PROJETO FICHA LIMPA: A EMENDA SAIU PIOR QUE O SONETO: TEXTO JUS
Projeto Ficha Limpa. A emenda saiu pior que o soneto. Elaborado em 05.2010.
Renan Longuinho da Cunha Mattos
Advogado, especialista em Direito Público, é sócio do escritório RENAN LONGUINHO DA CUNHA MATTOS Sociedade de Advogados
O Congresso Nacional aprovou e foi sancionado pelo presidente Lula a Lei Complementar nº 135/10, chamada Lei "Ficha Limpa", que altera a Lei Complementar n. 64/90, a Lei de Inelegibilidades.
Em que pese o projeto ter sido fruto das mais nobres inspirações, lastreado por mais de um milhão de assinaturas de cidadãos brasileiros, encontramos uma série de questões problemáticas em seu conteúdo. Registre-se que não somos contra o combate à corrupção. Contudo, divergimos quanto à solução encontrada para enfrentar o problema, quando mais no momento que as fragilidades do projeto de lei em comento podem levar à maior liberalidade em relação aos chamados "ficha sujas".
Em pequena síntese, a lei complementar estabelece casos de inelegibilidade, majora prazos de cessação e inclui novas hipóteses de inelegibilidade (após decisão colegiada).
Em primeira análise é de se verificar a adequação constitucional dos dispositivos da lei. A nosso juízo, infelizmente, alguns dispositivos do projeto aprovado padecem de flagrante inconstitucionalidade.
A carta constitucional, portanto, constitui-se de uma série de preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios. Sabemos que a Constituição deve ser interpretada sistematicamente homenageando o princípio da unidade da Constituição.
As inovações trazidas pelo projeto "Ficha Limpa" vão de encontro à princípios constitucionais. O primeiro deles, o próprio princípio do Estado Democrático de Direito. O quadro constitucional brasileiro tem como princípio dos mais caros a acessibilidade do cidadão aos cargos eletivos, o que se chama de direito político passivo, ou seja, a capacidade de ser votado. Esse princípio, pode-se dizer, é a gênese de nossa democracia, é fundamento básico de nosso sistema político.
Outro princípio homenageado pela Constituição é o da presunção de inocência, trazido especialmente no art. 5º da Carta de 1988. A interpretação sistemática da Constituição faz com que o princípio da não-culpabilidade extrapola os limites do direito penal, garantindo a qualquer cidadão a possibilidade de não ser considerado culpado até o trânsito em julgado da decisão imposta pelo Judiciário.
Trazer esses dois princípios fez-se necessário para debatermos sobre a possibilidade de cominação de inelegibilidade antes do trânsito em julgado da decisão. A nosso ver o disposto no projeto "Ficha Limpa" afronta esses dois princípios constitucionais ao cercear o direito de concorrer às eleições com base em decisão ainda pendente de julgamento. Mais que esses dois princípios, afronta ainda o princípio da segurança jurídica. Como se pode negar ao cidadão o direito de ser votado em virtude de um processo ainda em tramitação que pode ser reformado na instância superior? Proceder dessa maneira é antecipar a pena. Indo além, e se depois de reconhecida a inelegibilidade vem o tribunal superior e reforma a decisão, como fica a situação desse cidadão já apenado?
Mesmo que se admita, como alguns juristas, que o princípio da presunção de inocência somente se aplica à seara penal, não valendo no campo eleitoral, teríamos um conflito entre o princípio do Estado Democrático e o princípio da moralidade. Seria o caso de se realizar a ponderação de princípios aplicáveis, no nosso entender, o princípio democrático, a garantia dos direitos políticos, deverá prevalecer sobre o princípio da moralidade, já que fundamento da República.
Nesse sentido, a própria Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92) já se posicionava ao determinar em seu art. 20 que a suspensão de direitos políticos somente se daria após o trânsito em julgado da decisão, em claro respeito ao princípio da não-culpabilidade e homenageando o princípio democrático, uma vez que poder-se-ia realizar a execução provisória da sentença, vedada somente a suspensão dos direitos políticos.
Outra questão controversa diz respeito à aplicação imediata ou não da Lei "Ficha Limpa". Nessa quadra muito se discute a possibilidade de aplicação imediata ante o disposto no art. 16 do texto constitucional. A nosso entender as alterações na Lei de Inelegibilidades não alteram o processo eleitoral, nada impedindo sua aplicação imediatamente após a publicação. Todavia, questão que gerará inúmeros debates diz respeito à irretroatividade da lei. Esse debate surgiria mesmo antes da aprovação da Emenda do Senador Dornelles que padronizou os tempos verbais no texto da lei. Diante do princípio da segurança jurídica entendemos que a aplicação da Lei "Ficha Limpa" somente se dará aos fatos ocorridos após a sua publicação. Mais uma vez buscamos como fundamento o princípio da unidade da constituição, da interpretação sistemática, não sendo possível a aplicação retroativa da sanção cominada pela nova lei.
Deixando um pouco de lado a questão constitucional passamos a discutir um pouco da técnica legislativa. Talvez a pressão popular e o ano eleitoral tenha levado nossos parlamentares a aprovar o processo de forma açodada, deixando de se atentar à técnica legislativa, surgindo daí algumas questões que podem tornar inócua a própria lei.
Tem-se, por ora, uma situação, no mínimo estranha, de estabelecimento de termo inicial da inelegibilidade. Em diversas situações o projeto de lei estabelece inelegibilidade aos condenados com decisão com trânsito em julgado ou, ainda, condenados por decisão de instância colegiada. Bem, quando se dará o termo inicial da inelegibilidade? Depois do trânsito em julgado ou após a publicação da decisão colegiada condenatória? Faltou, a nosso ver, rigor técnico na elaboração do projeto de lei. Fica aqui a sensação de que a inelegibilidade poderá ser imposta após a decisão colegiada, e após, ser novamente aplicada quando do trânsito em julgado. Sabemos que não foi essa a intenção do legislador, nem deve ser assim interpretada. Devendo ser aplicada uma única vez após o trânsito em julgado ou a publicação da decisão colegiada.
Ainda mais grave é a situação em que a falta de técnica legislativa gerará efeitos contrários e nocivos ao buscado pelo projeto de lei. Referimo-nos ao disposto nas alíneas "g" e "l", do inciso I, do art. 1º do referido projeto de lei.
Na alínea "g" o texto diz serem inelegíveis "os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa". Neste caso, a nova redação alterou o texto anterior acrescentando a necessidade de configuração de ato doloso de improbidade. Desse modo, não bastará para impor inelegibilidade a rejeição das contas por irregularidades insanáveis, será necessário que, além da rejeição das contas, se configure ato doloso de improbidade administrativa. Rejeitadas as contas, mas não configurando improbidade administrativa não há que se falar em inelegibilidade. Esse é um dos pontos em que a alteração da Lei de Inelegibilidades ao invés de benefícios trouxe malefícios ao quadro normativo.
A situação na alínea "l" é ainda pior. O texto dispõe serem inelegíveis "os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito". Nesse ponto o legislador, afoito por impor a inelegibilidade àqueles condenados em instância colegiada, acabou por frustrar o intuito da norma. Da análise do texto pode-se verificar serem inelegíveis somente aqueles condenados por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. O texto aprovado impõe a inelegibilidade somente àqueles condenados como incursos nos arts. 9º e 10 da Lei de Improbidade cumulativamente. Da forma como aprovado os condenados por atos de improbidade que importem enriquecimento ilícito, somente, não estão inelegíveis, nem, tampouco, aqueles condenados somente por atos que importem lesão ao patrimônio público. Para a configuração da situação de inelegibilidade é necessário a prática de ato doloso de improbidade que importe cumulativamente, repita-se, enriquecimento ilícito (art. 9º) e lesão ao patrimônio público (art. 10). Não estarão inelegíveis os condenados pelas condutas culposas previstas pelo art. 10 da Lei n. 8.429/92, nem aqueles condenados pelas condutas ímprobas do art. 11 da referida lei, desde que não importem cumulativamente enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio público.
Cabe bem aqui o famoso "a emenda saiu pior que o soneto". Na ânsia de se aprovar o projeto de lei, descuidou-se da técnica legislativa e o texto ficou ainda mais liberal.
Segundo informações da imprensa, dessa semana, o TSE aceitou o registro de candidatos "sujos", assim, só me resta pensar, esse país (com inicial minúscula mesmo) é uma grande máquina corruptiva, incentivam a corrupção como incentivam o povo a consumir, é uma grande vergonha, espero que o povo acorde nas próximas eleições e escolham a dedo o candidato a quem votar, ou votem nulo caso não possuam opções, quem sabe com um belo boicote esse país começa a andar como deve... Acorda Brasil...
NÃO SE VENDA VOTE LIMPO
Todos nós temos o direito e a obrigação de denunciar costumes corruptos. A sociedade civilizada deve fiscalizar o domínio público. E, portanto, promulgar a construção de um ambiente mais imparcial, ético e democrático. Porque, além dos mecanismos lícitos contra a corrupção, sua luta passa fundamentalmente por processo de conscientização, isto é, de educação política, o qual não se arrola a qualquer segmento ideológico ou partidário. Busca-se especificamente a veracidade e o respeito aos domínios públicos. Ademais, conscientizar é importante porquanto a parábola da putrefação não está exclusivamente na hierarquia política. Deprecam, outros segmentos da coletividade praticam-na ou pelo menos é co-réu.