento e a observância deste processo e dos valores substantivos não se dirigem ao processo em si, ocupando um lugar secundário. E, assim, a fundamentação de tal corrente reside em desvincular totalmente os procedimentos de conteúdo axiológico.
Segundo André Ramos Tavares, sobre o procedimento, e segundo a tese procedimentalista o texto constitucional está despido de derivações valorativas. E, assim, não possui qualquer conteúdo ideológico, predisposição ao humano, ao social ou ao econômico. E, sua preocupação central seria somente fixar os procedimentos formais de composição de interesses, quaisquer que fossem estes.
Um dos maiores procedimentalistas é Habermas ao expor sua crítica à invasão, por meio do direito, da sociedade e da política, defendendo a máxima imparcialidade do julgador ao aplicar o direito. Habermas informa que o procedimentalismo seria superação dos modelos liberal e do Estado Social de modo que o paradigma procedimentalista procura proteger, antes de tudo, as condições do procedimento democrático.
E, tal ligação ao procedimento democrático acarreta que há temas que poderão ser debatidos no plano público político, pressupondo, no entanto, que exista a concordância e o cumprimento da opinião pública, por parte do Poder Legislativo e Executivo. Habermas crê que o procedimentalismo seria a conciliação entre a soberania do povo institucionalizada juridicamente e, não institucionalizada, reciprocamente.
O paradigma procedimental do direito orienta o olhar do legislador para as condições de mobilização do direito. Quando a diferenciação social é grande e há ruptura entre o nível de conhecimento e a consciência de grupos virtualmente ameaçados, impõem-se medidas que podem capacitar os indivíduos a formar interesses, a tematizá-los na comunidade e a introduzi-los no processo de decisão do Estado.
Entre os procedimentalistas há os que defendem a ideia de dependência do direito a uma fundamentação moral de princípios, caracterizando a tese como crítica ao positivismo jurídico. E, assim, Habermas argumenta que somente as teorias da justiça e da moral calcadas no procedimento podem acarretar na imparcialidade para a fundamentação e a avaliação dos princípios dentro de um processo.
Tem como objetivo a institucionalização através da definição de procedimentos, dos processos de decisão jurídica que propõem debates sobre os princípios políticos ou morais, positivados ou não. E, defende o argumento de que para se determinar a validade das normas, seja estas constitucionais ou não, é preciso de um procedimento, se apresentando como ponto de vista relacionado às questões de justiça. Wernneck, utilizando os ensinamentos de Garapon acerca do eixo procedimentalista, ensina: "O Judiciário tem avançado sobre o campo da política onde prosperam o individualismo absoluto, a dessacralização da natureza simbólica das leis e
da ideia de justiça, a deslegitimação da comunidade política como palco da vontade geral, a depreciação da comunidade política como palco da vontade geral, a depreciação da autonomia cidadã e a sua substituição pela emergência do cidadão-cliente e do cidadão-vítima, com seus clamores por proteção e tutela, a racionalidade incriminadora e, afinal, o recrudescimento dos mecanismos pré-modernos de repressão e de manutenção da ordem.
O eixo substancialista enfatiza um contraponto. Os substancialistas enxergam a Constituição não é apenas e tão somente garantia de acesso aos mecanismos de participação democrática. Deve haver uma complementariedade ao procedimento como teoria dos direitos e valores substantivos.
O substancialismo tem respaldo relevante em nome como Lenio Luis Streck. A corrente substancialista, tenta mais do que harmonizar os demais Poderes, o Judiciário deveria assumir o papel de intérprete que põe em destaque, inclusive, contra eventuais maiorias, a vontade geral, implícita ou explícita do direito positivo, especialmente, nos textos constitucionais e, ainda, nos princípios selecionados como de valor permanente na sua cultura de origem e na do Ocidente.
Colocando em xeque o princípio da maioria que é o fundante da comunidade política. E, nesse contexto, é possível afirmar que o substancialismo muito se aproxima do constitucionalismo-dirigente.