Colega Ana,
Fico estupefato com a sagacidade de seu questionamento. Com efeito, ele se mostra interessantíssimo!
No crime de vilipêndio a cadáver, não basta o dolo de vilipendiar cadáver ou suas cinzas (elemento subjetivo implícito do tipo), pois mister se fará que, objetivamente, tenha havido um cadáver ou suas cinzas. "Cadáver" é "pessoa morta", sem vida, e, como elementar objetiva que é, não deixa de ser cadáver mesmo quando o agente pensa se tratar de pessoa viva e, vice-versa, não deixa de ser pessoa humana viva aquela que o agente pensa estar morta.
As elementares objetivas independem, pois, para subsistirem, do elemento subjetivo encontrado no agente. Veja-se bem: estou afirmando que "as elementares objetivas" não deixam de subsistir, e não que deixa de subsistir "um crime", repare-se bem.
Ora, como se trata, portanto, de pessoa humana viva, afastada, de plano, fica a hipótese de crime definido no art. 212 do Código Penal (CP). Não houve delito de vilipêndio a cadáver, pois.
Como o agente pensou tratar-se de cadáver, agiu incidindo em erro. Este erro é de tipo, e não de proibição, pois diz respeito não à falsa suposição de ilicitude, mas de errônea percepção quanto à realidade de fato.
O erro de tipo é essencial, visto que o agente não errou quanto a um dado acidental do fato, mas mesmo sobre a presença de uma elementar objetiva do delito de homicídio: "alguém" (pessoa humana viva).
Vimos que o caso é de erro de tipo essencial. Basta, agora, fazer a seguinte indagação: esse erro é vencível ou invencível? Se vencível ou inescusável, exclui-se o dolo da conduta do agente, respondendo ele a título de homicídio culposo. Se invencível ou escusável, excluem-se dolo e culpa, não passando o agente a responder por qualquer crime, até porque um delito ou é doloso, ou é culposo, ou preterdoloso.
A vítima sofria de catalepsia. Em geral (repiso: em geral, mas não necessariamente e sempre), a pessoa que sofre de catalepsia é dada como morta até mesmo pelo "homo medius", tendo em mira que tal anormalidade dos sistemas vitais da pessoa tornam-na, mesmo frente a médicos especialistas, morta (salvo, é claro, quando se conclui pelo estabelecimento da atividade cerebral, mas, anátomo-patognomonicamente, a "morte" é inegável). Não bastasse isso, o corpo se encontrava em seu próprio velório, o que mais reforça a tese de que o "homo medius" também teria, no lugar do agente, incidido no mesmo erro.
Em sendo assim, pugno pelo erro de tipo essencial escusável (inevitável, invencível, inculpável) do agente, afastando-se, mutatis mutandis, o delito de homicídio, aplicando-se a regra insculpida no art. 20, caput, do CP.
Assim é que, parece-me, em princípio, que o caso ora ventilado levará a crer pela impunidade do agente.
Um abraço, Ana, e aguardo seus comentários!
Guilherme.