A complexidade da socieadade moderna (ou pós-moderna) tem como consequencia uma multiplicidade de mecanismos regulatórios e de controle da vida social (para resolverem suas relações/demandas) um deles é tutela jurisdicional. O direito brasileiro tem um paradigma monista, ele reduz o drieito a norma, obriga que se faça o exercício de moldar os fatos sociais as hipóteses legais pensadas. Demandas como violência doméstica, a execução penal, posse e propriedade, a legitimidade (?) dos saques em supermercados, a massa de trabalhadores desempregados (mais de 15%) etc., sofrem por não terem uma previsão ou tendo, não absove todas as suas especificidades... O direito está preparado para atender aquelas relações sociais que ele não previu de forma positivada? Estamos sentenciados a vivermos com processos que ultrapassam décadas discutindo questões formais? O direito será sempre o melhor instrumento para preservar o status quo social, ao invés de possibilitar a verdadeira busca do bem comum? O bem comum será sempre o bem comum de uma fatia da população? O Direito tem que se preocupar com o bem comum ou é apenas um método para resolver as demandas? O Estados democrático de direito não está falindo? Quais seriam as novas perspectivas para o direito? Que princípios devem ser preservados? Onde se encaixa a idéia de direito e justiça? A educação em direito (ciências jurídicas e sociais) tem que ser tão alienantes, sem filosofia, sociologia, análise crítica? A dogmática jurídica será sempre sinônimo de direito?

Respostas

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    Carolina Chaves Sábado, 09 de maio de 1998, 22h20min


    Concordo contigo, não saberia dizer quais as perspectivas para o direito, mas acho que ele não consegue atender muitos casos. Talvez a forma como se estude o direito seja um dos fatores...

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    César Fraga Terça, 19 de maio de 1998, 22h11min

    Indico como leitura a obra do Procurador de Justiça Lenio Luiz Streck - "Tribunal de Juri", que aborda questões pontuais do direito, que poderão, no mínimo, deixá-la mais angustiada com a questão.
    Tenho também um texto do mesmo autor, que poderá ser feita cópia, para tanto solicite a sua colega de aula Cristiane do Canto.

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    João Paulo Guimarães Neto Terça, 04 de agosto de 1998, 10h51min

    É uma questão muito abrangente.
    Creio que o Poder Judiciário devería inicialmente deixar de ser manipulado pelo Poder Executivo, o envolvimento político dos Magistrados é terrível;
    Seu Estado detêm uma prática de Direito mais benéfica que o meu;
    A utilização do "Uso Alternativo do Direito" na fundamentação de sentenças salvaguarda o Direito Natural e a Declaração dos Direitos como fontes do Direito. Creio seja esse um bom caminho para uma melhor Justiça, também social, possibilitando um freio nessa mania de vomitar leis, o que entrava o acompanhamento à dinâmica das relações sociais, emperrando a Justiça, Também!

    Tem mais, mas vou dormir, aí tem meu e-mail, pvt-me!
    :**
    Felicidades!
    T+!

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    Marlot F. Caruccio Hübner Domingo, 06 de setembro de 1998, 0h40min


    Cara Samantha
    Sou advogada, mãe de aluno aí da PUC de POA, do 7º semestre. Sou especialista em Direito do Trabalho pela FEMARGS, mestranda em Direitos Sociais aqui na UNISC- Universidade de Santa Cruz do Sul e leciono a cadeira de Lógica e Hermenêutica Jurídica nesta faculdade.
    O teu questionamento é realmente muito importante, felizmente já existem juristas, em número considerável e de boa qualidade, preocupados com o mesmo tópico.
    Se tiveres tempo sugiro a leitura do Juarez Freitas, também do José Eduardo Farias, Roberto Lyra Amilcar Bueno de Carvalho entre outros.
    Sintetizando, tem uma revista DIREITO EM DEBATE que trata da matéria.
    De qualquer forma estou a tua disposição.
    Parabens pelo interesse.
    Abraços
    MARLOT

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    Guilherme Celidonio Domingo, 06 de setembro de 1998, 5h30min

    Sou advogado e recém formado.
    Acho super válida sua colocação, entretanto tem alguns pontos com os quais discordo.
    Em primeiro lugar, o Estado Democrático de Direito não é apenas um caminho, mas com certeza, o melhor e talves único caminho a levar a solução dos conflitos sociais,em todas as esferas onde se encontram, e não apenas na esfera judicial. A democracia é algo imprescindível a vida, o seu oxigênio. Entrentanto, dirigindo-me mais especificamente ao ramo jurisdicional, ou seja, da atuação do poder judiciário, acho que os operadores do direito urgentemente precisam de uma renovação em todos os ramos e principalmente nos bancos das faculdades, nos curriculos acadêmicos e etc.
    Acho que a visão do direito e principalmente da atuação do judiciário deve ser repensada, ou seja, a jurisdição também deve ter uma função construtiva e não simplesmente aplicadora das leis ou do direito positivo.
    Afinal de contas se somos formados por três poderes independentes, não há o que se falar de impossibilidade de contrariação de uma lei pelo judiciário. Cabe a este interpretá-la, e isto demanda, e em primeiro lugar a sua interpretação a luz da Constituição da República, de onde vem a legitimidade formal e material para sua elaboração.
    Acho fundamental a utilização do mais importante, democrático e revolucionário instrumento que temos, a Constituição da República.
    Quando passarmos a estudá-la mais, a entendê-la e interpretá-la e principalmente utilizá-la sem medo, desconfiança ou desconhecimento, com certeza encontraremos soluções para quaisquer conflitos de interesses existentes.
    Espero ter dado minha contribuição, só gostaria de dizer mais uma vez que isto tb é um exercício de democracia, que, no meu entendimento, é a melhor forma de crescimento da sociedade.
    A justiça social deve ser conseguida através do consciência das pessoas e não da sua imposição.

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    Sérgio Coutinho Sábado, 20 de março de 1999, 1h40min

    Peço desde já desculpas a todos que se sentirem incomodados, mas envio em seguida artigo de Karl Marx que aborda o tema. Não sei se este é um procedimento aceitável em fóruns. Caso não o seja, ficam desde já minhas desculpas.

    Peço ainda que todos se libertem de eventuais preconceitos relativos a este filósofo quando pensarem se devem ler este texto. É uma significativa contribuição à questão-tema deste fórum.


    Glosas críticas marginais ao artigo
    “O rei da Prússia e a reforma social”. De um prussiano.

    Karl Marx

    O jornal Vorwarts, nº 60, contém um artigo intitulado: O rei da Prússia e a reforma social, assinado: “Um prussiano”.

    O assim chamado prussiano começa referindo-se ao conteúdo da ordem do gabinete do rei da Prússia sobre a insurreição dos trabalhadores silesianos e à opinião do jornal francês La Refórme sobre a ordem do gabinete prussiano. La Refórme entende que a ordem do gabinete foi motivada pelo “terror e pelo sentimento religioso” do rei. E até descobre nesse documento o pressentimento das grandes reformas que ameaçam a sociedade civil. O “prussiano” ensina ao Refórme nestes termos:

    “O rei e a sociedade alemã não chegaram ainda ao pressentimento de sua reforma” e menos ainda as insurreições silesiana e boêmia deram origem a tal sentimento. É impossível, para um país não-político como a Alemanha, compreender que a miséria parcial dos distritos industriais é uma questão geral e muito menos que representa um problema para o conjunto da sociedade. Para os alemães, esse acontecimento tem o mesmo caráter de qualquer seca ou carestia local. Por isso o rei o considera como um defeito de administração ou de assistência. Por esse motivo e também porque bastaram poucos soldados para liquidar os frágeis tecelões, a demolição das fábricas e das máquinas não incute “terror”, nem ao rei, nem às autoridades. Além do mais, a ordem do gabinete nem sequer foi ditada pelo sentimento religioso: trata-se de uma sóbria expressão da arte política cristã e de uma doutrina que não deixa subsistir nenhuma dificuldade diante do seu único remédio, “a boa disposição dos corações cristãos”. Miséria e crime são duas grandes calamidades: quem poderá repará-las? O
    Estado e as autoridades? Não, mas, ao contrário, a união de todos os corações cristãos”.

    O suposto prussiano nega o “terror” do rei, entre outras coisas, porque bastaram poucos soldados para liquidar os frágeis tecelões.

    Ora, em um país no qual banquetes com brindes liberais e espuma liberal de champanhe - lembre-se a festa de Dusserdorf - provocam uma ordem do gabinete real pela qual não houve necessidade de um só soldado para acabar com os anseios de liberdade de imprensa e de constituição de toda a burguesia liberal; em um país em que a obediência passiva está na ordem do dia; em um tal país não seria um acontecimento e um acontecimento aterrorizante ter que recorrer à força armada? Considere-se ainda o fato de que os frágeis tecelões saíram vencedores no primeiro choque. Apenas mediante consideráveis reforços de tropas é que foram vencidos. A revolta de uma massa de trabalhadores é por acaso menos perigosa pelo fato de não ser necessário um exército para sufocá-la? Que o inteligente prussiano compare a revolta dos tecelões silesianos com as revoltas dos operários ingleses e os tecelões silesianos lhe parecerão tecelões fortes.

    Partindo da relação geral da política com os males sociais, poderemos esclarecer porque a revolta dos tecelões não podia infundir nenhum “terror” particular ao rei. Por ora seja suficiente isto: a revolta não era dirigida diretamente contra o rei da Prússia, mas contra a burguesia. Como aristocrata e monarca absoluto, o rei da Prússia não pode amar a burguesia; menos ainda se pode aterrorizar se a sua submissão e a sua impotência forem acrescidas de relações tensas e difíceis com o proletariado. Além do mais: o católico ortodoxo é mais hostil ao protestante ortodoxo do que ao ateu, assim como o legitimista é mais hostil ao liberal do que ao comunista. Não porque o ateu e o comunista tenham mais afinidade com o católico e o legitimista, mas porque eles são mais estranhos do que o protestante e o liberal, uma vez que se situam do lado de fora do seu círculo. Enquanto homem político, o rei da Prússia tem, na política, o seu antagonista direto no liberalismo. Para o rei, o antagonismo com o proletariado existe tão pouco quão pouco o rei existe para o proletariado. O proletariado já deveria ter alcançado uma força decisiva para sufocar as antipatias, os antagonismos e atrair sobre si a total hostilidade da política. Por último: para o bem conhecido caráter do rei, desejoso de coisas interessantes e significativas, devia constituir de fato uma surpresa agradavelmente excitante o fato de encontrar no seu território aquele “interessante” e “tão falado” pauperismo, e com isso uma ocasião para fazer com que falassem novamente de si. Como deve ter-lhe sido agradável a notícia de que ele já possuía o seu “próprio” real pauperismo prussiano.

    O nosso “prussiano” é ainda mais infeliz quando nega que o “sentimento religioso” seja a fonte da ordem do gabinete real. Por que o sentimento religioso não é a fonte dessa ordem de gabinete? Porque é “uma muito sóbria expressão da arte política cristã”, uma “sóbria” expressão da doutrina que “diante do seu único remédio, a boa disposição dos corações cristãos, não deixa subsistir nenhuma dificuldade”.

    O sentimento religioso não é a fonte da arte política cristã? Não se funda no sentimento religioso uma doutrina que possui o seu remédio na boa disposição dos corações cristãos? Uma expressão sóbria do sentimento religioso deixa de ser uma expressão do sentimento religioso muito cheio de si, muito apaixonado aquele que procura o “remédio para os grandes males” na “união dos corações cristãos”, negando-o ao “Estado e às autoridades”. É um sentimento religioso muito apaixonado aquele que - segundo admite o “prussiano” - particulariza todo o mal na falta de sentido cristão, remetendo as autoridades ao único meio para reforçar este sentido, à “exortação”. A disposição cristã é, segundo o “prussiano”, o objetivo da ordem do gabinete. É claro que, quando não é sóbrio, ele se considera o único bem. Lá onde descobre males, ele os atribui à sua ausência, uma vez que, se é o único bem, também é somente ele que pode produzir o bem. A ordem do gabinete, ditada pelo sentimento religioso, dita por sua vez, como conseqüência, o sentimento religioso. Um político com sentimento religioso sóbrio, na sua “perplexidade”, nunca procuraria o seu “auxílio” na “exortação do piedoso pregador ao sentimento cristão”.

    Como demonstra, então, o suposto prussiano, ao Réforme, que a ordem do gabinete não é uma emanação do sentimento religioso? Apresentando sempre a ordem do gabinete como uma emanação do sentimento religioso. Pode-se esperar que uma mente tão ilógica seja capaz de penetrar nos acontecimentos sociais? Ouçamos um pouco as suas conversas sobre as relações da sociedade alemã com o movimento dos trabalhadores e com a reforma social em geral.

    Distingamos aquilo que o “prussiano” negligencia, distingamos as diferentes categorias que são compreendidas na expressão “sociedade alemã”: governo, burguesia, imprensa, enfim os próprios trabalhadores. Essas são as diferentes massas todas juntas e, todas em massa. Para ele, a sociedade alemã nem sequer chegou ainda a pressentir a sua reforma.

    Por que lhe falta esse instinto?

    “Num país não-político como a Alemanha”, responde o prussiano, “é impossível compreender que a miséria parcial dos distritos industriais é uma questão geral e menos ainda que é um dano para o conjunto da sociedade. Para os alemães, o acontecimento tem o mesmo caráter de qualquer seca ou carestia local. Por isso, o rei o considera como um ‘defeito de administração e de assistência’.”

    O “prussiano” explica então essa concepção invertida da miséria dos trabalhadores, através da peculiaridade de um país não-político.

    Admitir-se-á que a Inglaterra seja um país político. Admitir-se-á, além do mais, que a Inglaterra seja o país do pauperismo; a própria palavra é de origem inglesa. Por isso, o exame da Inglaterra é a experiência mais segura para conhecer-se a relação de um país político com o pauperismo. Na Inglaterra, a miséria dos trabalhadores não é parcial, mas universal; não se limita aos distritos industriais, mas se estende aos agrícolas. Aqui, os movimentos não estão numa fase inicial, mas acontecem periodicamente há quase um século.

    Como, então, concebem o pauperismo a burguesia inglesa e o governo e a imprensa a ela ligados?

    Na medida em que a burguesia inglesa admite que o pauperismo é uma responsabilidade da política, o whig considera o tory e o tory o whig a causa do pauperismo. Segundo o whig, o monopólio da grande propriedade fundiária e a legislação protecionista contra a importação de cereais são a fonte principal do pauperismo. Segundo o tory, todo o mal reside no liberalismo, na concorrência, no exagerado desenvolvimento industrial. Nenhum dos partidos encontra a causa na política em geral, pelo contrário, cada um deles a encontra na política do partido adversário; porém, ambos os partidos sequer sonham com uma reforma da sociedade.

    A expressão mais clara da interpretação inglesa do pauperismo - referimo-nos sempre às opiniões da burguesia inglesa e do governo inglês - é a economia política inglesa, isto é, o reflexo científico da situação econômica nacional inglesa.

    Um dos melhores e mais famosos economistas ingleses, que conhece a situação atual e deve ter uma visão de conjunto do movimento da sociedade burguesa, um discípulo do cínico Ricardo, MacCulloch, ousa ainda aplicar à economia política, numa preleção pública, em meio a manifestações de aplauso, aquilo que Bacon diz da filosofia:

    “O homem que, com verdadeira e infatigável sabedoria, suspenda o seu juízo, progrida pouco a pouco e supere um depois do outro os obstáculos que impedem como montanhas o curso dos estudos, atingirá com o tempo o cume da ciência, onde se goza a paz e o ar puro, onde a natureza se expõe diante dos olhos em toda a sua beleza e onde, por meio de uma senda em cômodo declive, pode-se descer até os últimos detalhes da prática”.

    Bom ar puro a atmosfera pestilencial das habitações nos pardieiros ingleses! Grande beleza da natureza os fantasiosos trapos com que se vestem os pobres ingleses e a carne mirrada e enrugada das mulheres roídas pelo trabalho e pela miséria; as crianças que jazem no esterco; os abortos provocados pelo excesso de trabalho no uniforme mecanismo das fábricas! E os graciosíssimos últimos detalhes da prática: a prostituição, o crime e a forca!

    Até mesmo aquela parte da burguesia inglesa que está consciente do perigo do pauperismo concebe este perigo, como também os meios para repará-lo, não apenas de forma particular, mas, para dizê-lo sem rodeios, de forma infantil e sem graça.

    Assim, por exemplo, o doutor Kay, no seu opúsculo Recent measures for he promotion of education in England, reduz tudo a uma educação descuidada. Adivinhe-se por que motivo! Com efeito, por falta de educação o que o reduzem necessariamente ao pauperismo. Daí a sua rebelião. Isto pode

    “perturbar a prosperidade das manufaturas inglesas e do comércio inglês, abalar a confiança recíproca dos homens de negócios, diminuir a estabilidade das instituições políticas e sociais”.

    A tal ponto chega a desconsideração da burguesia inglesa e de sua imprensa pelo pauperismo, por esta epidemia nacional da Inglaterra.

    Admitamos, porém, que sejam fundadas as recriminações que o nosso “prussiano” faz à sociedade alemã. Será que o motivo reside na situação não-política da Alemanha? Conduto, se a burguesia da não-política Alemanha é incapaz de tomar consciência da importância universal de uma miséria parcial, a burguesia da política Inglaterra é capaz de desconhecer a importância universal de uma miséria universal, de uma miséria que evidenciou a sua importância universal, tanto através do seu retorno periódico no tempo como através da sua difusão no espaço e também através do fracasso de todas as tentativas de remediá-la.

    O “prussiano” atribui ainda à situação não-política da Alemanha o fato de que o rei da Prússia encontre a causa do pauperismo numa falha de administração e de assistência, os meios contra o pauperismo.

    Por acaso, será exclusivo do rei da Prússia este modo de ver? Dê-se uma rápida olhada à Inglaterra, o único país no qual se pode falar de uma grande ação política contra o pauperismo.

    A atual legislação inglesa sobre a pobreza data da lei contida no Ato 43 do governo de Elisabeth. Em que consistem os meios desta legislação? Na obrigação imposta às paróquias de socorrer os seus trabalhadores pobres, no imposto para os pobres, na beneficiência legal. Essa legislação - a assistência por via administrativa - durou três séculos. Depois de longas e dolorosas experiências, quais são as posições do parlamento no seu Amendment Bill de 1834?

    Antes de mais nada, o assustador aumento do pauperismo é atribuído a uma “falha de administração”.

    Por isso, a administração do imposto para os pobres, constituída por empregados das respectivas paróquias, é reformulada. São constituídas Uniòes de cerca de vinte paróquias, unidas em uma única administração. Um comitê de funcionários - Board of Guardians - eleitos pelos contribuintes, reúne-se em um determinado dia na sede da União e avalia os pedidos de subsídio. Esses comitês são dirigidos e supervisionados por delegados do governo, da Comissão Central da Somerset House, o ministério do pauperismo, segundo a precisa definição de um francês. O capital de que essa administração cuida quase equivale à soma que a administração militar custa na França. O número de administrações locais que dependem dela chega a quinhentas e cada uma dessas administrações locais, por sua vez, ocupa, pelo menos, doze funcionários.

    O parlamento inglês não se limitou à reforma formal da administração.

    Segundo ele, a causa principal da grave situação do pauperismo inglês está na própria lei relativa aos pobres. A assistência, o meio legal contra o mal social, acaba favorecendo-o. E quanto ao pauperismo em geral seria, de acordo com a teoria de Malthus, uma eterna lei da natureza:

    “Uma vez que a população tende a superar incessantemente os meios de subsistência, a assistência é uma loucura, um estímulo público a miséria. Por isso, o Estado nada mais pode fazer do que abandonar a miséria ao seu destino e, no máximo, tornar mais fácil a morte dos pobres”.

    A essa filantrópica teoria, o parlamento inglês agrega a idéia de que o pauperismo é a miséria da qual os próprios trabalhadores são culpados, e ao qual portanto não se deve prevenir como uma desgraça, mas antes reprimir e punir como um delito.

    Surgiu, assim, o regime das workhouses, isto é, das casas dos pobres, cuja organização interna desencoraja os miseráveis de buscar nelas a fuga contra a morte pela fome. Nas workhouses, a assistência é engenhosamente entrelaçada com a vingança da burguesia contra o pobre que apela à sua caridade.

    Como se vê, a Inglaterra tentou acabar com o pauperismo primeiramente através da assistência e das medidas administrativas. Em seguida, ela descobriu, no progressivo aumento do pauperismo, não a necessária conseqüência da indústria moderna, mas antes o resultado do imposto inglês para os pobres. Ela entendeu a miséria universal unicamente como uma particularidade da legislação inglesa. Aquilo que, no começo, fazia-se derivar de uma falta de assistência, agora se faz derivar de um excesso de assistência. Finalmente, a miséria é considerada como culpa dos pobres e, deste modo, neles punida.

    A lição geral que a política Inglaterra tirou do pauperismo se limita ao fato de que, no curso do desenvolvimento, apesar das medidas administrativas, o pauperismo foi configurando-se como uma instituição nacional e chegou por isso, inevitavelmente, a ser objeto de uma administração ramificada e bastante extensa, uma administração, no entanto, que não tem mais a tarefa de eliminá-lo, mas, ao contrário, de discipliná-lo. Essa administração renunciou a estancar a fonte do pauperismo através de meios positivos; ela se contenta em abrir-lhe, com ternura policial, um buraco toda vez que ele transborda para a superfície do país oficial. Bem longe de ultrapassar as medidas de administração e de assistência, o Estado inglês desceu muito abaixo delas. Ele já não administra mais do que aquele pauperismo que, em desespero, deixa agarrar-se e prender-se.

    Até agora, portanto, o “prussiano” não mostrou nada de particular no comportamento do rei da Prússia. Mas, por que, exclama o rei com rara ingenuidade: “Por que o rei da Prússia não determina imediatamente a educação de todas as crianças abandonadas? Por que se dirige antes às autoridades, esperando seus planos e projetos?”

    O inteligentíssimo prussiano se tranqüilizará quando souber que o rei da Prússia é, nisso, tão pouco original quanto o é no resto das suas ações e que, pelo contrário, trilhou o único caminho que o chefe de um Estado pode trilhar.

    Napoleão queria acabar de um golpe com a mendicância. Encarregou as suas autoridades de preparar planos para a eliminação da mendicância em toda a França. O projeto demorava: Napoleão perdeu a paciência, escreveu ao seu ministro do interior, Crétet, e lhe ordenou que destruísse a mendicância dentro de um mês, dizendo:

    “Não se deve passar sobre a terra sem deixar traços que relembrem à posteridade a nossa memória. Não me peçam mais três ou quatro meses para receber informações; vocês têm funcionários jovens, prefeitos inteligentes, engenheiros civis bem preparados, ponham ao trabalho todos eles; não fiquem modorrando no costumeiro trabalho de escritório”.

    Em poucos meses tudo estava terminado. No dia cinco de julho de 1808 foi promulgada a lei que reprime a mendicância. Como? Por meio dos depósitos, que se transformaram em penitenciárias com tanta rapidez que bem depressa o pobre chegava aí exclusivamente pela estrada do tribunal da polícia correcional. E, no entanto, naquele tempo, o senhor Noailles du Gard, membro do corpo legislativo, exclamava:

    “Reconhecimento eterno ao herói que assegura à necessidade um lugar de refúgio e à miséria os meios de subsistência. A infância não será mais abandonada, as famílias pobres não serão mais privadas de recursos, nem os operários de estímulo e ocupação. Nos pas ne seront plus arrêtés par l’image dégoûtante des infirmités et de la honteuse misère”.

    O último cínico período é a única verdade desse panegírico.

    Mas, se Napoleão se dirigia ao discernimento dos seus funcionários, prefeitos e engenheiros, por que não o rei da Prússia às suas autoridades?

    Por que Napoleão não ordenou a imediata supressão da mendicância? O mesmo valor tem a pergunta do “prussiano”: Por que o rei da Prússia não determina a imediata educação de todas as crianças abandonadas? Sabe o “prussiano” o que o rei da Prússia deveria determinar? Nada menos que a eliminação do proletariado. Para educar as crianças, é preciso alimentá-las e liberá-las da necessidade de trabalhar para viver. Alimentar e educar as crianças abandonadas, isto é, alimentar e educar todo o proletariado que está crescendo, significaria eliminar o proletariado e o pauperismo.

    A Convenção teve, por um momento, a coragem de determinar a eliminação do pauperismo, não certamente “de modo imediato”, como o “prussiano” exigiria do seu rei, mas depois de haver encarregado o seu Comitê de Salvação Pública de elaborar os planos e as propostas necessários, e depois que esse utilizou os amplos levantamentos da Assembléia Constituinte sobre as condições da miséria na França e propôs, através de Barère, a fundação do Livre de la bienfaisance nationale etc.. Qual foi a conseqüência da determinação da Convenção? Que houvesse uma determinação a mais no mundo e que um ano depois mulheres esfomeadas cercassem a Convenção.

    E, no entanto, a Convenção era o máximo da energia política, da força política, e do intelecto político.

    Assim, de modo imediato, sem um acordo com as autoridades, nenhum governo do mundo tomou medidas a respeito do pauperismo. O parlamento inglês chegou até a mandar, a todos os países da Europa, comissários para conhecer os diferentes remédios administrativos contra o pauperismo. Porém, por mais que os Estados tivessem se ocupado do pauperismo, sempre se ativeram a medidas de administração e de assistência, ou, ainda mais, desceram abaixo da administração e da assistência.

    Pode o Estado comportar-se de outra forma?

    O Estado jamais encontrará no “Estado e na organização da sociedade” o fundamento dos males sociais, como o “prussiano” exige do seu rei. Onde há partidos políticos, cada um encontra o fundamento de qualquer mal no fato de que não ele, mas o seu partido adversário, acha-se ao leme do Estado. Até os políticos radicais e revolucionários já não procuram o fundamento do mal na essência do Estado, mas numa determinada forma de Estado, no lugar da qual eles querem colocar uma outra forma de Estado.

    O Estado e a organização da sociedade não são, do ponto de vista político, duas coisas diferentes. O Estado é o ordenamento da sociedade. Quando o Estado admite a existência de problemas sociais, procura-os ou em leis da natureza, que nenhuma força humana pode comandar, ou na vida privada, que é independente dele, ou na ineficiência da administração, que depende dele. Assim, a Inglaterra acha que a miséria tem o seu fundamento na lei da natureza, segundo a qual a população supera necessariamente os meios de subsistência. Por um outro lado, o pauperismo é explicado como derivando da má vontade dos pobres, ou, de acordo com o rei da Prússia, do sentimento não cristão dos ricos, e, segundo a Convenção, da suspeita disposição contra-revolucionária dos proprietários. Por isso, a Inglaterra pune os pobres, o rei da Prússia admoesta os ricos e a Convenção guilhotina os proprietários.

    Finalmente, todos os Estados procuram a causa em deficiências acidentais intencionais da administração e, por isso, o remédio para os seus males em medidas administrativas. Por que? Exatamente porque a administração é a atividade organizadora do Estado.

    O Estado não pode eliminar a contradição entre a função e a boa vontade da administração, de um lado, e os seus meios e possibilidades, de outro, sem eliminar a si mesmo, uma vez que repousa sobre essa contradição. Ele repousa sobre a contradição entre vida privada e pública, sobre a contradição entre os interesses gerais e os interesses particulares. Por isso, a administração deve limitar-se a uma atividade formal e negativa, uma vez que exatamente lá onde começa a vida civil e o seu trabalho, cessa o seu poder. Mais ainda, frente à conseqüências que brotam da natureza a-social desta vida civil, dessa propriedade privada, desse comércio, dessa indústria, dessa rapina recíproca das diferentes esferas civis, frente a estas conseqüências, a impotência é a lei natural da administração. Com efeito, esta dilaceração, esta infâmia, esta escravidão da sociedade civil, é o fundamento natural onde se apoia o Estado moderno, assim como a sociedade civil da escravidão era o fundamento no qual se apoiava o Estado antigo. A existência do Estado e a existência da escravidão são inseparáveis. O Estado antigo e a escravidão antiga - fracas antíteses clássicas - não estavam fundidos entre si mais estreitamente do que o Estado moderno e o moderno mundo de traficantes, hipócritas antíteses cristãs. Se o Estado moderno quisesse acabar com a impotência da sua administração, teria que acabar com a atual vida privada. Se ele quisesse eliminar a vida privada, deveria eliminar a si mesmo, uma vez que ele só existe como antítese dela. Mas nenhum ser vivo acredita que os defeitos de sua existência tenham a sua raiz no princípio da sua vida, na essência da sua vida, mas, ao contrário, em circunstâncias externas à sua vida. O suicídio é contra a natureza. Por isso, o Estado não pode acreditar na impotência interior da sua administração, isto é, de si mesmo. Ele pode descobrir apenas defeitos formais, casuais, da mesma, e tentar remediá-los. Se tais modificações são infrutíferas, então o mal social é uma imperfeição natural, independente do homem, uma lei de Deus, ou então a vontade dos indivíduos particulares é por demais corrupta para corresponder aos bons objetivos da administração. E quem são esses pervertidos indivíduos particulares? São os que murmuram contra o governo sempre que ele limita a liberdade e pretendem que o governo impeça as conseqüências necessárias dessa liberdade.

    Quanto mais poderoso é o Estado e, portanto, quanto mais político é um país, tanto menos está disposto a procurar no princípio do Estado, portanto no atual ordenamento da sociedade, do qual o Estado é a expressão ativa, autoconsciente e oficial, o fundamento dos males sociais e a compreender-lhes o princípio geral. O intelecto político é político exatamente na medida em que pensa dentro dos limites da política. Quanto mais agudo ele é, quanto mais vivo, tanto menos é capaz de compreender os males sociais. O período clássico do intelecto político é a Revolução francesa. Bem longe de descobrir no princípio do Estado a fonte dos males sociais, os heróis da Revolução Francesa descobriram antes nos males sociais a fonte das más condições políticas. Deste modo, Robespierre vê na grande miséria vê na grande miséria e na grande riqueza um obstáculo à democracia pura. Por isso, ele quer estabelecer uma frugalidade espartana geral. O princípio da política é a vontade. Quanto mais unilateral, isto é, quanto mais perfeito é o intelecto político, tanto mais ele crê na onipotência da vontade e tanto mais é cego frente aos limites naturais e espirituais da vontade e, consequentemente, tanto mais é incapaz de descobrir a fonte dos males sociais. Não é preciso argumentar mais contra a insensata esperança do “prussiano”, segundo a qual o “intelecto político” é chamado a descobrir as raízes da miséria social na Alemanha.

    Foi loucura não somente exigir do rei da Prússia um poder que nem a Convenção e Napoleão juntos tiveram; foi loucura exigir dele um modo de ver do qual o inteligente “prussiano” está pelo menos tão longe quanto o seu rei. Toda essa declaração foi ainda mais insensata na medida em que o “prussiano” nos confessa:

    “As boas palavras e as boas disposições são baratas, o que é caro são a perspicácia e as ações eficazes; neste caso, elas são mais do que caras, estão muito longe da possibilidade de efetivação”.

    Se estão muito longe da possibilidade de efetivação, imagine-se quem, então, a partir daí tentar alcançar o possível. No mais, deixo a critério do leitor julgar se, neste caso, a linguagem mercantil, de cigano, na base do “barato”, “caro”, “mais do que caro”, “longe da possibilidade de efetivação”, possa ser incluída na categoria das “boas palavras” e das “boas disposições”.

    Suponhamos, porém, que as observações do “prussiano” sobre o governo alemão e sobre a burguesia alemã - esta última está, sem dúvida, compreendida na sociedade alemã - tenham pleno fundamento. Será que essa parte da sociedade é mais irrefletida na Alemanha do que na Inglaterra ou na França? Pode-se ser mais irrefletido do que na Inglaterra, onde a irreflexão foi erigida em sistema? Se, hoje, em toda a Inglaterra pipocam manifestações de trabalhadores, é porque a burguesia e o governo locais não estão hoje mais lúcidos do que no último trintênio do século dezoito. Seu único juízo é a força material e uma vez que a força material decresce na mesma medida em que cresce a extensão do pauperismo e a consciência do proletariado, do mesmo modo aumenta, em proporção geométrica, a irreflexão inglesa.

    Enfim é falso, efetivamente falso, que a burguesia alemã desconheça inteiramente a importância geral da revolta silesiana. Em várias cidades, os mestres artesãos procuram associar-se aos aprendizes. Todos os jornais liberais, os órgãos da burguesia liberal, estão repletos de referências à organização do trabalho, à reforma da sociedade, à crítica aos monopólios e à concorrência etc.. Tudo isso em conseqüência dos movimentos dos trabalhadores. Os jornais de Tréveris, Aquisgrana, Colônia, Wesel, Mannheim, Breslau e até de Berlim trazem freqüentemente artigos sociais facilmente compreensíveis, dos quais o “prussiano” pode até aprender alguma coisa. Mais ainda, em cartas da Alemanha se exprime constantemente o espanto diante da fraca resistência da burguesia contra as tendências e idéias sociais.

    O prusiano - se tivesse maior familiaridade com a história dos movimentos sociais - teria formulado a sua pergunta ao contrário. Por que também a burguesia alemã vê na miséria parcial uma miséria relativamente tão universal? De onde provém a animosidade e o cinismo da burguesia política, de onde provém a falta de resistência e as simpatias da burguesia não-política para com o proletariado?

    Vorwarts!, nº 63, sete de agosto de 1844

    Vamos agora aos oráculos do “prussiano” sobre os trabalhadores alemães.

    “Os Alemães pobres”, graceja, “não são mais inteligentes do que os pobres alemães, quer dizer, não enxergam nada além do seu lar, da sua fábrica, do seu distrito; até agora toda a questão está ainda abandonada pela alma política que penetra em tudo”.

    Para poder comparar a situação dos trabalhadores alemães com a situação dos trabalhadores franceses e ingleses, o “prussiano” deveria comparar a primeira etapa, o início do movimento dos trabalhadores franceses e ingleses com o movimento alemão que começou agora. Mas ele negligencia isto. Deste modo, o seu raciocínio cai em obviedades, como essa de que a indústria na Alemanha ainda não está tão desenvolvida como na Inglaterra, ou então de que um movimento no seu início se apresenta diferente do que numa etapa posterior. Ele gostaria de falar das particularidades do movimento dos trabalhadores alemães. No entanto, não diz uma palavra a respeito desse assunto.

    Que o “prussiano” se situe, pois, do ponto de vista correto. Verá que nenhuma das revoltas dos operários franceses e ingleses teve um caráter tão teórico e consciente como a revolta dos tecelões silesianos.

    Lembre-se, antes de mais nada, a canção dos tecelões, aquela audaz palavra-de-ordem de luta na qual lar, fábrica e distrito não são mencionados uma vez sequer e na qual, pelo contrário, o proletariado proclama, de modo claro, cortante, implacável e poderoso, o seu antagonismo com a sociedade da propriedade privada. A revolta silesiana começa exatamente lá onde terminam as revoltas dos trabalhadores franceses e ingleses, isto é, na consciência daquilo que é a essência do proletariado. A própria ação traz este caráter superior. Não só são destruídas as máquinas, essas rivais do trabalhador, mas também os livros comerciais, os títulos de propriedade, e enquanto todos os outros movimentos se voltavam primeiramente contra o senhor da indústria, o inimigo visível, este movimento volta-se também contra o banqueiro, o inimigo oculto. Enfim, nenhuma outra revolta de trabalhadores ingleses foi conduzida com tanta coragem, reflexão e duração.

    No que concerne à condição ou à capacidade cultural dos trabalhadores alemães em geral, remeto aos geniais escritos de Witilng, os quais, sob o aspecto teórico, muitas vezes ultrapassam o próprio Proudhon, embora permaneçam aquém dele no que se refere à forma. Onde poderia a burguesia - incluídos os seus filósofos e eruditos - exibir uma obra igual à de Weitilng: Garantien der Harmonie und Freiheit, relativa à emancipação da burguesia, à emancipação política? Caso se compare a insossa e tola mediocridade da literatura política alemã com essa enorme e brilhante estréia literária dos operários almães; caso se compare esse gigantesco calçado de criança do proletariado com a disforme pequenez do gasto calçado político da burguesia alemã, deve-se prognosticar para a Cinderela alemã uma figura de atleta. Deve-se admitir que o proletariado alemão é o teórico do proletariado europeu, assim como o proletariado inglês é o seu economista e o proletariado francês o seu político. Deve-se admitir que a Alemanha tem uma vocação tão clássica para a revolução social quanto é incapaz de uma revolução política. Com efeito, assim como a impotência da burguesia alemã é a impotência política da Alemanha, assim a disposição do proletariado alemão - ainda que prescindindo da teoria alemã - é a disposição social da Alemanha. A desproporção entre o desenvolvimento filosófico e o desenvolvimento político na Alemanha não é nenhuma anormalidade. É uma desproporção necessária. Somente no socialismo pode um povo filosófico encontrar a sua práxis correspondente e, portanto, somente no proletariado o elemento ativo da sua libertação.

    Mas, nesse momento, não tenho nem tempo nem disposição para explicar ao “prussiano” a relação da “sociedade alem㔠com a revolução social, e, a partir dela, de um lado a fraca reação da burguesia alemã contra o socialismo e, de outro, as excelentes disposições para o socialismo do proletariado alemão. Ma minha Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel (Deutsch-Franzosische Jahrbucher), ele encontrará os primeiros elementos para compreender esse fenômeno.

    A inteligência dos alemães pobres está, portanto, em uma relação inversa com a inteligência dos pobres alemães. No entanto, pessoas para as quais qualquer assunto deve servir para exercícios públicos de estilo, vêem-se levadas, através dessa atividade formal, a um conteúdo equivocado, equivocado, por sua vez, imprime novamente à forma o selo da banalidade. Deste modo, a tentativa do “prussiano”, em uma ocasião como essa das revoltas dos operários silesianos, de expressar-se na forma de antíteses, leva-o à maior antítese contra a verdade. A única tarefa de uma mente pensante e amiga da verdade frente à primeira explosão da revolta dos trabalhadores silesianos, não consistia em desempenhar o papel de pedagogo desse acontecimento, mas, pelo contrário, em estudar o seu caráter peculiar. Para isto, requer-se, antes de mais nada, uma certa perspicácia científica e um certo amor pela humanidade, ao passo que, para a outra operação, é suficiente uma fraseologia ligeira, embebida em uma complacência vazia.

    Por que o “prussiano” julga com tanto desprezo os trabalhadores alemães? Porque ele acha que toda a questão - isto é, a questão da miséria dos operários - está abandonada “ainda até hoje” pela “alma política que penetra tudo”. Eis como ele vai derramando o seu amor platônico pela alma política:

    “No sangue e na incompreensão serão sufocadas todas as revoltas que explodem nesse desesperado isolamento dos homens da comunidade e de suas idéias dos princípios sociais; mas logo que a miséria tiver gerado o intelecto e o intelecto político dos alemães tiver descoberto as raízes da miséria social, então também na Alemanha esses acontecimentos serão percebidos como sintomas de uma grande mudança”.

    Permita-nos o “prussiano”, antes de mais nada, uma observação estilística. Sua antítese está incompleta. Na primeira metade, diz-se: a miséria gera o intelecto e na segunda metade: o intelecto político descobre as raízes da miséria social. O intelecto simples, na primeira metade da antítese, torna-se, na segunda metade, um intelecto político, como a miséria simples da primeira metade da antítese torna-se, na segunda, uma miséria social. Por que motivo o nosso estilista tratou de maneira tão desigual as duas metades da antítese? Não creio que tenha notado isso. Vou mostrar-lhe o seu verdadeiro instinto. Se o “prussiano” tivesse escrito: “A miséria social gera o intelecto político e o intelecto político descobre as raízes da miséria social”, nenhum leitor atento teria deixado de perceber a falta de sentido dessa antítese. Todo mundo se teria perguntado, antes de mais nada, por que o anônimo não opõe o intelecto social à miséria social e o intelecto político à miséria política, como manda a lógica mais elementar. Mas vamos ao que interessa!

    Tão falso é que a miséria social gere o intelecto político, como mais verdadeiro é antes o contrário, isto é, que o bem-estar social gera o intelecto político. O intelecto político é um espiritualista e é concedido a quem já possui e desfruta das comodidades. Que o nosso “prussiano” ouça, a esse propósito, um economista francês, o senhor Michel Chevalier:

    “No ano de 1789, quando a burguesia se sublevou, para ser livre faltava-lhe apenas a participação no governo do país. Para ela, a libertação consistiu em arrebatar das mãos dos privilegiados que tinham o monopólio dessas funções, a direção dos negócios públicos, as mais altas funções civis, militares e religiosas. Sendo rica e ilustrada, podendo bastar-se e dirigir-se a si mesma, ela queria subtrair-se ao régime du bon plaisir”.

    Já demonstramos ao “prussiano” quanto o intelecto político é incapaz de descobrir a fonte da miséria social. Apenas mais uma palavra sobre essa sua concepção. Quanto mais evoluído e geral é o intelecto político de um povo tanto mais o proletariado - pelo menos no início do movimento - gasta suas forças em insensatas e inúteis revoltas sufocadas em sangue. Uma vez que ele pensa na forma da política, vê o fundamento de todos os males na vontade e todos os meios para remediá-los na violência e na derrocada de uma determinada forma de Estado. Demonstração: as primeiras revoltas do proletariado francês. Os operários de Lyon julgavam perseguir apenas fins políticos, ser apenas soldados do socialismo. Deste modo, o seu intelecto político lhes tornou obscuras as raízes da miséria social, falseou o conhecimento dos seus objetivos reais e, deste modo, o seu intelecto político enganou o seu instinto social.

    Mas se o “prussiano” acha que a miséria gera o intelecto, por que então coloca junto os “sufocamentos no sangue” e os “sufocamentos na incompreensão”? Se a miséria é, em geral, um meio, a miséria sangrenta será então um meio muito agudo para gerar a compreensão. Portanto, o “prussiano” deveria ter dito: o sufocamento em sangue sufocará a incompreensão e trará à compreensão uma oportuna lufada de ar.

    O “prussiano” prognostica o sufocamento das revoltas que irrompem no “desesperado isolamento dos homens da comunidade e na separação de suas idéias dos princípios sociais”.

    Já demonstramos que a revolta silesiana de modo nenhum se realizou num estado de separação entre as idéias e os princípios sociais. Temos agora que nos haver com o “desesperado isolamento dos homens da comunidade”. Por comunidade se deve entender aqui a comunidade política, o Estado. É sempre a velha cantilena da não-politicidade da Alemanha.

    Por acaso não rebentam todas as revoltas, sem exceção, no desesperado isolamento do homem da comunidade? Será que qualquer revolta não supõe necessariamente esse isolamento? Teria havido a revolução de 1789 sem o desesperado isolamento dos cidadãos franceses da comunidade? Ela estava destinada exatamente a suprimir esse isolamento.

    Mas a comunidade da qual o trabalhador está isolado é uma comunidade inteiramente diferente e de uma outra extensão que a comunidade política. Essa comunidade, da qual é separado pelo seu trabalho, é a própria vida, a vida física e espiritual, a moralidade humana. A essência humana é a verdadeira comunidade humana. E assim como o desesperado isolamento dela é incomparavelmente mais universal, insuportável, pavoroso e contraditório, do que o isolamento da comunidade política, assim também a supressão desse isolamento e até uma reação parcial, uma revolta contra ele, é tanto mais infinita quanto infinito é o homem em relação ao cidadão e a vida humana em relação à vida política. Deste modo, por mais parcial que seja uma revolta industrial, ela encerra em si uma alma universal; e por mais universal que seja a revolta política, ela esconde, sob as formas mais colossais, um espírito estreito.

    O “prussiano” fecha dignamente o seu artigo com esta frase:

    “Uma revolução social sem alma política (isto é, sem uma visão organizativa do ponto de vista da totalidade), é impossível”.

    É óbvio. Uma revolução social se situa do ponto de vista da totalidade porque - mesmo que aconteça apenas em um distrito industrial - ela é um protesto do homem contra a vida desumanizada, porque parte do ponto de vista do indivíduo singular real, porque a comunidade, contra cuja separação o indivíduo reage, é a verdadeira comunidade do homem, é a essência humana. Ao contrário, a alma política de uma revolução consiste na tendência das classes politicamente privadas de influência a superar o seu isolamento do Estado e do poder. O seu ponto de vista é aquele do Estado, de uma totalidade abstrata, que subsiste apenas através da separação da vida real, que é impensável sem o antagonismo organizado entre a idéia geral e a existência individual do homem. Por isso, uma revolução com alma política organiza também, de acordo com a natureza limitada e discorde dessa alma, um círculo dirigente na sociedade às custas da sociedade.

    Gostaríamos de confidenciar ao “prussiano” o que é “uma revolução social com uma alma política”; com isso também lhe revelamos o segredo de porque ele não consegue, mesmo nos seus torneios estilísticos, elevar-se para além do limitado ponto de vista político.

    Uma revolução “social” com uma alma política ou é um completo absurdo, se o “prussiano entende por revolução “social” uma revolução “social” contraposta a uma revolução política e apesar de tudo confere à revolução social uma alma política, além de social, ou, então, uma “revolução social com uma alma política” não é mais do que uma paráfrase do que já se chamou uma “revolução política” ou “simplesmente uma revolução”. Toda revolução dissolve a velha sociedade; neste sentido é social. Toda revolução derruba o velho poder; neste sentido é política.

    Que o “prussiano” escolha entre a paráfrase e o absurdo! Contudo, se é parafrásico ou absurdo uma revolução social com uma alma política, é racional, ao contrário, uma revolução política com uma alma social. A revolução em geral - a derrocada do poder existente e a dissolução das velhas relações - é um ato político. Por isso, o socialismo não pode efetivar-se sem revolução. Ele tem necessidade desse ato político na medida em que tem necessidade da destruição e da dissolução. No entanto, logo que tenha início a sua atividade organizativa, logo que apareça o seu próprio objetivo, a sua alma, então o socialismo se desembaraça do seu revestimento político.

    Toda essa prolixidade foi necessária para rasgar o tecido de erros que se esconde em apenas uma coluna de jornal. Nem todos os leitores podem ter a cultura e o tempo necessários para perceber uma tal charlatanice literária. Não tem, portanto, o “prussiano”, diante do público leitor, o dever de renunciar momentaneamente a qualquer atividade de escritor no campo político e social, bem como às declamações sobre a situação da Alemanha, e de começar um consciencioso exame da sua própria situação?

    Vorwarts!, nº 64, dez de agosto de 1844

    Tradução de Ivo Tonet. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor da Universidade Federal de Alagoas

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    Sérgio Elyel Quinta, 25 de março de 1999, 13h29min

    Cara Samantha,

    O tema é de uma atualidade fenomenal. Venho refletindo a algum tempo sobre questões estruturais Direito. A linha de exposição que v. adotou na proposta do tema merece aplausos pela objetividade e clareza.

    Eu venho questionando a ausência de superioridade da "Justiça" (aqui considerada do ponto de vista ideo-axiológico) frente a temas técnicos (na minha opinião) secundários, que parece poderem ser resumidos a três ordens, genericamente concebidas: A Lei, o Direito e o Processo.

    Isto é, de toda a problemática em que se envolvem juristas de todas as estirpes e concepções, resulta, num extrato, ocupação (e preocupação) ou com a Lei, ou com o Direito, ou com o Processo.

    O tecnicismo impera não só no dia a dia forense, como também no cotidiano da vida comum. Daí não se poder negar que o problema não se resume no aspecto meramente jurídico. É, inegavelmente, um problema social, cultural, étnico, religioso etc.

    Por outras palavras, o mero redirecionamento ideológico do jurista, ajuda (e muito), mas não resolve, "in totum", o problema da justiça. Existe uma espécie de "conivência inconsciente" ao sistema.

    A elevação de conceitos por parte dos jusfilósofos seria uma contrtibuição (imprescindível) para a evolução da sociedade.

    A propósito, se v. puder, eu ficaria feliz pelo seu comentário ao tema que propus deste mesmo forum "Ensaio para a hegemonia do Direito Justo" - que trata, com outras palavras do mesmo tema que v. sugeriu.

    Minha impressão pessoal é de que necessário se faz a inversão da direção evolutiva do Direito imposta desde Kelsen e Comte, impingindo como característica fundamental do Direito a sua Positividade. O Direito considerado apenas positivamente é o Direito em função do próprio Direito. Não se posta para servir o Homem. O mesmo se diga da Lei e do Processo. O Direito existe para o homem, e não o homem para o Direito. Daí a nossa admiração (dos juristas aqui do sudeste) da escola sulista da hermenêutica jurídica - bem mais evoluída na inexorável inclinação para o "Direito Alternativo", tão censurado deste lado do mapa.

    Por outro lado, parece-me imperiosa a "vulgarização" e simplificação das proposições jurídicas, tanto legais como conceituais ou técnico-procedimentais, para o fim de, alcançando o conhecimento comum, se ter a exigência efetiva de sua aplicação social. Neste particular, há tempos que a preocupação capital é a de que o Direito deixe de ser Ciência. Aqui faço minhas as palavras do chileno Júlio Varas, quando disse que se o Direito não se despositivar corre o risco de se perder como ciência.

    Se me permite, envio o discurso com que abri a cerimônia de lançamento da obra "A Justiça no Limiar do Terceiro Milênio", sem edição pública, pois destinada apenas à biblioteca Rui Barbosa da Faculdade de Direito de Bauru. Seria muito gratificante receber comentários a respeito.

    "A Justiça para o Terceiro Milênio"

    À força da necessidade de evolver em direção ao ideal de justiça, entendido na milenar concepção de “dar a cada um o que é devido”, o processo civil institucionalizado, depois da emancipação científica proposta por BÜLOW, experimentou diversas linhas de acepções filosóficas, sempre variando, como sói acontecer com o Direito em geral, ao sabor de influxos efêmeros que a atividade humana encontra no caminhar de sua existência.

    Todavia, o ideal perene sempre foi a verdadeira Justiça. E neste desiderato escondeu-se o homem do direito sob a sofistaria engendrada a partir da afirmação inconcussa de que a justiça plena faz parte da inatingível perfeição.

    Esta afirmação contudo, em que pese a reserva com que se intenta tratar do assunto, não raras vezes serviu de pretexto a inconfessáveis aspirações de cunho individualista, obstando (ou ao menos dificultando) a elevação da ciência do direito à plataforma almejada da justiça, na mais ampla acepção que da expressão possa resultar.

    Mas a tomada de consciência social erigiu imposição inelutável a que as ciências sociais dominantes atentassem aos fins colimados do direito, visto este da forma introspectiva de aplicação da lei, como pressuposta manifestação da justiça, e da forma retrospectiva ou exógena, da verificação social de suas manifestações práticas.

    O Processo Civil, em meio a esta revolução dos conceitos sociais, foi o ponto nevrálgico das mudanças e, como não poderia deixar de ser, onde mais se acentua a inflexão ao ideal axiológico do Direito, visto como é por ele que este mais se ostenta à sociedade e por ele esta busca, tão intensamente assegurar seus interesses intersubjetivos.

    Entretanto, esta intersubjetividade nos interesses manifesta-se apenas quando em conflito. Daí a clássica definição de CARNELUTTI quando reportando-se à lide para, em silogismo, definir os institutos fundamentais do processo.

    A previsão da ocorrência do conflito, contudo, afasta-se da acepção da “Justiça Ideal” para preventivamente municionar a sociedade de meios adequados à solução dos conflitos e o mister retorno à paz social.

    Mas a expressão “Justiça Ideal” exige elevação conceitual. Para ela urge desprender do mero estereótipo existente e envolver todos os possíveis pontos onde a criatura humana possa, física ou espiritualmente, tocar. Desobstruir o conceito do justo e do injusto implica, necessariamente, volver a interesses supra-individualistas, pois do enfoque puramente consciencioso, implica a justiça na mais ampla idéia de igualdade, fraternidade, bondade, liberdade, honestidade, moralidade, podendo, numa palavra, harmonizar-se com a idéia de felicidade. É esta “voz secreta da alma, aprovando ou reprovando nossas ações” que melhor indica assaz qual seja o melhor conceito que se alcance ter da Justiça. Força entretanto se atirar o homem em busca desta, como ânsia inevitável à felicidade, posto como o bem-estar, considerado a partir da sensação interior do homem, somente alcançará a plenitude, selando assim os ímpetos deste anelo buliçoso quando, se alcançar a paz plena da “Justiça Ideal”.

    Não se pode olvidar, porém, que pela média social da consciência pesa outrossim a molesta natureza mortal do ser humano, acentuadamente egoísta e por instinto violenta. PONTES DE MIRANDA refletiu sobre os instintos e sobre eles escreveu , demonstrando, com sua erudição filosófica inigualável, que há, sempre, alguma razão para que os instintos permaneçam em potencial na natureza viva do nosso mundo. E é da natureza humana não conformar-se com a injustiça. Todavia esta insurreição é comprovadamente mais corriqueira no tocante a defesa dos interesses pessoais, não se buscando com a mesma veemência a proteção dos interesses supra-individuais, exceto, é evidente, acontecimentos menos comuns de luta pia e desinteressada de grupos diversos, organizações dispersas físicas e intencionalmente, quase sempre focalizando um tema à dedicação exclusiva pelo que buscam irrequietamente conscientizar o mundo daquilo que julgam imprescindível à realização social do bem-estar humano. Assim os organismos de defesa do equilíbrio do meio-ambiente, os órgãos de defesa dos direitos humanos, da cidadania etc. Estas e suas correlatas atividades têm como cabedal aquela acepção ultra-individualista de pensar, fazendo parte de uma mentalidade elevada à natureza supra-mortal da consciência.

    A participação humana no processo, quando se não apresenta como objeto das transformações inexoráveis da vida em função da ambiência que possui, apresenta-se, sempre, não integral, tampouco unitária. A unidade da revolução mundial se forma ora da soma, ora da síntese das consciências individuais, ora da gradual adesão dos indivíduos à nova maneira de pensar ou de agir. O influxo das diversas ordens de extratos sociais, partindo do pressuposto da estratificação fundamental das sociedades, isto é, de suas diversas atividades ou manifestações, tanto físicas quanto espirituais, - incluindo aí o trabalho, o sexo, a raça, a religião, a profissão, a idade etc, ou seja, afastando o conceito puramente ideológico da estratificação social, alçando a expressão no sentido mais genérico, sem referir-se com exclusividade ao fator econômico-social - tem sido, maioritariamente, um compartilhar passivo. As exceções, por conta do poder, sempre detidos por indivíduos exponenciais, contribuem ora com imposição da força, quando pela força o poder se mantém, ora por salutar persuasão coletiva, quando legitimado o poder pela conveniência social.

    E é neste campo que predomina os ideais proclamados pelo direito, na voz dos eminentes juristas que o mundo possui. Não é por acaso. As opiniões dos juristas, em sua forma original, devem se apresentar conforme o anseio da coletividade, legitimando-se a medida em que logra absorção social e alcança reconhecidamente a satisfação pública com o objeto ou o efeito da proposição jurídica produzida. Em outras palavras, pensando como pensaria o sujeito comum, o cidadão, o jurista propõe o direito e dele obtêm a ilação de apoio. Do contrário, a aplicação é impositiva, quiçá autoritária. E, como hodiernamente é axiomático que a liberdade segue a vida como direito indispensável à verdadeira condição humana, vale dizer, para que exista, em essência e na sua completude, a idéia de “ser humano”, forçoso é que nele se contemple a liberdade. Isto corrobora a assertiva de que é no jurista, ou mais amplamente no Direito que o indivíduo encontrará eco aos anseios interiores de Justiça.

    Daí se passa a pensar o direito como fenômeno inseparável da idéia de justiça. Segue então que o Direito (tanto no conceito vulgar quanto no científico) deve ser justo. A ciência do Direito também deve ser justa. E a que justiça se deve referir neste ponto? Àquela proposição axiológica de “dar a cada um o que é devido”? Não seria mais interessante optar pela proposição lógica de DANTE: “Jus est reali ac personalis hominis ad hominem proportio quae servata, servat societatem; corrupta corrupit”? Esta feliz definição do poeta tem abrangência maior do que a que se costuma lhe admitir o conceito geral. Abarca, em última análise a ambicionada “Justiça Social”, e no âmbito das discussões políticas o Estado de Direito, uma vez que sem este, o poder que dá unidade à coletividade estatal é autofágico

    Na história mais recente, havendo sido transferido o poder do orbe do domínio sacerdotal para o temporal, onde colaborou destacadamente a obra de NICOLAU MAQUIAVEL, a ambição do poder também tocou às raias do insuportavelmente injusto, nas mãos dos Reis, que representavam o Estado totalitário. O totalitarismo, mesmo tendo suas raízes em tempos remotíssimos, remanesce, com significativa expressão, ainda nos dias atuais, sendo, numa palavra, a imposição do mais forte, a mesma da era pré-histórica, com a única diferença dos meios de força utilizados, que evoluíram.

    Contudo, esta forma de Estado vai, paulatinamente deixando de existir, valendo registrar a presente revolução que se noticia no continente asiático, precisamente na Indonésia, um dos últimos redutos do totalitarismo estatal da atualidade.

    Pois bem, a contribuição dos juristas nesta evolução histórica segue seus passos através das diversas ramificações da Ciência do Direito, sendo que é na esfera da Ciência do Processo o lugar onde este adjutório mais se evidencia e obtém maiores resultados.

    Depois de sofrer inexorável influência do positivismo jurídico, iniciado em KELSEN e sedimentado em COMTE, a Ciência do Processo evolui rapidamente, vivendo nos dias atuais superação do modelo iflexivelmente traçado pelo ultra-formalismo que fez o chileno JÚLIO VARAS asseverar, com notável propriedade que “ se o direito não se despositivar corre o risco de se perder como ciência”. Isto porque o Direito existe para o homem e não o homem para o direito. A abstração deve limitar-se ao suficiente para a elaboração de premissas genéricas nas quais se compreendam os atos e fatos presentes e futuros particulares ou coletivos. E só. É a abstração da norma e ponto final. Não se pode abstrair o direito do homem. Não há direito absolutamente desligado do homem. Oportuno neste azo reportar à oração do inesquecível VICENTE RÁO na introdução de sua obra “O Direito e a Vida dos Direitos”: “Parte-se ora do pressuposto do Estado, ora do pressuposto da sociedade para, em seguida e só em seguida encontrar-se à conceituação do Direito, aquela conceituação que relega o homem ao plano secundário, como se possível fosse criar-se uma coletividade próspera e feliz, formada por criaturas infelizes e miseráveis, despidas de seus mais elementares direitos, sem os quais a própria dignidade da vida perece”

    Volvendo, pois, os olhos ao escopo principal de sua existência, o Processo Civil brasileiro, sob a influência do magnífico pensamento de CÂNDIDO DINAMARCO, exposto em sua doutoral monografia sob o tema “A Instrumentalidade do Processo”, passa hoje por significativa mudança de paradigmas, pelo que se verifica na intstumentalidade o fundamento basilar das recentes alterações, havidas no plano legislativo de molde a propiciar maior efetividade da prestação jurisdicional.

    Esta vicissitude tem por desígnio maior o sentido de colaboração, isto é, na busca incessante da anelada justiça, esta é a valiosíssima contribuição da Ciência Processual à elevação do homem à Justiça, como expressão da felicidade social.

    Tratada pelos mais diversos e exponenciais doutrinadores pátrios - CÂNDIDO DINAMARCO, SÉRGIO BERMUDES, ADA PELEGRINI GRINOVER, JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM, entre outros - a reforma do processo civil tem passado pelo crivo destes doutos pensadores, alcançando na maioria das vezes o beneplácito destes eminentes juristas quanto à direção até aqui seguida. A exceção, como narra o grande DINAMARCO , fica por conta de alguns poucos juristas acometidos de neofobia, que ainda relutam em ver o processo absolutamente arredado do sistema geral do Direito, e por consequência do próprio homem.

    A despeito de ser por meio da percuciente análise doutoral dos notáveis do direito o meio mais seguro de se consagrar as novidades do processo, força é saudá-las também os de menos expressão; ou seja, nós, os acadêmicos do Direito, visto como aprendendo em meio às viravoltas legislativo-conceituais, pode-se ter a exata noção do elemento histórico que funda o novo juízo. Este elemento, nas palavras do grande CARLOS MAXIMILIANO, é indispensável para que se torne “ possível manejar com desembaraço e aprender a fundo uma ciência que se relacione com a vida do homem em sociedade”.

    A renovação do pensamento, sem o qual “ não há programa de reforma que possa ter sucesso” , passa inevitavelmente pelos de menor expressão doutrinária, dentre os quais os estudantes de Direito que, não raras vezes emitem opiniões da mais alta propriedade.

    A evolução moral na humanidade deve prosseguir com suas metamorfoses, galgando, paulatinamente, graus cada vez mais altos de nobreza intelectual, do que certamente resultará ascensão cada vez maior dos meios com que se buscará o desiderato da verdadeira Justiça.

    Neste contexto, o elemento humano, como o principal fator de crescimento moral nesta direção, é representado por idéias que, se envoltas em veraz sentimento de justiça, mudará o mundo, até limites inimagináveis de satisfação social. É a nossa proposta. É o nosso trabalho. É o nosso ideal."

    Bauru, maio de 1998.

    Sérgio Elyel Izidório

    Boa sorte.

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    SILVONEI SILVA Quinta, 22 de abril de 1999, 17h50min

    Colega, o direito positivo nunca acomapnhará a evolução da conduta humana que se renova a cada dia, seja para o bem, seja para o mau. Digo para ambas as situações pois o direito positivo traça normas que protegem o bem e que penaliza o mau, em qualquer dos seus ramos. Não existe um direito ideal. Nunca existirá direito suficiente para atender à demanda da sociedade pois a cada conduta normatizada outras surgirão antes de que qualquer norma legal seja editada ou mesmo decisão judicial tenha sido tomada. Para mim, o ideal do direito e de justiça, em termos gerais como colocado o tema é impossível e por isto tenho buscado sempre o impossível pois como tenho dito, se não buscarmos o impossível não conseguiremos melhorar coisa alguma. E, finalmente, também tenho dito que o direito é igual a um bom vinho, quanto mais você depura mais êle fica puro e cristalino. Assim, cabe aos advogados, julgadores e a toda a sociedade está sempre alerta pois a depuração do direito ocorre com as discussões que são travadas e as opiniões emitidas sobre o assunto. Abraço, SILVONEI SILVA (071) 972-4216

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    Bruno Paiva da Fonseca Quarta, 06 de setembro de 2000, 0h14min

    Cara Samantha. Convido-a a participar do debate contido no tema Direito Alternativo, deste mesmo Fórum.

Essa dúvida já foi fechada, você pode criar uma pergunta semelhante.