A afirmação de que "quem colide atrás é sempre responsabilizado" porque "não manteve distância segura" é um tanto simplista para se aplicar a qualquer situação indistintamente.
Primeiro porque pela dinâmica do acidente aqui descrito, temos resumidamente: um primeiro carro parou na faixa; o segundo carro (do pai da yyyara) parou atrás dele; e em seguida um terceiro (do garoto) colidiu no segundo carro e o jogou contra o primeiro.
Nesses casos, os tribunais entendem que o veículo que é atingido por outro serve apenas como objeto de arremesso, e quem responde é o condutor do veículo que o arremessou (no caso, o do garoto). O colega Antônio Gomes já até postou acima uma decisão nesse sentido. Mesmo assim, trago mais algumas:
TJMG
"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ENGAVETAMENTO - RESPONSABILIDADE DO VEÍCULO ARREMESADOR - DEMAIS VEÍCULOS, MEROS PROJÉTEIS - LUCROS CESSANTES CORRESPONDENTE AOS DIAS DE INATIVIDADE. - A posição predominante na jurisprudência é no sentido de que, nos acidentes de trânsito com engavetamento, em que um veículo, atingido por trás, é arremessado contra os da frente, a responsabilidade é do condutor do veículo arremessador, pois o atingido não passa de mero projétil ou instrumento causador dos danos. - Os lucros cessantes são devidos em valor correspondente aos dias de inatividade. - Recurso provido em parte."
TJRS
""Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO ORDINÁRIA. ENGAVETAMENTO. 1. Verificando-se que o agente que colidiu com a traseira do veículo da autora atuou como corpo neutro no engavetamento, não há falar em sua condenação à reparação dos prejuízos sofridos pela autora, visto não possuir qualquer responsabilidade pelo acidente de trânsito."
"RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLÍSÃO POR TRÁS. ENGAVETAMENTO. RESPONSABILIDADE DO CONDUTOR DO VEÍCULO QUE COLIDE NA TRASEIRA DE VEÍCULO QUE SEGUIA A SUA FRENTE PROJETANDO-O CONTRA O DO SEGUNDO RÉU. TEORIA DO CORPO NEUTRO. 1. O recorrente foi o responsável pelos danos causados ao automóvel do autor. Incide na hipótese a teoria do corpo neutro, tendo o veículo do autor, no qual colidiu o réu, sido arremessado contra o caminhão do segundo demandado, que efetuava manobras na pista, colidindo em sua lateral."
Essas decisões nada mais refletem a premissa legal, estabelecida nos artigos 186 e 927 do Código Civil de que a responsabilidade civil que gera dever de indenizar pressupõe, dentre outros elementos uma CONDUTA VOLUNTÁRIA, dolosa ou culposa.
Ora, se o veículo do pai da yyyara estava parado e foi arremessado contra o primeiro, não houve conduta, dolosa ou culposa, de sua parte. Houve aqui um caso fortuito, que ele não poderia evitar.
E nem se diga que teria havido culpa pelo fato de ele não "ter mantido distância segura do veículo da frente" e que por isso ele foi negligente.
O Código de Trânsito, em seu art. 29, prevê realmente a obrigação de todo motorista manter essa distância segura do veículo que segue à frente:
"Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:
(...)
II - o condutor deverá guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu e os demais veículos, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade e as condições do local, da circulação, do veículo e as condições climáticas;"
Só que há um pequeno detalhe: a regra é expressa ao dizer que se deve levar em conta "no momento, a velocidade e as condições do local, da circulação, do veículo e as condições climáticas"
Veja que o artigo, dentre os vários fatores cumulativos a serem considerados, fala em "VELOCIDADE", como um dos elementos a serem considerados NO MOMENTO DA MANOBRA para se determinar se uma distância é segura ou não.
O próprio conceito de velocidade no Dicionário Aurélio ajuda a elucidar a questão:
"
(...)
3.Fís. Relação entre uma distância percorrida e o tempo de percurso, no movimento uniforme."
Velocidade pressupõe movimento, ou seja, DISTÂNCIA PERCORRIDA X tempo.
Ou seja: quanto maior a velocidade desenvolvida na via (juntamente com as condições dessa via, do veículo, do clima etc.) maior deverá ser a distância observada entre os veículos.
O que podemos concluir disso tudo? QUE A REGRA DO ARTIGO 29, II, APLICA-SE QUANDO OS VEÍCULOS ESTÃO EM MOVIMENTO, E NÃO QUANDO ESTÃO PARADOS!
Se o movimento não fosse um dos seus pressupostos, por que então a lei haveria de falar em velocidade?? QUEM ESTÁ PARADO NÃO DESENVOLVE VELOCIDADE!!
Ora, se os veículos estavam parados no sinal, não há que se falar aqui em velocidade, que como já dito, é elemento a ser observado no cálculo da distância segura. Se a velocidade é elemento exigido pelo artigo 29 do CTB para efeito de se manter distância segura, qual a velocidade devo utilizar nessa situação? 0 (zero) km por hora???
E não se falando em velocidade, não vejo como se pode aferir objetivamente uma "distância segura" nessa situação.
Imagine que o pai da yyyara estivesse totalmente parado a 5 centímetros da traseira do outro carro da frente... e viesse um carro por trás lhe desse um "totozinho" na traseira, incapaz de deslocá-lo para a frente... nesse caso, a distância era segura, pois não o fez acertar o da frente..
Agora imagine que estivesse a 5...10 metros atrás do carro da frente, e fosse colhido na traseira por um carro em alta velocidade e o carro dele fosse arrastado até bater nesse carro da frente... ainda assim ele teria deixado de manter uma distância segura do carro da frente so porque houve a colisão? Ele deixou de respeitar a "velocidade" que o artigo 29 exige deva ser observada?