O crime de infanticídio está assim definido no art. 123 do Código Penal (CP):
"Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:
Pena -- detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos."
As elementares do crime são: conduta de "matar" (elementar objetiva); vítima - "o próprio filho" (elementar objetiva); "influência do estado puerperal" e, implicitamente, o dolo de matar (elementos subjetivos); tempo da conduta - "durante o parto ou logo após" (elementar objetiva).
O homicídio doloso simples, em seu turno, encontra-se dessa forma tipificado no art. 121, caput, do CP:
"Art. 121. Matar alguém:
Pena -- reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos."
As elementares do crime, ambas de caráter objetivo, são: a conduta de "matar" e a vítima - "alguém".
No caso prático em relevo, a mãe, sob a influência do estado puerperal, logo após o parto sufocou seu próprio filho, matando-o. Na hipótese, o pai da criança, por amor, aquiesceu na morte, "por amor".
No tocante à conduta da mãe, estou certo de ter havido crime de infanticídio, em virtude de a agente ter reunido todas as elementares necessárias à configuração do tipo penal do art. 123 do CP. Nenhum dos colegas que até agora opinaram divergiu a respeito...
A indagação é a que título o pai da vítima responderá criminalmente, se por infanticídio ou homicídio, e, ainda, se a participação lato sensu fora em co-autoria ou participação stricto sensu.
Preliminarmente, nos termos da Constituição Federal, do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente, os pais têm, entre outras obrigações em relação aos filhos, sobretudo quando menores, a de prover à subsistência dos mesmos, respeitando-lhe a vida, a integridade física, entre outros direitos inerentes e fundamentais da pessoa humana.
Havendo esse dever jurídico-legal de proteção aos filhos menores, é de inferir-se que a omissão a esse dever é penalmente relevante, nos expressos termos do art. 13, § 2º, "a", do CP:
"Art. 13. (...)
............................................................
§ 2º. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilãncia."
No caso, o pai da vítima omitiu-se em seu dever de protegê-la da conduta asfixiante da infanticida, e ainda deixou de impedir o resultado a que a lei (leia-se, a Constituição Federal, o Código Civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente e, por via oblíqua, o Código Penal, através de seu art. 13, § 2º, "a") obrigara fosse impedido.
Portanto, não se trata aqui de imputar ao pai mera "participação de menor importância" (art. 29, § 1º, do CP) -- haja vista sua equiparação à mãe no dever legal de proteção ao filho, além do que a omissão em nada perde à ação em termos de relevância para o Direito Penal --, mas sim co-autoria (art. 29, caput, do CP).
Se o pai é co-autor, essa co-autoria só pode ser por crime de infanticídio da mãe.
Não procede a alegação de participação omissiva homicida, senão vejamos.
Em primeiro lugar, a própria expressão "participação homicida" de que aqui estamos tratando só pode ser a "de menor importância", nos moldes do art. 29, § 1º, do CP, pois se assim não fosse (i. e., se a participação fosse entendida em sinonímia com a co-autoria), ter-se-ia de admitir que o fato cometido pela mãe não foi o de infanticídio, mas o de homicídio. Ora, todos nós que até agora opinamos convergimos a um ponto pacífico: a mãe praticou infanticídio. Por conseguinte, a "participação homicida", mesmo que considerássemos que ela é correta (porque na verdade não é), só poderia ser a da modalidade "instigação" ou "auxílio secundário" (quando muito). E isso se (e somente se) a solução fosse a de "participação homicida"...
E por que não é homicídio o delito do pai? Vejamos essas duas situações:
1ª) "A", pai de "X", restringe-se meramente a induzir, instigar ou auxiliar secundariamente a sua esposa, "B", sob a influência do estado peuerperal, a matar o próprio filho de ambos, durante o parto ou logo após;
2ª) "A", pai de "X", ajuda materialmente a sua esposa, "B", sob a influência do estado puerperal, a matar o próprio filho de ambos, durante o parto ou logo após.
As duas hipóteses distinguem-se num único e só ponto: enquanto na primeira o que existe é "participação de menor importância", na segunda é "de maior importância", ou seja, co-autoria mesmo. Também, é pacífico que em ambos os casos a mulher responderá por infanticídio, porquanto ela conseguiu reunir todas as elementares que a possibilitam beneficiar-se pelo especial "homicidium privilegiatum" (a doutrina, com a qual concordo sem ressalvas, observa que o infanticídio, no fundo, não deixa de ser um caso especial de homicídio privilegiado).
Agora, pergunta-se: em ambas as hipóteses, qual o delito de "A"? Alguns dirão que o infanticídio é crime próprio, exigindo do sujeito ativo especial capacidade penal: que ele, ou melhor, ela, seja mulher, puérpera ou parturiente, esteja sob a influência do estado puerperal, e que mate o próprio filho, nascente ou recém-nascido, durante o parto ou logo após. Nem o pai da criança, dirão aquelas pessoas, pode ser beneficiado pelo typum specialis do infanticídio.
Se é assim, que o pai responde a título de homicídio, têm-se dois problemas. Na primeira hipótese exemplificada, como é que o pai pode responder por "participação de menor importância" por crime de homicídio, se a participação nessas condições, que é acessória, necessita que o fato principal seja necessariamente o homicídio, e o crime da agente (fato principal), repisemos, foi o de infanticídio? A acessoriedade homicida (participação stricto sensu homicida) exige fato principal igualmente homicida (autoria homicida).
Na segunda hipótese que exemplificamos, aquelas pessoas que defendem crime de homiccídio do pai terão de enfrentar esse imenso problema (intransponível mesmo, parece-nos): se o pai, "A", tivesse ele mesmo sufocado a criança, e "B", a mãe, limitasse-se a oferecer "participação de menor importância", ter-se-ia que a mãe seria partícipe de homicídio (pena mínima de 4 anos de reclusão, nos termos do art. 121, caput, do CP, c/c o art. 29, § 1º, do CP); se ela não só oferecesse "participação de menor importância" mas fosse mesmo a autora principal (i. e., ela mesma sufoca a criança), o crime passaria a ser de infanticídio (pena mínima de 2 anos de detenção, nos moldes do art. 123 do CP). Ou seja: redundaria em severidade sancionatória maior quando a agente fosse mera partícipe do que se ela fosse mesmo a autora!!! Isso seria um contra-senso sem igual!!!
Assim, o pai da criança terá de responder por infanticídio em co-autoria omissiva: art. 123 c/c o art. 13, § 2º, "a", c/c o art. 30, c/c o art. 29, caput, todos do Código Penal.
Essa conclusão, entendemos, afronta cabalmente o bom senso, porque abre caminho para que uma pessoa (pai da vítima) que não esteja sob a influência do estado puerperal (e nem poderia estar, porque o co-autor é homem!) beneficie-se do pouco rigor da pena do infanticídio (2 a 6 anos de detenção), se em comparação com a do homicídio (6 a 20 anos de reclusão). Mas, compreenda-se, essa é a única solução que a lei penal aceita, porquanto o art. 30 do CP diz expressamente que as elementares se comunicam aos co-delinqüentes (ainda que subjetivas e "personalíssimas", como é o caso do estado puerperal).
A nosso humilde ver, a solução legal conflitua com o bom senso e, mais do que isso, com a própria Psiquiatria. E, pensando bem, creio que o legislador, futuramente, bem que poderia redigir uma lei que dirimisse o conflito, cuja solução poderia se dar de duas formas, a saber: ou o infanticídio passaria a ser mais uma hipótese de privilégio do homicídio, inserindo-se-o no art. 121, § 1º, do CP, e portanto o que até agora é crime, com elementares -- e como tais comunicáveis aos demais co-autores --, passaria a ser circunstância, e circunstâncias, sabemos, são incomunicáveis, como nos aclara bem o art. 30 do CP; ou, criar-se-ia um parágrafo único para o art. 123 do CP, que, excetuando este, deixasse claro que responderia por homicídio todo aquele que, afora a mãe da vítima, direta ou indiretamente desse causa ao resultado.
Enquanto não entra em vigor essa nossa "lei", somos forçados, infelizmente, a adotar a única solução legalmente viável: co-autoria em infanticídio...