Excerto da sentença de um juiz de Direito, colega do autor a quem negou provimento:
" Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO
MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de "senhor".
Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido
inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de ' Doutor, senhor" "Doutora, senhora", sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos. (...)
DECIDO: "O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente
conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um
direito que se gostaria de ter." (Noberto Bobbio, in "A Era dos Direitos", Editora Campus, pg. 15).
Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante
e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha
publicidade que tomou este processo.
Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível
sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito.
Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de
incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho
eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal
dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo
Requerente.
Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade,
ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada
grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica
na pretensão deduzida.
"Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas
quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um
doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo
assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição referir-se a outras
pessoas de 'doutor', sem o ser, e fora do meio acadêmico.
Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra -, que se trata de título conferido por uma universidade à guisa e homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a exame.
(....)
Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da
diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A
própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo
o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social não há
ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de
"você" e "senhor" traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais.
Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta,
cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do
condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela
própria comunidade.
Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de
custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.
P.R.I. Niterói, 2 de maio de 2005.
ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO
/Juiz de Direito/"