Colegas, segue descriçao do fato: o agente, com dolo de vilipendiar cadaver, encaminha-se ao velorio e desfere tres tiros no corpo. Ocorre que, sem o autor dos disparos ter ciencia, o suposto corpo nao esta morto, pois sofre de catalepsia, e, no momento dos disparos, estava vivo, vindo a falecer em decorrencia dos tiros. Como enquadrar este ilicito cometido pelo agente? Obrigada.

Respostas

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    Guilherme da Rocha Ramos Domingo, 21 de maio de 2000, 14h17min

    Colega Ana,

    Fico estupefato com a sagacidade de seu questionamento. Com efeito, ele se mostra interessantíssimo!

    No crime de vilipêndio a cadáver, não basta o dolo de vilipendiar cadáver ou suas cinzas (elemento subjetivo implícito do tipo), pois mister se fará que, objetivamente, tenha havido um cadáver ou suas cinzas. "Cadáver" é "pessoa morta", sem vida, e, como elementar objetiva que é, não deixa de ser cadáver mesmo quando o agente pensa se tratar de pessoa viva e, vice-versa, não deixa de ser pessoa humana viva aquela que o agente pensa estar morta.

    As elementares objetivas independem, pois, para subsistirem, do elemento subjetivo encontrado no agente. Veja-se bem: estou afirmando que "as elementares objetivas" não deixam de subsistir, e não que deixa de subsistir "um crime", repare-se bem.

    Ora, como se trata, portanto, de pessoa humana viva, afastada, de plano, fica a hipótese de crime definido no art. 212 do Código Penal (CP). Não houve delito de vilipêndio a cadáver, pois.

    Como o agente pensou tratar-se de cadáver, agiu incidindo em erro. Este erro é de tipo, e não de proibição, pois diz respeito não à falsa suposição de ilicitude, mas de errônea percepção quanto à realidade de fato.

    O erro de tipo é essencial, visto que o agente não errou quanto a um dado acidental do fato, mas mesmo sobre a presença de uma elementar objetiva do delito de homicídio: "alguém" (pessoa humana viva).

    Vimos que o caso é de erro de tipo essencial. Basta, agora, fazer a seguinte indagação: esse erro é vencível ou invencível? Se vencível ou inescusável, exclui-se o dolo da conduta do agente, respondendo ele a título de homicídio culposo. Se invencível ou escusável, excluem-se dolo e culpa, não passando o agente a responder por qualquer crime, até porque um delito ou é doloso, ou é culposo, ou preterdoloso.

    A vítima sofria de catalepsia. Em geral (repiso: em geral, mas não necessariamente e sempre), a pessoa que sofre de catalepsia é dada como morta até mesmo pelo "homo medius", tendo em mira que tal anormalidade dos sistemas vitais da pessoa tornam-na, mesmo frente a médicos especialistas, morta (salvo, é claro, quando se conclui pelo estabelecimento da atividade cerebral, mas, anátomo-patognomonicamente, a "morte" é inegável). Não bastasse isso, o corpo se encontrava em seu próprio velório, o que mais reforça a tese de que o "homo medius" também teria, no lugar do agente, incidido no mesmo erro.

    Em sendo assim, pugno pelo erro de tipo essencial escusável (inevitável, invencível, inculpável) do agente, afastando-se, mutatis mutandis, o delito de homicídio, aplicando-se a regra insculpida no art. 20, caput, do CP.

    Assim é que, parece-me, em princípio, que o caso ora ventilado levará a crer pela impunidade do agente.

    Um abraço, Ana, e aguardo seus comentários!

    Guilherme.

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    Mônica Maria Coimbra de Paula Segunda, 22 de maio de 2000, 8h50min

    Concordo com o colega Guilherme no sentido de solucionar a questão através do erro de tipo essencial e inevitável.
    No mais, quando ao direito em tese o colega já esgotou a matéria e não cabe, a meu ver, fazer mais considerações.
    Toda a situação descrita pela colega do questionamento leva a crer que o agente não tinha nem por meios próximos ou remotos como prever que a vítima não estava morta, portanto, por mais que pareça estranho ao senso médio não a meios de tipificar o fato em tela.
    Cordialmente.
    Mônica Coimbra.

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    Hetan Domingo, 04 de junho de 2000, 10h00min

    Não há reparo a fazer, sendo perfeita e pacífica a dedução dos fatos quando da conclusão de
    Erro de tipo, afastando a hipótese de homicídio.
    Contudo, entendo que, segundo ensinamento de Mirabette o Crime de Vilipêndio de Cadáver é crime vago. Busca defender uma comunidade sem personalidade jurídica, parentes e amigos do finado, estes são os sujeitos passivos, não ao cadáver.

    Assim sendo, como o bem penal protegido foi maculado, entendo que houve vilipêndio, mesmo não havendo cadáver.
    Não encontrei jurisprudências que firmassem este entendimento, sob censura.

    Necessário portanto o enquadramento por crime de vilipêndio - art.212 CP.
    Cordialmente

    Hetan

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