FRAUDE CONTRA CREDORES E FRAUDE À EXECUÇÃO - DIFERENÇAS
Marcelo Jerfeson Evangelista Bento dos Santos()
() Advogado, pós-graduando em direito constitucional pela Escola Superior de Advocacia do Piauí em convênio com a Universidade Federal do Piauí, Assessor da Procuradoria Regional do Trabalho da 22ª Região (PI)
Em muito diferem os institutos da fraude à execução e da fraude contra credores.
Esta última é lesão que atinge interesses privados dos credores quirografários. Está capitulada como uma das modalidades de defeito do ato jurídico, nos arts. 106 a 113 do Código Civil pátrio.
É sabido que é consectário da propriedade a prerrogativa de disposição dos bens objeto do domínio. Entrementes, essa disposição tem um de seus limites na segurança dos credores do proprietário. Se é assim - e o patrimônio do devedor é a garantia dos que lhe têm crédito a opor - não pode a lei compactuar com alienações ou gravames que venham a gerar a insolvência do devedor, ou que a aumentem, quando já verificada.
A lei civil garante, então, ação revocatória (Pauliana) sempre que se verifiquem, concomitantemente, a presença do "eventus damni" (elemento objetivo, consistente no prejuízo verificado pelos credores, que tiveram atingida a garantia de seu crédito) e o "consilium fraudis" (este último, o elemento subjetivo representado pela consciência de que a alienação prejudica os credores do transmitente).
Vê-se que, para a configuração da fraude contra credores, a lei civil exige o elemento subjetivo. Como afirma Sílvio Rodrigues "o direito de livre disposição do devedor esbarra na barreira representada pelo interesse dos credores, e só não é por ela vencido quando houver que respeitar interesse de terceiro de boa-fé."
A fraude contra credores aparece nos atos de transmissão gratuita de bens ou de remissão de dívidas, nos atos a título oneroso, no pagamento antecipado de dívidas vincendas e na constituição de direitos de preferência a um ou alguns dos credores quirografários.
Os legitimados a mover Ação Pauliana são apenas os credores quirografários, como expresso na parte final do "caput" do art. 106 do C.C. Isso porque os demais credores têm acervos que garantem seus créditos através de bens específicos. Tais bens, se, porventura, alienados, podem ser perseguidos por direito de seqüela, que possibilita a penhora nas mãos de quem quer que estejam.
A fraude à execução, por sua vez, é verificada no curso do processo excutivo. O CPC, no art. 600, I, considera tais atos como "atentatórios à dignidade da Justiça".
Eis a diferença substancial em relação à fraude praticada contra credores: a fraude à execução frustra a atuação da Justiça e, por isso, é repelida mais energicamente.
Destarte, não há necessidade de qualquer ação para que reste anulado ou desconstituído o ato de disposição fraudulenta, porque a lei considera tal ato como ineficaz perante o exeqüente.
Não há, portanto, que se falar em nulidade ou anulabilidade, porque o negócio entabulado em detrimento da execução, não obstante válido nas searas de alienante e adquirente, não gera efeitos em relação ao exeqüente, e não lhe pode ser oposto.
Daí a disposição do art. 592, V, do CPC, pela qual são sujeitos à execução os bens alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução.
Essa fraude, ao contrário da praticada contra credores, não depende do estado de insolvência do devedor. Isso porque, mesmo solvente, o devedor frauda a execução quando aliena ou onera bem vinculado ao processo executivo. Nesses casos, o gravame judicial segue o bem, esteja no poder de quem quer que seja.
Por isso, pouco importa a boa-fé do adquirente. Na fraude à execução, não se exige o elemento subjetivo - "consilium fraudis". Como ensina Liebman, citado por Humberto Teodoro Júnior, "a intenção fraudulenta está na in re ipsa; e a ordem jurídica não pode permitir que, enquanto pende o processo, o réu altere sua posição patrimonial, dificultando a realização da função jurisdicional."
Os casos de fraude à execução são elencados nos incisos do art. 593 do CPC, que assim considera os atos de alienação ou oneração de bens sobre os quais penda ação fundada em direito real, ou praticados quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência, além dos demais casos expressos em lei, como, "verbi gratia", a hipótese do art. 672, I, também do CPC.
Para concluir, é oportuno transcrever a síntese feita por Humberto Teodoro Júnior (ob. e loc. cit.):
"a) a fraude contra credores pressupõe sempre um devedor em estado de insolvência e ocorre antes que os credores tenham ingressado em juízo para cobrar seus créditos; é causa de anulação do ato de disposição praticado pelo devedor;
b) a fraude de execução não depende, necessariamente, do estado de insolvência do devedor e só ocorre no curso da ação judicial contra o alienante; é causa de ineficácia da alienação." Acrescente-se: ineficácia contra os credores.
Notas Bibliográficas:
1- "Direito civil", parte geral, vol. I, 22 ed., atual., São Paulo: Saraiva, 1988-1991, pág. 246.
2- "Curso de direito processual civil". processo de execução e processo cautelar, 16 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, pág. 111.