Segue trechos de Impugnação de Edital interposta administrativamente:

"A autora, interessada em participar do certame supracitado, adquiriu a pasta da licitação, vindo a deparar-se com a impossibilidade de ingressar efetivamente no processo licitatório, tendo em vista as cláusulas discriminatórias inclusas no instrumento convocatório ora discutido.

A impugnante trabalha exclusivamente como equipamentos ópticos, dentre estes, aparelhos de microscopia. Ao contrário de todas as demais empresas do ramo óptico, não se apresenta como intermediária, mas sim como fabricante, o que lhe permite oferecer preços bem mais vantajosos para a Administração Pública ou mesmo para o cliente particular, em relação aos que vem sendo praticados no mercado nacional.

O Edital da ** prevê uma cotação por lote, trazendo em seu bojo, agrupamentos de materiais, algumas vezes, nem mesmo relacionados entre si. Além do que, o oferecimento de proposta nestes moldes, anula a participação de possíveis proponentes que, assim como a requerente, trabalham exclusivamente com determinado ramo, atividade ou produto.

Ora, “para um bom entendendor”, é fácil enxergar que para um único licitante oferecer todos os equipamentos que estão sendo pedidos em cada lote, inevitavelmente, terá que adquiri-lo de empresas diversas, aplicando sobre cada um deles, uma margem de lucro, na maioria das vezes, exacerbada.

Querer oferecer equipamento de qualidade compatível com a melhor tecnologia encontrada no mercado e com preços certamente melhores que os praticados pelos demais concorrentes e não poder tendo em vista critérios inoportunos de compra adotados pela Administração Pública, vai além do inadmissível, chegando mesmo ao absurdo.

II. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

“A igualdade entre os licitantes é o princípio primordial da licitação – previsto na própria Constituição da República (art. 37, XXI) -, pois não pode haver procedimento seletivo com discriminação entre os participantes, ou com cláusulas do instrumento convocatório que afastem eventuais proponentes qualificados ou os desnivelem no julgamento (art. 3º, §1º, da Lei n.º 8.666/93)” (grifo nosso).

É justamente o que ocorre in casu. A cotação por lote discrimina os participantes que atuam exclusivamente em um determinado ramo ou atividade.

Além do que, a Administração, pelo princípio da legalidade, está obrigada a se pautar rigorosamente pelos ditames da lei. Com as inovações trazidas ao texto legal que disciplina a matéria, em se tratando de compra, sempre que possível, e assim se entenda, sempre que não trouxer prejuízo aos erário público ou, ainda, sempre que houver vantagem, será divida em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando a economicidade (art. 14, IV, da Lei n.º 8.666/93) (grifo nosso). “O termo ‘serão divididas’ obriga a Administração a dividir as aquisições de bens em parcelas que serão licitadas, se o conjunto da compra exigir licitação. A redação anterior dizia que essa possibilidade seria ‘a critério e conveniência da administração’. Com a nova redação, sai o critério e a conveniência e entra a obrigação de que serão divididas. Nunca adquirir bens em volume muito grande, evitando fazê-lo junto a um mesmo fornecedor” .

O objetivo de economicidade visado pelo legislador ordinário foi tamanho, que até mesmo admitiu, na compra de bens de natureza divisível e desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo, a cotação de quantidade inferior à demandada na licitação, com vistas a ampliação da competitividade (art. 23, §7º, da Lei n.º 8.666/93).

Pois bem, se é permitido, legalmente, oferecer quantidade inferior ao montante licitado, com fins a implementar a competitividade e por conseqüência auferir melhores preços, por que então não prever, desde o início, na própria convocação à participação na licitação, a cotação por item, permitindo assim o oferecimento de propostas por todos os interessados e qualificados, irrestritamente, e, por consequência, que os cofres públicos desembolsem estritamente o necessário à aquisição do que se está pretendendo comprar.

Desta forma, teríamos um processo cristalino, a ser alcançado por todos os interessados e não propenso a sofrer questionamentos durante todo o seu percurso.

Dizer que se está assim procedendo por atendimento às normas do BIRD, instituição responsável pelos recursos indicados no item 6.1 do edital , seria admitir que tais convênios se sobrepusessem à própria Carta Magna (art. 37, XXI), quando até mesmo os atos e tratados internacionais, após referendados pelo Congresso Nacional (CF, art. 49, I), via decreto legislativo e posterior edição de Decreto Presidencial, se incorporam ao ordenamento jurídico brasileiro caracterizados como infranconstitucionais, sujeitos, portanto, como qualquer outra norma infralegal, aos efeitos do controle de constitucionalidade. “Assim, os compromissos assumidos pelo Brasil em virtude de atos, tratados, pactos ou acordos internacioanais de que seja parte, devidamente ratificados pelo Congresso Nacional e promulgados e publicados pelo Presidente da República, apesar de ingressarem no ordenamento jurídico (CF, art. 5º, §2º), não minimizam o conceito de soberania do Estado-povo...”...

Pois bem, a Comissão de Licitação responsável explicou o procedimento adotado tendo em vista as normas do BIRD.

Em análise pormenorizada da Lei 8.666/93, há um dispositivo que prevê, em processo licitatório, a adoção de normas de instituições estrangeiras financiadoras (art. 42), mas para tanto, exige alguns requisitos, como por exemplo, despacho fundamentado ratificado pela autoridade superior do órgão comprador.

Pergunta-se, o referido despacho deverá ser emitido no início do processo, antes mesmo da feitura do Edital? Existem outras exigências legais que autorizem o Poder Público a licitar nessas condições? Posso oferecer proposta cotando apenas dois dos itens do lote, nos termos do art. 27, §7º da Lei 8.666K/93?

Pretendo ajuizar Ação Ordinária de Anulação Parcial do Edital. Gostaria de ouvir a opinião de alguns colegas. Fiz um levantamento jurisprudencial e não encontrei precedentes neste sentido. Se alguém possuir algum material que possa me fornecer, por favor, entre em contato.

Andréa (Advogada/JPA-PB)

Respostas

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    Sandro Henrique Araujo Quarta, 26 de abril de 2000, 16h38min

    Prezada Andrea,

    Não vislumbro, na hipótese vertente, violação das normas estatuídas pela Lei nº 8.666/93, com as alterações que lhe foram imprimidas pelas Leis nºs. 8883/94 e 9648/98, eis que o art. 42 do próprio Estatuto Licitatório, em seu § 5º, autoriza a adoção de procedimentos próprios em relação às às licitações internacionais, nos seguintes termos:

    "§5º. Para a realização de obras, prestação de serviços ou AQUISIÇÃO DE BENS com recursos provenientes de financiamento ou doação oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou organismo multilateral de que o Brasil seja parte, PODERÃO SER ADMITIDAS, NA RESPECTIVA LICITAÇÃO, as condições decorrentes de acordos, protocolos, convenções o tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, bem como AS NORMAS E PROCEDIMENTOS DAQUELAS ENTIDADES, inclusive quanto ao critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, o qual poderá contemplar, além do preço, outros fatores de avaliação, desde que por elas exigidos para a obtenção do financiamento ou da doação, E QUE NÃO CONFLITEM COM O PRINCÍPIO DO JULGAMENTO OBJETIVO e SEJAM OBJETO DE DESPACHO MOTIVADO DO ÓRGÃO EXECUTOR DO CONTRATO, despacho esse RATIFICADO PELA AUTORIDADE IMEDIATAMENTE SUPERIOR."

    Nesse sentido, se decidiu a 1ª Turma Cível do TJ de MS, por ocasião do julgamento da Ap. Cível B-XXI-35.437-6, ao proferir acórdão no sentido de que, em sede de licitação internacional, para compra de material com emprego de recursos alocados perante organismos internacionais, a observância das normas de licitação, ditadas por esses organismos, não se consitui em ilegalidade ou quebra da soberania nacional,ainda mais se no contrato de empréstimo celebrado pela União, devidamente autorizado pelo Senado Federal, com o BIRD no caso, consta expressamete a obrigação de serem observadas essas normas.

    Sobre o assunto, v. também decisão do TCU in RDA 188/343, e Resolução nº 3.872/95 do Tribunal de Contas do Paraná.

    Destarte, conforme se depreende da redação do § 5º do art. 42 da lei nº 8.666/93, as regras concernentes ao procedimento licitatório, prazo, tipos de licitação, critérios de julgamento, dentre outras, podem ser alteradas. Saliente-se, porém, que as normas estipuladas por entidades internacionais não poderão contrariar a Constituição da República, proibindo-se, v.g, o julgamento sigiloso ou a contrariedade aos princípios norteadores da Administração Pública.

    Tecidas tais considerações preliminares, passemos ao exame da questão em apreço.

    Com efeito, nada tenho a opor à brilhante argumentação da nobre colega em relação à situação enfocada, eis que trata-se de defesa veemente dos interesses da empresa a que representa. Todavia, não merece prosperar a argumentação concernente à não aplicação das normas do BIRD à licitação prevista, haja vista que a própria Lei nº 8.666/93 autoriza a observãncia dos ditames estatuídos por organismo internacional no caso em tela.

    Cumpre-nos esclarecer, por oportuno, que o despacho motivado do órgão executor do contrato, em nosso entendimento, deve ser exarado antes da confecção do edital, salientando-se que deve ser ratificado pela autoridade imediatamente superior.

    Todavia, afigura-se-nos que a medida tendente a combater o edital, em um primeiro momento, seria a impugnação adminitrativa do instrumento convocatório, prevista nos §§ do art. 41 da Lei nº 8.666/93, sob pena de preclusão, eis que "ao concorrente não é dado aceitar o edital sem protesto para, após o julgamento desfavorável, arguir defeitos e pleitear sua anulação" (Ap. Cív. nº 584.037.782, 1ª Turma, Revista de Jurisprudência do TJ/RS 109/431-432)

    Uma vez denegada tal pretensão, a ilustre causídica deve ajuizar a mencionada Ação Ordinária de Anulação Parcial de Edital, visando combater o procedimento adotado pelo órgão locitante. Trata-se de tarefa inglória, eis que a despeito de reduzir o universo dos proponentes, em manifesto prejuízo da própria Administração - a quem interessaria o maior número de licitantes, a fim de selecionar a proposta mais vantajosa -, o procedimento adotado não se encontra vedado pela legislação de regência.

    De toda a sorte, é importante a missão do advogado no sentido de buscar novas formas de aplicação das normas, combatendo decisões cristalizadas e sedimentadas de nossos Tribunais, visando a própria criação do direito nos casos concretos submetidos à apreciação do Judiciário.

    Por derradeiro, sugiro consultas ao "Boletim de Licitações e Contratos", bem como ao "Informativo de Licitações e Contratos", que se tratam de periódicos de grande qualidade e de indiscutível relevância para os profissionais que labutam na seara dos procedimentos licitatórios.

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    Andréa Almeida Dantas Quarta, 26 de abril de 2000, 22h11min

    Olá Alessandro!

    Antes de tudo, obrigada pela ajuda. É muito bom poder trocar idéias com outros colegas de profissão.

    Sobre a questão que coloquei no Fórum de Debates do Jus Navegandi, na verdade, poucos dias depois, acabei decidindo por tentar reverter os fatos judicialmente. Vou fazer um resumo para vc entender exatamente o que aconteceu.

    Trabalho em uma empresa que participa de licitações em todo o Brasil. Recentemente participamos de vários certames financiados pelo PROJETO REFORSUS e, por conseqüência, pelos Bancos BIRD e BID. Em quase todas as oportunidades encontramos cotações por lotes, entretanto, com agrupamentos lógicos. Um lote composto apenas por microscópios, em seus vários modelos. Outro lote composto apenas por tipos de camas, e assim sucessivamente. Contudo, agora em março, a SESAU de Vitória/ES lançou edital de CRI objetivando adquirir equipamentos médico-hospitalares, dentre estes, microscópios. Até aí tudo bem. O problema foi que a Secretaria montou lotes, como exemplo o de nº 01, com uma quantidade muito elevada de equipamentos (ao todo, 38 itens - sem considerarmos a quantidade pedida por item), e, estes, em sua maioria, sem qualquer vínculo de especialidade ou fabricação (Ex.: microscópios, centrífuga, cadeira para coleta de sangue, etc).

    Impugnei administrativamente o Edital, quase um mês antes da data marcada para a abertura das propostas (segunda - 10/04, às 14:30), e a comissão nos deu o silêncio por resposta.

    Na sexta feira, dia 07, ajuizamos Ação Cautelar Inominada, com pedido de liminar, objetivando suspender a abertura das propostas e comunicando que iríamos dar início a uma Ação Ordinária de Anulação Parcial do Edital. Juntei a inicial cópias de outros editais, também de licitações do Projeto Reforsus e financiadas por instituições financeiras. Ainda na sexta-feira, absurdamente às 18:03, a comissão nos passou um fax respondendo a nossa impugnação. Argumentou que nossos questionamentos não tinham a menor procedências, pois eles estavam seguindo as normas do edital, que por sua vez, atendia as determinações do BIRD.

    Na segunda-feira, às 13:00 horas, o Juiz Titular da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual deferiu a liminar, determinando a apresentação de caução, e a abertura das propostas foi suspensa.

    Na sexta feira, dia 14, apresentamos caução na Cautelar e demos entrada na Ação Ordinária requerendo a alteração na forma de cotação do bens a serem adquiridos pela Administração Pública. Além dos documentos que já havia juntado a inicialmente, anexei cópia de manual que encontrei no site do Reforsus, orientando os beneficiários a montar editais para a compra de produtos médicos hospitalares. Uma das regras diz exatamente que o comprador não deve agrupar produtos de fabricantes diversos, justamente para onerar o lote no mínimo possível.

    Ainda não tenho cópia das contestações da Secretaria de Saúde. Mas até agora a liminar não foi caçada ou suspensa, continua em vigor.

    Voltando agora as suas colocações. Eu concordo com tudo o que vc disse. Mas a minha preocupação maior é ter a certeza de que ninguém está usando essa "brecha" dada pela lei de licitações para, sobre a pretensão de atendimento a normas de instituições estrangeiras, burlar o processo licitatório. Eu também entendo que é possível haver a aplicação de normas especiais, MAS DESDE QUE SEJA ATENDIDO TODO UM PROCEDIMENTO FORMAL. Comprovação de exigências para a liberação do financiamento. Despacho fundamentado e ratificado. Eu não vi nada disso. Como diriam os apresentadores do Fantástico - "estamos de olho"! :-).

    Não conheço o "Informativo de Licitações e Contratos", mas agora em janeiro assinamos o BLC, da NDJ. Em dezembro do ano passado participei de um simpósio organizado por esta Editora. Achei muito básico. Senti-me um peixe fora d'água. Acho que advogados, havia apenas eu e um outro colega. A grande maioria era membro de comissão e pelo que senti, para eles, não somos nem um pouco bem vindos. E as tentativas de tirar dúvidas com a Palestrante principal (Advogada de São Paulo especializada em Licitações e Contratos) foram quase todas frustadas .... ela sempre "rodeava, rodeava" e não chegava à definição alguma :-.

    Mais uma vez obrigada, e se precisar de algo aqui por esses lados, é só avisar.

    Um abraço

    Andréa

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