Prezada Janyffer Manieire,
Há dois problemas nos fatos narrados por você, o primeiro dos quais, isto é, aquele da goteira, é mais simples. Você tem direito a um imóvel que abrigue você e sua família das chuvas. Se o locador não provê isso, falta com o dever inscrito no art. 22, inciso I, da Lei do Inquilinato, e isso pode e deve ser discutido em juízo. O segundo problema, que é o seu filho autista não suportar o barulho dos cães, já demanda uma análise mais profunda.
A meu ver, não há respostas prontas para esse caso. Poderíamos dizer, num primeiro momento, que os "pacta sunt servanda", ou seja, que os contratos têm que ser cumpridos. Como você estipulou um acordo com o locador, sua obrigação seria cumpri-lo ou pagar a multa também combinada. Mas esse princípio liberal da teoria clássica dos contratos há muito já deixou de fazer sentido numa sociedade que busca, através de leis cogentes, realizar a justiça que os contratantes não conseguem levar a efeito sozinhos. Se, por um lado, poder-se-ia alegar que você falhou ao contratar um locação de um imóvel inapropriado, por outro lado, não é culpa de seu filho que os cachorros lhe latam na cabeça noite e dia. Tampouco é culpa dele ou sua o fato de ele ter nascido com autismo e demandar, por conta disso, o cuidado de morar num local calmo, dentre outros...
Nesse sentido, cumpre fazer regular o seu caso não só o contrato, mas também disposições constitucionais como o princípio da dignidade da pessoa humana. A dignidade do seu filho está sendo ofendida, cotidianamente, pela zoeira dos cachorros, e é necessário levar isso em consideração. No mesmo sentido do preceito constitucional e tratando especificamente dos autistas, veio a lei federal 12.764 para lhes garantir, no seu art. 3o, inciso I, "a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer". No caso, pela sensibilidade exacerbada aos ruídos, a integridade moral ou psíquica do seu filho está em perigo, coisa a que o magistrado não pode ficar indiferente.
Para decidir bem esse tema, o juiz teria um desafio pela frente, a saber, fazer o cruzamento entre a disciplina da locação e os princípio da dignidade da pessoa humana, tal qual desenhado pela Lei dos Autistas, o que não é tão simples. Mas, a meu ver, se o motivo da rescisão contratual é especial, também a disciplina dela deveria sê-lo, e a multa conviria ser dispensada. De qualquer maneira, o certo é que sua causa não é fácil, por faltar leis que digam respeito de perto ao caso concreto, mas o direito do seu filho a uma digna me parece claro como o sol. Enfim, eu buscaria um bom advogado ou, se não puder lhe pagar os honorários, um defensor público, e levaria a causa a juízo.
Cordialmente,
Magno Fonseca Jr.