A está vitimado de enfermidade incurável possuindo uma sobrevida de vida de cinco anos. Busca conforto espiritual. B um Ministro da fé, em seção pública, assistida por A, relata o seguinte de seu livro sagrado: “Naqueles tempos idos a lepra possuía a todos, e os dotores não tinham solução que não fosse amenizar e protelar o sofrimento do infeliz. Transkrito homem de muita fé decidiu ignorar os doutores e suas ervas. E a doença, os doutores e suas ervas sucumbiram a sua fé”.

B então arremata afirmando tão-somente - para se ter fé não basta apenas desejar um milagre. Faz-se necessário uma demonstração inequívoca de sua fé. Assim sendo A, movido pelo que foi dito por B, suspende a medicação, e, em virtude disso, vem a falecer três dias depois.

-Pergunta-se B cometeu algum crime?

Respostas

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    nazareno césar moreira reis Domingo, 23 de julho de 2000, 21h52min

    Prezado Hetan,

    Vejo que vc é um apreciador dos temas pertinentes ao Direito Penal. Lembro-me que já tivemos oportunidade de discutir a questão da responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
    Sobre o tema proposto por vc, penso que não exisite a menor sombra de nexo de causalidade entre a ação de B e o fatídico fim de A. Para que se caracterize o nexo causal, é preciso que o resultado advenha como conseqüência da ação (tipo objetivo) e que este mesmo resultado esteja compreendido pela vontade do agente, que deve ter perfeita noção de que o resultado se compreende no raio das "conseqüências temíveis" da conduta (tipo subjetivo).
    Assim, embora com larga medida de imaginação, poder-se-ia até vislumbrar o tipo objetivo, no caso por vc descrito, mas nunca o tipo subjetivo.
    Pensamos, portanto, que o caso é de atipicidade da conduta de B.
    Aguardo a sua apreciação. Até mais.
    NCMR

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    Amafi Quarta, 26 de julho de 2000, 20h34min

    Caro Nazareno
    Fico muito feliz que vc tenha se manifestado neste espaço.
    De início não concordo com a desconsideração do nexo causal.
    Na lição de Damásio da omissão não há como se sustentar à ponte de ouro que liga a conduta ao resultado, pois da omissão nada surge se nada acontece.
    Mas aconteceu. O fiel morreu. Sua morte não é resultado de uma causa relativamente independente, mas devido à modificação de seu desejar, de seu querer.
    Neste sentido a conduta do Ministro da fé modificou fortemente o querer da vítima que veio a falecer.
    "'A previsibilidade do evento danoso, configura a culpa e faz com que os agentes respondam pelo resultado, em sua forma culposa." RT 631/344
    O Ministro da Fé, com o preparo que a sociedade urge, não pode carecer de avisar aos seguidores quanto aos efeitos nefastos de uma interpretação literal de certos ensinamentos, de construção meramente simbólica.
    Entendo insularmente que faltou a advertência, necessária para alertar ao fiel, sobre a conotação do que foi dito.
    Foge-me ao meu incipiente entendimento um Direito Penal que reprime o mau profissional, aquele que negligencia um dever de cuidado com o seu paciente, com o seu empregado, com o cidadão, mesmo nas condutas omissivas, especialmente nas impróprias, e, por outro lado, privilegia o profissional da fé.
    Finalmente, caríssimo, tive que me vergar ao seguinte fato:
    Apresentei o mesmo tema no fórum do Universo Jurídico e, não temo em reconhecer, que meu entendimento foi no mínimo.....subversivo.
    Parabenizo-o, então face, a sinonímia de seu entender com os demais debatedores daquele fórum.
    Se desejar ver a íntegra da discussão no meu Painel de Temas Jurídicos - www.amafi.hpg.com.br.

    Acantoadamente

    Amáfi

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    nazareno césar moreira reis Quinta, 27 de julho de 2000, 0h46min

    Prezado Amafi,

    Agradeço pela referência eleogiosa, ao tempo em que aproveito para indagar-lhe sobre uma curiosidade que me aflige: o que significa Stroobol? Hetan? CZ? Trata-se de uma cidade do longíquo Cazaquistão? O que um irmão brasileiro faria nas plagas eslavas?

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    Moysés Neto Quinta, 27 de julho de 2000, 12h38min

    Interessante o caso. Enquadra-se exatamente (e até gostaria de saer se foi proposital) na Teoria da Imputação Objetiva.

    O nexo causal, na âmbito jurídco, não é simplesmente um nexo fático (embora imprescinda dela, que é a "conditio sine qua non"), mas também um nexo jurídico. Nesse sentido, vem se desenvolvendo na Alemanha a teoria funcionalista, que se opõe ao finalismo, normativizando conceitos que o finalismo tratava como pré-jurídicos (WELZEL tratava-os com "ontológicos"). Assim, não basta a mera "conditio sine qua non", é precisa que o resultado seja imputável juridicamente ao acusado. Por exemplo, mesmo que o agente aja ilicitamente (ex., ande a 80 km/h onde o limite é 60km/h), se um suicida se atira em frente ao seu carro, e vem a morrer,inexiste nexo de imputação objetivo, pois que não está no âmbito de proteção da norma tutelar o tipo de comportamento do suicida. Vê-se que é um critério axiológico, o âmbito de proteção da norma jurídica.

    Outro critério, defendido por ROXIN, é o do aumento do risco. DAMÁSIO escreveu um artigo de nome "o fugu assassino e o carrasco frustrado", em que trata da hipótese de uma mulher que leva todos os finais de semana o marido a um restaurante, esperando que ele coma um peixe envenenado. Se ele morre, o resultado não é imputado a ela, pois ela não aumentou o risco do acontecimento (este dependeu simplesmente da fatalidade).

    Vê-se, portanto, que falta o nexo de imputação objetiva ao caso, embora exista uma "conditio sine qua non".O Padre não aumentou o risco do acontecimento, havia em exercício regular do seu direito de expressão e crença. Não assumiu qualquer risco. Assim,o resultado não é a ele imputavel.

    A tese do tipo subjetivo, defendida já por alguém, é de ZAFFARONI, que se conforma que a teoria da "conditio", pois esta é limitada pelo tipo subjetivo. Entretanto, com a imputação objetiva, sequer se chega a este juízo.

    A tese do crime culposo parece ser totalmente descabida, pois que o Padre não tinha dever objetivo de cuidado de advertir, já que estava no seu exercício REGULAR de crença.

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    Amafi Sábado, 29 de julho de 2000, 19h44min

    Caro amigo
    Grato por suas considerações. Apenas quis criar algo de autêntico com o CZ . O Hetan surge quando estou buscando conhecimento. Atlon, quando estou com espírito guerreiro. E Amáfi, que é o meu nome, quando me apresento.
    Chame de crise de identidade, acho que é isso mesmo, estamos sempre buscando o quê somos, o quê fomos, e o quê seremos, não é mesmo?
    Alguns tem a felicidade de superar os tempos verbais, e tornam tudo mais simples. não sei sinceramente se isto é bom ou ruim.
    Desculpe usar o E.Mail direto, somente quis ser menos formal.

    Amigavelmente

    Amafi.

    Ps.: O E.Mail anotado nesta sede me retornou com mensagem de erro.

    Um abraço.

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    nazareno césar moreira reis Domingo, 30 de julho de 2000, 0h06min

    Prezado, Amáfi:

    Agradeço pelas respostas às minhas curiosidades. A elevação das respostas demonstram a profundidade do seu espírito.
    Parabéns!

    O e-mail é: [email protected]

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    Amafi Domingo, 30 de julho de 2000, 22h39min

    Insigne Moysés
    Sua lição é irreparável, aplicando conceitos dos mais modernos do Direito Penal, e, como de outros colegas, uníssona, quando a dedução dos fatos.
    Falta-me inteligência para entender o seguinte:
    Tem-se a defesa da tese de que não se era exigível a conduta do Ministro da Fé em sua liturgia alertar aos seus fiéis sobre o perigo de interpretações literais de texto sacro. Está não exigência tornou impossível o nexo etiológico entre o acontecido com a vítima, logo sua morte se deu, exclusivamente, em virtude da modificação de seu querer, mesmo sendo conseqüência da interpretação literal das letras sacras, proferidas na liturgia do Ministro. Isso é razoável. A inexigibilidade da conduta diversa do Ministro soçobrou com qualquer esforço para se construir uma ponte jurídica com o resultado - morte.
    Inexigibilidade de conduta diversa exclui a culpabilidade como vemos nas lições jurisprudencias RT 732/713 e JSTJ 18/243.

    Sustentei que em verdade era exigível uma conduta positiva diversa da do Ministro em sua liturgia, que consistiria em alertar sobre os riscos de uma interpretação literal, onde vimos, se ligou umbilicalmente a vontade do agente, em sua decisão de suspender os medicamentos que lhe conferiam sobrevida, apressando o óbito. RT 570/386 e 595/406.

    Para os que admitiram a inexigibilidade de conduta diversa do Ministro em sua liturgia deverão considerar as seguintes lições jurisprudenciais: " O sistema penal vigente somente admite a inexibilidade de conduta diversa como excludente de culpabilidade quando expressamente prevista" RT 662/266; "A não-exigibilidade de outra conduta somente em casos de excepcional circunstância pode ser aceita como causa capaz de isentar o réu de culpa" RT 597/287

    Seria temerário se sustentar que os princípios constitucionais da Liberdade de Credo e de Pensamento seriam suficientes para retirar aplicabilidade da regra que é a exigibilidade de condutas diversas.
    As Liberdades e as Irresponsabilidades em Direito Constitucional precisão ser melhor entendidas. A liberdade se obsta a censura, a irresponsabilidades se obsta a impunidade.
    O Ministro tem liberdade de professar sua fé mas não é irresponsável, pois a constituição não o contemplou expressamente com este privilégio.
    O Parlamentar Federal e Estadual é irresponsável. Além de ter ampla liberdade de pensamento e voz é completamente irresponsável por estas.
    Portanto o Ministro usufruindo sua ampla liberdade com o seu comportamento anterior criou o risco da ocorrência de resultado, responderá como qualquer cidadão diante da lei penal.

    Outro aspecto é o problema da omissão penalmente relevante. Se abstrairmos dos fatos o comportamento do ministro, jamais o agente alcançaria aquele resultado. Coloquemos de outra maneira, para aquele momento, nunca o agente por si só atingiria o resultado morte. Naturalmente o agente poderia ler o livro sagrado, e tomando uma decisão infeliz, chegar ao resultado mas estaríamos interpolando uma atividade estranha ao problema, adulterando-o.
    Tecnicamente houve ingerência do Ministro. Criou o risco da ocorrência do resultado em sua Liturgia. O seu comportamento anterior tem dois aspectos: 1- Comissivo, autorizado pelo direito constitucional, em seu figurado exemplo, tornou-se garantidor, se colocando na cadeia etiológica. 2- Omissivo, penalmente relevante, deveria ter feito algo para que o resultado, perfeitamente previsível não ocorresse, máxime para aqueles que possuem o preparo técnico para moldar a base da moral coletiva de nossa sociedade.
    Damásio apresenta um exemplo neste sentido - um exímio nadador que convida uma pessoa menos talentosa a nadar. Achando que o colega tinha fôlego vem a nadar na frente, e o colega vem a se afogar pois não conseguira acompanhá-lo.
    É o que penso do ministro. Convidou seus fiéis aos devaneios simbólicos de sua liturgia e ficou a desejar que todos "acompanhassem" somente o caminho de seu ensinamento. A Vítima, por erro, se desviou da figuração que lhe era desconhecida e veio a se perder.

    Outra interpretação autorizaria a seguinte situação.
    Um Pessoa utilizando símbolos sacros poderia levar os seus fiéis a morte coletiva, exclusive Ela mesma. Este líder sairia impune ( irresponsabilidade) continuando a levar mais e mais pessoas ao genocídio, objetivamente não se observa qualquer induzimento, nem retira qualquer proveito econômico, este líder acredita que sua missão divina é levar o maior número possível de badanas ao assento eterno.
    Tudo seria sugestionando, em nome da fé, em sua liturgia com textos sacros atemporais levados a termo pelos aziagos fiéis . Lembremo-nos que a vida é o mais nobre bem jurídico tutelado pelo Direito Positivo.

    Verifica-se então a aplicabilidade do ART. 13, §2.º "b e c" do Código Repressivo Civil Pátrio..

    Cordialmente

    Amáfi.

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    Amafi Domingo, 30 de julho de 2000, 22h40min

    Insigne Moysés
    Sua lição é irreparável, aplicando conceitos dos mais modernos do Direito Penal, e, como de outros colegas, uníssona, quando a dedução dos fatos.
    Falta-me inteligência para entender o seguinte:
    Tem-se a defesa da tese de que não se era exigível a conduta do Ministro da Fé em sua liturgia alertar aos seus fiéis sobre o perigo de interpretações literais de texto sacro. Está não exigência tornou impossível o nexo etiológico entre o acontecido com a vítima, logo sua morte se deu, exclusivamente, em virtude da modificação de seu querer, mesmo sendo conseqüência da interpretação literal das letras sacras, proferidas na liturgia do Ministro. Isso é razoável. A inexigibilidade da conduta diversa do Ministro soçobrou qualquer esforço para se construir uma ponte jurídica com o resultado - morte.
    Inexigibilidade de conduta diversa exclui a culpabilidade como vemos nas lições jurisprudencias RT 732/713 e JSTJ 18/243.

    Sustentei que em verdade era exigível uma conduta positiva diversa da do Ministro em sua liturgia, que consistiria em alertar sobre os riscos de uma interpretação literal, onde vimos, se ligou umbilicalmente a vontade do agente, em sua decisão de suspender os medicamentos que lhe conferiam sobrevida, apressando o óbito. RT 570/386 e 595/406.

    Para os que admitiram a inexigibilidade de conduta diversa do Ministro em sua liturgia deverão considerar as seguintes lições jurisprudenciais: " O sistema penal vigente somente admite a inexibilidade de conduta diversa como excludente de culpabilidade quando expressamente prevista" RT 662/266; "A não-exigibilidade de outra conduta somente em casos de excepcional circunstância pode ser aceita como causa capaz de isentar o réu de culpa" RT 597/287

    Seria temerário se sustentar que os princípios constitucionais da Liberdade de Credo e de Pensamento seriam suficientes para retirar aplicabilidade da regra que é a exigibilidade de condutas diversas.
    As Liberdades e as Irresponsabilidades em Direito Constitucional precisão ser melhor entendidas. A liberdade se obsta a censura, a irresponsabilidades se obsta a impunidade.
    O Ministro tem liberdade de professar sua fé mas não é irresponsável, pois a constituição não o contemplou expressamente com este privilégio.
    O Parlamentar Federal e Estadual é irresponsável. Além de ter ampla liberdade de pensamento e voz é completamente irresponsável por estas.
    Portanto o Ministro usufruindo sua ampla liberdade com o seu comportamento anterior criou o risco da ocorrência de resultado, responderá como qualquer cidadão diante da lei penal.

    Outro aspecto é o problema da omissão penalmente relevante. Se abstrairmos dos fatos o comportamento do ministro, jamais o agente alcançaria aquele resultado. Coloquemos de outra maneira, para aquele momento, nunca o agente por si só atingiria o resultado morte. Naturalmente o agente poderia ler o livro sagrado, e tomando uma decisão infeliz, chegar ao resultado mas estaríamos interpolando uma atividade estranha ao problema, adulterando-o.
    Tecnicamente houve ingerência do Ministro. Criou o risco da ocorrência do resultado em sua Liturgia. O seu comportamento anterior tem dois aspectos: 1- Comissivo, autorizado pelo direito constitucional, em seu figurado exemplo, tornou-se garantidor, se colocando na cadeia etiológica. 2- Omissivo, penalmente relevante, deveria ter feito algo para que o resultado, perfeitamente previsível não ocorresse, máxime para aqueles que possuem o preparo técnico para moldar a base da moral coletiva de nossa sociedade.
    Damásio apresenta um exemplo neste sentido - um exímio nadador que convida uma pessoa menos talentosa a nadar. Achando que o colega tinha fôlego vem a nadar na frente, e o colega vem a se afogar pois não conseguira acompanhá-lo.
    É o que penso do ministro. Convidou seus fiéis aos devaneios simbólicos de sua liturgia e ficou a desejar que todos "acompanhassem" somente o caminho de seu ensinamento. A Vítima, por erro, se desviou da figuração que lhe era desconhecida e veio a se perder.

    Outra interpretação autorizaria a seguinte situação.
    Um Pessoa utilizando símbolos sacros poderia levar os seus fiéis a morte coletiva, exclusive Ela mesma. Este líder sairia impune ( irresponsabilidade) continuando a levar mais e mais pessoas ao genocídio, objetivamente não se observa qualquer induzimento, nem retira qualquer proveito econômico, este líder acredita que sua missão divina é levar o maior número possível de badanas ao assento eterno.
    Tudo seria sugestionando, em nome da fé, em sua liturgia com textos sacros atemporais levados a termo pelos aziagos fiéis . Lembremo-nos que a vida é o mais nobre bem jurídico tutelado pelo Direito Positivo.

    Verifica-se então a aplicabilidade do ART. 13, §2.º "b e c" do Código Repressivo Civil Pátrio..

    Cordialmente

    Amáfi.

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    Moysés Neto Segunda, 31 de julho de 2000, 9h41min

    Caro Amáfi:

    Reconheço seus conhecimentos, mas creio, data vênia, que houve alguns equívocos na sua interpretação da minha posição.
    Em primeiro lugar, a (in)exegibilidade de conduta diversa situa-se na "culpabilidade", estrato analítico do crime que situa-se após a tipicidade. O nexo causal - físico e jurídico - situa-se na tipicidade. A teoria a que me referi - imputação objetiva - exclui qualquer inferência acerca do elemento subjetivo do tipo, da ilicitude (entendida enquanto "estrato") e da culpabilidade, pelo menos dentro da ótica da teoria tradicional. Não vem ao caso, portanto, indagar sobre a culpabilidade, ou não, do autor.
    Apenas por curiosidade, gostaria de referir que tenho dúvidas sobre essa separação "absoluta" entre os estratos, sustentada pela doutrina tradicional, com apoio em WELZEL, ZAFFARONI e outros grandes penalistas. O crime enquanto ente jurídico, a meu ver, deve ser suscetível de um "juízo" total sobre todos os seus estratos. A noção tradicional de "culpabilidade", contudo, parece-me insatisfatória, e a meu lado tenho mestres como ROXIN, que trocam a noção tradicional de "exigibilidade" por intenções político-criminais de prevenção geral e especial, elevando a culpabilidade a uma "responsabilidade". Não haveria, assim, qualquer exigência de prevenção especial, ou geral, sobre o sacerdote, primeiro, porque não se estaria punindo-o por um homicídio culposo, e sim pela sua crença, pela sua fé, pois que não estava sob sua intenção o ato de causar a morte de outrem, de assumir o risco de tal morte, ou de faltar com o dever de cuidado em não provocá-la.
    Não compreendo como ele possa assumir a posição de garantidor, necessária para a punição da omissão, pois que, ao contrário do "nadador" do exemplo, em nada tem a ver a atividade de "pregar" com o de garantir a vida de outrem, nem a lei assim o coage, e assim temos uma violação do princípio da legalidade (ninguém é obrigado a fazer nada senão em virtude da lei), nem ele provocou o dano (quem provocou foi o próprio fiel). É preciso ter muito cuidado com a punição no crime omissivo, pois que talvez estejamos punindo a fé dele, ou sua ignorância, ou a perpetuação da ignorância, nunca o homicídio para o qual ele não aumentou o risco de acontecimento. ZAFFARONI adverte que é preciso ter o maior cuidado com a cláusula geral do art. 13: podemos estar infringindo o princípio da legalidade com ele (nullum crimen nulla poena sine lege). Não vejo, pois, nenhuma das hipóteses do "garantidor" em relação ao sacerdote, e ressalto que o art. 13 tem de ser intepretado SEMPRE restritivamente, pois se trata de restrição do direito de liberdade.
    Outro problema que vi na sua argumentação é a não compreensão da teoria da imputação objetiva: ela é "auxiliar" a "conditio sine qua non". Realmente, sem a pregação, não teria havido morte. Contudo, não basta a mera "conditio". É preciso que também haja um nexo jurídico-valorativo para a punição do agente. A teoria da imputação vem substituir a teoria da "causalidade adequada", que suscitava uma série de objeções sérias. Ou seja: não nego que o sacerdote tenha contribuido para o resultado, mas digo que isso não é o bastante.
    A causalidade, portanto,é problema de tipicidade, excluindo a indagação acerca da exigibilidade.
    Outro problema é o da "irresponsabilidade". O sacerdote responde quando houver, realmente, contribuído para o resultado. Mas não basta a contribuição indireta, remota. É preciso que seja precisa e direta, de contrário estaremos violando o princípio da proporcionalidade. Aqui acho que se encaixa seu exemplo. Mas nunca o caso citado. Se o sacerdote contou uma história, e pediu fé, é uma coisa. Se mandou as pessoas se matarem, é outra. Puni-lo pela primeira hipótese representa a punição pela sua própria fé, o que nos conduziria a um odioso direito penal do autor.
    Considero, portanto, que seu exemplo é bem diferente da situação citada, pois que, ali, houve uma ordem direta dirigida contra a vida; aqui, houve uma mera pregação, que pode ser, ou não, mal interpretada. Punir o sacerdote pelo que não assumiu o risco de realizar significa punir sua crença, nunca sua "omissão".

    Sistematizando o que disse, concluo: a) o juízo´de imputação objetiva é anterior ao de exibigibilidade (culpabilidade), o que nos leva a retirar de discussão essas indagações; b) não basta a mera "conditio sine qua non", é preciso um aumento de risco, e outros pressupostos da "causalidade jurídica"; c) não se deve sequer questionar sobre os elementos subjetivos do tipo (culpa "stricto sensu"), pois está ausente o tipo objetivo; d) a conduta não´é penalmente punível como omissão, porque o sacerdote não é garantidor.

    Respeitosamente,
    Moysés.

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    Amafi Segunda, 31 de julho de 2000, 22h46min

    Caro Moyses
    Fico repleto com suas doutas considerações e as tenho como um privilégio .
    Permita-me fazer referências diretas as suas elevadas considerações tão somente para estabelecer um padrão de entendimento, pois não quero ser levado desafortunadamente interpretá-las de forma diversa, visto que são, sem dúvidas preciosas.
    “Em primeiro lugar, a (in)exegibilidade de conduta diversa situa-se na "culpabilidade", estrato analítico do crime que situa-se após a tipicidade.” (sic) Tenho isto certo para as condutas comissivas. Tem-se que primeiro a conduta tem que ser típica e em seguida iremos valorá-la onde incidirão várias teorias que convergirão para impossibilidade legal de se ter outra conduta, levando-se em conta estados subjetivos do agente (sanidade) e objetivos (estado de necessidade).
    O Legislador penal diante da impossibilidade de tipificar todas as condutas omissivas criou mecanismo técnico-jurídicos de imputação no Art. 13, § 2.º, todos apontando para o dever do Garantidor. Surge o Garantidor quando por dever legal tem a responsabilidade de evitar o resultado, e , também, insisto, quando com seu comportamento anterior criou o risco do resultado.
    Vejamos as palavras de nossa corte maior: “O crime comissivo por omissão pressupõe, nos expressos termos do Art. 13, §2.º, do CP, a violação por parte do omitente do dever de agir para impedir o resultado” RT 610/432
    Observe que a corte excelsa fala em “pressupor” o que casaria arrepios a Welzer e sua teoria cibernética.
    “Não compreendo como ele possa assumir a posição de garantidor, necessária para a punição da omissão, pois que, ao contrário do "nadador" do exemplo, em nada tem a ver a atividade de "pregar" com o de garantir a vida de outrem, nem a lei assim o coage, e assim temos uma violação do princípio da legalidade (ninguém é obrigado a fazer nada senão em virtude da lei), nem ele provocou o dano (quem provocou foi o próprio fiel).” (sic)
    Neste caso o dever jurídico surge em dois aspectos: 1- Legal - quando o agente esta investido daquela responsabilidade por lei ou dever de ofício; 2- Comportamental - quando o agente por culpa ou dolo “com o seu comportamento; anterior criou o risco da ocorrência do resultado. Esta condicionante comportamental se apresenta como o epicentro do problema, e esta consignada no Art. 13,§ 2.º.
    Quanto o aspecto legal do dever jurídico em face de crimes omissivos impróprios não há que se relevar qualquer ação anterior do agente.
    Quanto ao aspecto comportamental, o comportamento anterior do agente exigiu a lei penal um “anti-comportamento” do Ministro, que era agir no sentido de evitar o resultado. Mesmo se o resultado ocorresse não haveria qualquer responsabilidade penal do agente se fosse identificada em sua conduta o anti-comportamento.
    “Puni-lo pela primeira hipótese representa a punição pela sua própria fé, o que nos conduziria a um odioso direito penal do autor.”
    Não se quer punir a fé do agente. Se deseja que este não se esconda no escudo da fé para se manter impune. O Ministro não precisa dizer diretamente - morram em nome da fé, isto é induzimento, e o crime sobre foco é comissivo por omissão decorrente de uma culpa negativa. Ele precisa dizer não morram para demonstrar a fé, visto que seu exemplo, figurativamente, deixava certo que, para se demonstrar a fé, dever-se-ia morrer, ocorrendo o genocídio.
    Não se quer impedir que ele recite nem este nem qualquer outro mandamento, mas tão somente que o agente tenha um dever de garantir à vida de seus fiéis e da sociedade , que, de forma figurada, esta sob ameaça, sendo sua omissão, devido a ascendência que exerce sobre seus seguidores, pontual para o desenrolar dos fatos, transformando uma ficção litúrgica numa tragédia. Não se perquirindo qualquer ação do Líder para abrancar o entendimento encoberto pela conotação, tornou-se perigosa uma interpretação literal de suas lições, conclui-se pela culpa negativa do agente.
    Conotações e figurações são ferramentas para os plásticos. Em filmes, poesias, músicas, novelas, telas, e outras nobres manifestações da criatividade humana não vejo obrigatoriedade de quaisquer “avisos”. Pois estas manifestações são dotadas do primo subjetivismo de seus autores que versam em linguagem universal. Fazem arte e não ofício portanto inalcançáveis pelo Direito Penal, que, de forma alguma, deve se preocupar com a criatividade humana a serviço da arte.
    Um Ministro da Fé não faz arte em suas liturgias, da mesma forma que um Magistrado não faz arte com sua sentença, ou um Médico em sua intervenção cirúrgica. O produto de suas elevadas funções não são universais , pois uma melhor técnica, no futuro, pode prescindi-los, logo suas ações tem a vigilância do Direito Penal.
    Finalizando sapientíssimo camarada observe a seguinte anotação sobre omissão causal :
    A omissão é causa de um evento sempre que sem ela ele não teria ocorrido. Mas só se pode imputar responsabilidade penal ao agente que se omitiu quando ele tinha o dever jurídico de impedir o evento. Este dever jurídico pode resultar de um mandamento expresso ou tácito da ordem jurídica (lei, mandamento equivalente à lei), da assunção da responsabilidade de impedir o resultado por qualquer forma que seja (), de uma situação de perigo criada anteriormente pelo agente, mesmo que sem culpa. O princípio dominante neste último caso é o de que quem criou um perigo de um resultado tem a obrigação de impedir que ele se realize. O C.P. italiano diz num dos seus artigos: "Não impedir um acontecimento que se tem a obrigação jurídica de evitar, equivale a causá-lo", o que no Brasil se considerou ocioso declarar porque o nosso C.P. considera como causa a ação ou a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Acontece, porém, que um código não se dirige apenas ao doutos, dirige-se ao público, tem um valor educativo, daí não vermos nenhuma desvantagem a que numa lei se sacrifique a coerência lógica em favor da clareza de um princípio do qual até mesmo um leigo não duvidará. B. - Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, I. Rev. For. ed. Rio, 1949; E. Magalhães Noronha, Direito penal I, Saraiva ed. São Paulo, 1968. () As palavras em itálico foram inseridas pelo atualizador, porque o autor falava em relação contratual, e atualmente, por força do artigo 13, §2º, "b" do CP, a condição de garantidor pode vir de situações outras que não a relação contratual. ((Nota do atualizador - Alguns autores consideram imprópria a expressão "omissão causal" como por exemplo Damásio de E. de Jesus (Direito Penal, vol. II, pg. 18, ed. Saraiva, 1994) quem afirma que "do nada nada surge", sucedendo simplesmente que é a norma penal que incrimina a conduta, e que este "deixar de fazer" significado pela omissão não se apresenta como causa sob um plano físico, externo e natural de acontecimento, sendo unicamente uma atribuição de responsabilidade dada pela lei e não um nexo causal no mundo fático. Data venia, muito embora como premissa lógica esteja certíssima a tese do ilustre penalista, na redação do art. 13 do Código Penal ("Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido") patenteia-se claramente a intenção de "considerar" como causa a omissão, e não a afirmação de que o seja realmente no universo físico. Havendo conduta omissiva, somente será relevante para o direito penal quando, de acordo com o § 2º do mesmo artigo acima referido, o omitente devia e podia agir para evitar o resultado, incumbindo tal dever de agir a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado ou com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Ora, sendo causa física ou não a produzir o resultado, não é isto o que embasa a sua incriminação, e sim a presença de alguma das condições descritas para no seu § 2º. Deste modo, nenhuma importância tem o acerto ou desacerto da redação do artigo para a aplicação prática, pois mesmo considerando-se causa a omissão, só será imputável à luz dos elementos contidos no § 2º, de natureza puramente normativa Ainda enfocando a redação do artigo, vislumbra-se, na primeira oração, que o resultado é imputável a quem lhe deu causa; pois bem, a prosperar a visão do brilhante autor, o resultado não seria imputável à conduta omissiva, sendo mais correto enunciar-se, por exemplo, que "o resultado é imputável a quem lhe deu causa ou à quem se omitiu, nos termos dos parágrafos abaixo", o que, repetindo, teria as mesmíssimas conseqüências jurídicas do atual dispositivo, sendo um perfeccionismo lógico e redacional em detrimento da clareza educativa a que se refere o autor da Enciclopédia, no presente verbete.)
    Meu negrito - Fonte da Enciclopédia Eletrônica Leib Soibelman
    Esta é a minha censura:- Inaplicabilidade do preciosismo jurídico da construção do dever de Garante, podendo ser presumidos, para crimes omissivos impróprios – RT 610/432;
    Resumidamente tenho que sua inteligência se alinha as razões Damasianas e a minha as do insigne e anônimo revisor da Enciclopédia.
    Amistosamente
    Amáfi

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    Moysés Neto Terça, 01 de agosto de 2000, 15h43min

    Caro Amáfio:

    Apesar de todos os seus excelentes comentários, amparados em boa doutrina e jurisprudência, creio haver ainda certas observações ainda mal esclarecidas.

    Em primeiro lugar, entendo que, aqui, temos quatro assuntos diferenciados: a) a ação (omissão); b) ao nexo causal; c) o elemento subjetivo do tipo; d) a culpabilidade.

    Gostaria de separar alguns assuntos que foram tratados no mesmo local:

    1) Dissestes que a (in)exegibilidade de conduta diversa situa-se na culpabilidade em relação aos tipos comissivos. Concordo. Mas em relação aos omissivos também. É plenamente possível o agente atuar omissivamente para a produção do resultado, com dolo ou culpa, e, no estrato da culpabilidade, restar o fato incensurável ao autor, ou seja, esteja ele amparado na inexigibilidade de conduta diversa. Evidente que um insano, por exemplo, nunca poderá ser tratado como garantidor. Nesse ponto, a omissão antecipa a culpabilidade. Contudo, a culpabilidade não se resume a imputabilidade. A inexigibilidade de conduta diversa não exige insanidade, pois é gênero da qual esta é espécie. Nem é pressuposto objetivo da inexigibilidade o estado de necessidade, pois que assim teríamos uma justificativa excludente de ilicitude, juízo anterior à culpabilidade. O importante, contudo, é que a situação de garantidor é elemento próprio da omissão (ação), que representa um nível diferente da teoria do crime. A omissão, portanto, não se confunde com o tipo (assim como a ação), pois que é pressuposto deste. Aqui entendo o que queres dizer com o arrepio de WELZEL, se bem que ele próprio tinha a omissão como uma definição normativa, e não ôntico-ontológica. A omissão, portanto, como pressuposto do tipo, exige a análise tanto dos elementos objetivos e subjetivos deste, quanto da ilicitude e da culpabilidade. Com a máxima vênia, tenho que confundes omissão, culpa “stricto sensu” e nexo causal, tratando todos como se fossem uma matéria só, articulada no art. 13.

    2) Pois bem. O fato do agente ter se omitido não pressupõe sua culpa (ou dolo), o nexo causal e a culpabilidade. Já disse o porquê não considero o Ministro garantidor. A sua “pregação” não implica, necessariamente, em um juízo morte. Não há nenhuma conexão entre a atividade de pregar e a e garantir que não haja suicídio. Aliás, acho que nós dois resvalamos, porque eu, anteriormente, havia falado de homicídio culposo, e tu, se não me engano, de genocídio. A menos que discordes do meu entendimento, o único crime que seria imputável a esses ministros seria o de instigação ao suicídio, nunca homicídio, pois quem (se) “matou” foi a própria pessoa. E nem a condição “sermão”, por si só, implicaria o resultado. Da minha parte, porém, volto ao problema do garantidor.

    3) Veja bem: não se pode obrigar alguém a desvanecer os seus simbolismos, ainda mais quando sua atividade implique constantemente uma “simbolização” do real. O Padre, quando reza a missa, nos moldes católicos, não diz que está fazendo simbolismos. Não diz, filhos, não me interpretem mal. Eu, Moysés, sou ateu, mas, na minha infância, freqüentei a missa, e nunca ouvi coisa semelhante. Duvido muito que nas igrejas evangélicas seja diferente. E quem dirá nas islâmicas, orientais (alguém já pensou em incriminar algum mestre oriental por co-autoria em lesões corporais, naquelas “provas de fogo” que, às vezes, vemos seus discípulos passarem na televisão?), etc. Resposta: da minha parte, nunca vi. E por quê? Simplesmente pelo fato de que a advertência quebraria a significação do simbólico, quebraria um dos pilares da religião. E isso é exigível a um sacerdote? Não. Bem, começamos pelo contrário, ou seja, no mínimo, é um a omissão não culpável. Quem dá um sermão, utilizando simbolismos, para o convencimento dos outros na sua fé age com o intuito de matar alguém, ou provocar neste alguém o suicídio? Evidente que não. Se quisesse, mandaria este alguém suicidar-se, como no teu exemplo. No mínimo, não há dolo, o agente NÃO ASSUME o risco do resultado “morte”. Será que alguém pensa em que alguém pode se suicidar quando prega? Não. Deveria? Sim, deveria, mas o dolo não é conhecimento “potencial”, e sim “atual”, “real”. Assim, estamos longe de qualquer espécie de dolo, inclusive o eventual, pois o agente não assumiu o risco do resultado “morte”. Mas volto à posição de garantidor.

    4) Voltando ao raciocínio anterior, pergunto: porque não é necessário que o sacerdote desfaça seu simbolismo? Simples: pela normalidade social do seu comportamento. Se nenhum sacerdote desvenda seus simbolismos, por que razão terá este de fazê-lo? Isso simplesmente pelo fato de que o direito penal não exige de uma pessoa a preocupação com o comportamento anômalo da outra, p. ex., não se exige de quem passa a sinaleira com sinal verde preste atenção se vem algum pedestre atravessando a rua (princípio da confiança).

    5) Uma coisa tem de aqui ser posta: tenho que não há situação de ingerência, pois o sacerdote não aumentou o risco do acontecimento. Embora tenha contribuído no ânimo de suicídio do agente, do ângulo social, ou seja, dentro dos parâmetros do homem comum, dentro dos padrões em que agem, normalmente, os sacerdotes, o ministro agiu legitimamente. Vejamos bem a situação: o ministro mandou alguém se matar por fé? Disse que alguém devia morrer por Deus? Sequer se referiu à morte, redenção, etc.? Não! Nunca! Ele se referiu apenas à fé. Então, analisando mais detidamente, nem sequer houve omissão, pois que ele sequer criou uma situação de risco. Se assim fosse, todos os sacerdotes em todas as missas perderiam mais tempo advertindo seus fiéis e IMAGINANDO hipóteses de suicídio do que espalhando sua fé. O direito não pode servir como mecanismo para refrear a normalidade social. Se ninguém adverte os fiéis, NÃO HÁ SITUAÇÃO DE RISCO, portanto, não há ingerência. Exclui-se, a meu ver, as disposições acerca da omissão. Não houve omissão penalmente relevante, pois não houve situação de risco, e sim situação NORMAL. Isso do ângulo omissivo.

    6) Contudo, vejo que a ação se enquadraria, muito mais que num crime omissivo, num crime COMISSIVO, pois não foi a ausência de advertência que causou o resultado, mas a frase (mal) interpretada pelo fiel. Sendo assim, a instigação ao suicídio seria comissiva, e não omissiva, de sorte que penso até ser inadequado falar aqui de “omissão”. Do ângulo da “comissão”, volto à teoria da imputação objetiva.

    7) Não basta a mera incidência do art. 13, no que tange à ‘conditio sine qua non’. É igualmente preciso a causalidade normativa. Não entendi muito bem a equiparação do pensamento que defendi com o de DAMÁSIO, pois que, em verdade, não discuto se a causalidade é física, ou não, mas, pelo contrário, admito que a “conditio sine qua non”, na omissão ou comissão, física ou não. Contudo, não basta haver a “conditio”, é preciso que haja um nexo de imputação objetiva entre a conduta e o resultado. Esse nexo é jurídico-valorativo.

    8) Sendo assim, dou um passo além da ação, que entendo concretizada (não sob a forma de omissão, pois não houve ingerência), e passo ao exame da tipicidade, no nexo de causalidade. E volto à teoria da imputação objetiva. Preenchidos os pressupostos da ‘conditio sine qua non’, passa-se ao exame normativo, e vejo, claramente, pelos mesmos motivos que expus acima, que o ministro não aumentou o risco, pois estava praticado uma ação lícita. Não é a mesma coisa a situação do magistrado, que dá uma ordem secular, e do médico, que prescreve uma medicação secular – trata-se de situação muito mais próxima da arte do que da ciência. Não vamos abstrair a realidade – a religião não é secular (seria uma ‘contraditio in adjecto’) e, portanto, o ministro não tem a mesma função do juiz ou do médico. Pelo contrário. E mais: estava em exercício regular do seu direito de crença, falando de fé, e não de suicídio, de forma que seria até estranho, anômalo, se começasse a advertir sobre más interpretações. Todo o sacerdote teria de fazê-lo, se fosse exigível. E o direito penal não é a fonte adequada para mudança social – pelo contrário, é o meio mais violento e antidemocrático possível para tal transformação. Logo, creio estar excluída a causalidade normativa, e, portanto, o fato não é imputável ao sacerdote.

    9) Descabe falar de culpa, nesse caso. Não chegamos ao juízo sobre os elementos subjetivos do tipo. O tipo objetivo não se concretizou. Não há causalidade. Tu mesmo citaste um precedente do STF que determina que deve haver previsibilidade na culpa. Houve previsibilidade? Não. Mais: nem sequer era exigível que houvesse. De qualquer forma, descabe falar de culpa ‘stricto sensu’, ou dolo, nesse caso. Não chegamos a esse juízo. Não chegamos a culpabilidade, para falar de inexigibilidade. o fato é atípico, objetivamente.

    Essa é a minha opinião.

    Respeitosamente,
    Moysés.

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    Amafi Sábado, 05 de agosto de 2000, 0h56min

    Caro Moysés
    Com gáudio sorvi suas colendas objeções. Surpreendo-me a cada letra com suas lições, consolidada na excelência de seu sustentar, o quê, sem dúvida levaria ao júbilo os seus mestre, e, restando-me humildemente assinalar minha mais alta admiração.
    Assim sendo, procurarei tecer meus comentários sem prolepses.

    1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9) Quero sustentar que estou tratando de Omissão imprópria, culpa negativa e dever de Garantidor, contraponteando o que foi afirmado sobre a aglutinação dos seguinte conceitos: omissão, culpa em sentido restrito e nexo causal.
    Afirmaste que “a omissão, portanto, como pressuposto do tipo, exige da análise de elementos objetivos e subjetivos” (sic). A teoria normativa aplicável a todos aos casos do Art. 13 é fica estéril quando ocorrem crimes omissivos cujo autor se colocou na posição de garantidor em virtude de seu comportamento. (teoria naturalista) Damásio afirma “O tipo não descreve condutas proibidas, deixando ao exegeta a tarefa de indicar se , em face do ordenamento jurídico, o omitente pode ser equiparado ao agente” . “Em face do ordenamento jurídico para a teoria normativa , vamos usar um termo aqui bem acadêmico, é o bam-bam-bam, da teoria do crime, resolve-se o problema dos crimes omissivos no verbo do tipo do crime causa, como o ilustre penalista apresenta. O exegeta fica adstrito ao verbo de um tipo “in passant” do crime origem, e veste a jórnea da legalidade.
    Vemos o normativismo como um poderoso instrumento de inteligência do Direito Penal, contudo, preferimos neste caso nos alinhar aos naturalistas. Nos crimes comissivos por omissão, e somente nesses onde não há como tipificar todas as condutas negativas, como querem indiretamente os normativistas quando apontam a saída para o verbo do tipo causa, o exegeta, em face do ordenamento jurídico, tutelador de bens jurídicos estratificados, deve sim, soltar-se das amarras da “legalidade”, ponderar os valores jurídicos sob ameaça e, dentro do princípio da razoabilidade, soerguer a figura do garantidor comportamental, no sentido de proteger o bem jurídico mais tutelado pelo direito penal. – Welzel deve ter tido um choque anafilático...Pois suprimi o tipo dos crimes omissivos impróprios. Para um normativista seria o mesmo que se suprimir Eva do paraíso.

    Vejo insularmente o caso do Ministro como homicídio culposo, e o do Genocida como instigador. O Ministro agiu com culpa negativa, sem dolo. O Genocida queria levar as pessoas para um lugar melhor. Dolo direto, portanto instigamento.

    Suas indagações são consistentes sobre o desenrolar de qualquer liturgia, quando me indaga sobre o descabimento de qualquer dever do cuidado do Ministro em seu ofício. Esta é uma necessidade moderna que mentes brilhantes do penalismo erigiu, buscando sobretudo dar proteção a bens jurídicos nobres, como a vida e a dignidade da pessoa independente do credo.
    Não queremos mudar a sociedade atrevés do Direito Penal. Entendemos que o Direito Penal não deve se vergar a religião ou credo. Se houver alguma adaptação deve ser na ação dos inúmeros Ministros da Fé no sentido de respeitar bens tutelados inegociáveis na sistemática penal. Verdadeiramente a religião ou crença, de índole construtiva ou negativa, não podem ser profanadas por força constitucional, a qual o legislador penal deve render-se. Neste sentido, os simbolismos não merecem censura.
    Entretanto a fértil inteligência desses Homens da Fé, utilizando-se dos mesmos simbolismos, conseguirão não conspurcar bens tutelados pelo direito penal, que se enxovalhados, colocarão em risco o nosso próprio viver em sociedade.
    A Igreja teve e tem magníficos oradores que, como o Padre Antônio Vieira, no início da época moderna, que, com simbolismos, deixa repletos àqueles que o lê. Para esses homens, presentes em todas religiões de índole construtiva, tenho a minha mais alta admiração. Somente tenho a lamentar que esses talentos são raros.
    Descabe a assertiva de crime comissivo sob pena de se restringir o conteúdo simbólico e atacar, aí sim a crença e a fé.

    Assim, resumidamente, vejo a questão não pelo tradicionalismo normativo, pois o Art. 13 me autoriza tão-somente para os crimes omissivos impróprios. Por isso que em minha análise não se vê tipo, imputação, objetiva. Tenho somente a omissão, uma culpa negativa, e o dever de garantidor comportamental, perquiro suas circunstâncias subjetivas, e, se construída a responsabilidade com o dever de garantidor decorrente de sua omissão diante das circunstâncias, cabe ao exegeta ponderar os bens tutelados e aplicar a norma.

    Por exemplo, se por culpa negativa do Ministro da Fé alguém sobe os 365 degraus da escada da Penha no Rio e esfola o joelho, tem-se que não há qualquer responsabilidade do Ministro, pois ponderou-se os bens jurídicos, concluindo que não vale atacar a forma de ministrar a liturgia do ministro.
    Contudo se essa pessoa tem um ataque cardíaco e morre do coração tem-se a censura penal sobre a forma litúrgica, pois ao Estado Laico, o quê interessa é tutelar a vida sobre qualquer outro bem jurídico.
    A propósito. Suponhamos que haja uma liturgia e inúmeras pessoas venham subir a escada demonstrando sua fé. Seria inacreditável que o direito penal vestisse o capelo do normativismo e não censurasse a forma litúrgica do Ministro, que em nenhum momento se preocupou com o estado físico de seus fâmulos.
    Finalmente venho a agradecer seus oportunos esclarecimentos neste debate que avivou minha inteligência do Direito Penal.

    Renovo meus votos de cordialidade e aguardo lisonjeado suas críticas.

    Amáfi

    Nota: Gostaria de colocar nosso embate em meu Painel de Temas Jurídicos, caso não se oponha.

    Confira em www.amafi.hpg.com.br

    Obrigado.

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    Moysés Neto Segunda, 07 de agosto de 2000, 18h14min

    Caro Amáfi:

    Perdoe-me a teimosia, mas creio que continuo discordando do seu entendimento. E mais: acredito que chegamos numa situação-limite.

    Explico: para mim, o que chamas de ‘normativismo’ significa, apenas, respeito ao princípio da legalidade, mais especificidade determinado pelo que BELING sugeriu ser seu coroamento: o princípio da ‘tipicidade’. A lei penal, por ser a resposta estatal mais violenta a uma infração de suas leis, por gerar uma série de ‘estigmas’ que podem, inclusive, definir um papel social do agente (o papel de criminoso) – exige o máximo de precisão e certeza na sua aplicação. Digo: segurança jurídica. Assim, a interpretação de um tipo penal ‘sempre’ deve ser estrita, inclusive pelo velho brocardo hermenêutico de que ‘a exceção sempre deve ser interpretada estritamente’. Ora, isso ganha particular relevância em face dos princípios político-criminal da intervenção mínima, da carência de tutela, e jurídicos da subsidiariedade e fragmentariedade do direito penal. O direito penal só intervém na guarda dos bens jurídicos de mais alta relevância: intervenção mínima, subsidiariedade. Mas não basta isso: é preciso, igualmente, que só ataque quando todos os outros meios falharam: ‘carência de tutela’ (FIGUEIREDO DIAS), fragmentariedade (BINDING). Assim, não se tem dúvida que o tipo é sempre uma exceção, é ‘uma’ das milhares de condutas lesivas ao bem jurídico. Não pode ser interpretado extensivamente, não pode ser suscetível de analogia: como tal, é exceção. Ir além do teor literal da norma é violar frontalmente o princípio ‘nullum crimen sine lege’. Assim, a ‘cláusula geral’ do art. 13, no que tange a omissão, é uma técnica legislativa que ‘completa’ o tipo comissivo, devendo, como tal, para efeitos de incriminação, ser interpretada estritamente. Pouco importa que se ache que X em tal situação tinha o dever de impedir, não se subsumindo ao texto legal, não é garantidor. Ou, conforme BAGACILUPO, ‘meros deberes morales resultan, por lo tanto, insuficientes para dar lugar a um deber de garantía’ (“Lineamentos de La Teoría del Delito”, p. 163). Do contrário: tem-se violação frontal da legalidade exigida num Estado Democrático de Direito, num Estado Garantista, onde o direito penal não tem só a função de proteger a sociedade, mas também de proteger o acusado do arbítrio desenfreado de um Estado autoritário.

    Finalizo com ALBERTO SILVA FRANCO: “se o legislador recorrer a ‘cláusulas gerais’ , tornando indefinida e imprecisa a definição do comportamento humano, ou se dá ao tipo ‘margens penais’ alargadas de forma a transformar o juiz em legislador, a arbitrariedade judicial poderá campear à solta, sem rei, nem roque” (“CP e sua Interpretação Jurisprudencial”, v.1, t.1, p. 32).

    RESUMINDO: COM, OU SEM OMISSÃO, SEMPRE, SEMPRE, SEMPRE, DEVE HAVER TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA, PREENCHIDOS TODOS, TODOS, TODOS, OS REQUISITOS DO TIPO OBJETIVO E SUBJETIVO.

    Saudações,
    Moysés.

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    Amafi Sexta, 11 de agosto de 2000, 18h53min

    Caro Moysés

    Grato pela sua douta atenção.
    Em verdade, no início, já tinha lhe avisado que minha missão era inglória, visto seus ensinamentos representarem bem a opinião dos demais debatedores, neste tema como inclusive as registrei em meu painel de temas jurídicos.
    O que me causou espécie foi justamente esta concordância, pois sabemos como certo poeta, neste sentido, asseverou que as unanimidades são formas de extremismo, e como tal nos envolve numa camisa de força, bem a serviço dos interesses dos detentores de poder.
    Assim o foi com o Código Napoleônico, que pretendia ser secular, justamente fincando-se em afirmações como “máximo de precisão e certeza na sua aplicação”.
    Por isso prefiro pensar que não estamos numa “situação-limite”, pois o limite é um extremo, e, a boa dialética, e é o que estamos fazendo nesta sede, exige-se que sustentemos nossas posições com uma única pretensão, ter o entendimento melhor do objeto em foco, e, neste sentido, sou-lhe muito grato. Na verdade estou numa situação-meio pronto para reconhecer, identificar, e criticar posicionamentos heterodoxos e ortodoxos.
    Construir a figura do garantidor comportamental do Art. 13, com o desaparecimento do tipo penal para ‘aqueles caso, não nego, que foi uma provocação ao normativismo.
    Entendo-o como a melhor ferramenta de aplicabilidade do direito público, estabelecendo as garantias mínimas para viver em sociedade, limitando a intervenção do Estado na sociedade. Não desejo me opor à fórmula geral normativa quer no direito público, muito menos no penal.
    Não se quer aqui a extinção do princípio “nullum crime, nulla poena sine praevia lege – Art. 5 XXXIX da CF, devendo ser afastadas, como conseqüência do princípio da reserva legal, a analogia ” in malam partem “, a interpretação integrativa ou ampliativa, e as regras jurídicas que não são lei em sentido restrito como as medidas provisórias.
    Minha crítica reside no fato do normativismo pretender o impossível, estabelecer “in abstrato” todas as condutas omissivas relevantes ao Direito Penal, quando muito melhor seria se esta construção viesse da jurisprudência, adstrita a valores positivados em nosso direito positivo.
    Não pode o Direito ter sucesso onde ciências mais autorizadas como a sociologia e a psicologia fracassaram. A resposta mais próxima a isso foi obtida com B.F. Skiner, comportamentalistas, que conseguiu previsibilidade de condutas comissivas.
    Como o normativismo pretende o impossível, temos conseqüência a impunidade, em oposição a “arbitrariedade judicial” .
    A aplicabilidade de normas penais cumpre três requisitos: necessidade, proporcionalidade e eficácia, superando a máxima da intervenção mínima e a subsidiariedade do liberalismo jurídico.
    Intervenção necessária não significa arbitrária. O Direito Penal possui princípios próprios e institutos autênticos que lhe confere o “status” de ciência, dentre os quais realmente o da legalidade é o mais importante, e em hipótese alguma pode ser maculado.
    Não pode contudo se sitiar em abstrações e de se lançar no meio social com se este não existisse, como sugere Juarez Tavares seguindo aplicadamente a lição de Roxin, até por que a ciência não basta em si mesma, exceto as ciências do divino.
    Todo produto cultural é informado pelo meio social, e o que é preciso e certo hoje, amanhã pode ser objeto de risos ou ovação.
    Nota-se que artigo 1 do CP não fala em lei penal, falando tão somente em lei, que, interpretando-se ultra-restritivamente seria aplicável a conduta omissiva do garantidor comportamental em função do ofício.
    Não se aplicaria por exemplo às condutas omissivas do garantidor comportamental eventual.
    Vemos hoje a dificuldade do Direito Penal em se ajustar aos anseios de nossa sociedade. A cada momento surge uma nova norma draconiana buscando solucionar o problema da impunidade, que dentre muito aspectos, tem causa no normativismo extremado, que pretende construir um Direito Penal desprovido de valor em sua aplicação.
    Tomemos o exemplo da inimputabilidade pelo critério biológico adotada pelo CP, quando toda a sociedade clama, inclusive a jurisprudência, pela necessidade de implementação do critério psico-biológico para definir a inimputabilidade penal.
    Podemos dizer que este normativismo implica na ditadura do legislador, que embora tenha representatividade popular direta, via de regra, representa interesses outros que não seja do povo.
    Assim sendo, e diante do atual cenário criminal, prefiro um sistema híbrido, onde a jurisprudência tenha liberdade de ponderar valores normatizados em nosso Direito Positivo, adstrita ao princípio da reserva legal, contrapondo-se aquele entendimento léxico do conteúdo verbal.
    Têm-se duas forças contrapostas: a impunidade que é gerada pelo normativismo radical de Jacobs , instrumento do liberalismo jurídico, e a arbitrariedade, que se origina na causalidade radical de Kant, instrumento do Estado intervencionista.
    No direito anglo-saxão temos o direito positivo produto da construção jurisprudencial e nem por isso podemos denominá-lo de “arbítrio judicial”. Certo que lá para o Poder Judiciário e o Ministério Público a expressão povo não enseja mera licença forense, e a cultura jurídica é diferente da nossa, onde aqui, o Poder Judiciário, é uma função com “status” de poder, desprovido de povo..
    Nunca votei em membros do MP e do PJ, e, - onde posso ver “povo” numa jovem de 21 na Magistratura?
    Ficamos com a lição de Zanobini onde afirma que “tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado”, tendo sempre em mente que o Direito Penal não existe para o Direito Penal, esta interdisciplinado com outras áreas do direito, e serve a sociedade, devendo possuir mecanismos eficientes de construção de valores jurídicos, e não unicamente a norma, valores emanados do húmus social, únicos legítimos numa democracia sem arbítrio ou impunidades.

    Cordialmente

    Amáfi

    Nota : Observei que nesta sede há interessantes anotações sobre a teoria da Imputabilidade Objetiva, que certamente será de seu interesse.

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    Moysés Neto Segunda, 14 de agosto de 2000, 10h40min

    Caríssimo Amáfi:

    Desculpe-me se te sentiste ofendido. Não foi esta a minha intenção. Apenas quis referir que os precedentes citados naquele local estavam demasiado longe do assunto tratado ali.

    Volto para o nosso assunto.

    Quando referi que estávamos em uma “situação-limite”, disse-o porque cheguei à conclusão – certa, pelo que vi na sua resposta - de que nossa discussão sobre o nexo causal deixou de ser sobre o nexo causal e passou a ser sobre política-criminal. Quando disse situação-limite, queria dizer que paramos de discutir o caso: em última instância, nossa discussão passou da situação concreta a uma opção político-criminal.

    E não que eu queira fugir do assunto. Realmente, embora reconheça sua coragem, sua originalidade e coerência, discordo completamente da tua posição. Já expressei em outro lugar: o direito penal é demasiado violento para servir de mecanismo de “ordenação da normalidade social”. Responsabilidade, sim, mas por outros meios que não a violência do controle penal. Foi esse argumento da impunidade devido às lacunas legais, na Alemanha, que levou SAUER e outros juristas a repudiarem a princípio ‘nullum crimen’, amparados no famoso caso do ‘furto’ de eletricidade, que não foi considerado crime pelo Supremo Tribunal Federal alemão. E levou aos horrores do nazismo. Sou minimalista, sim, e por isso creio que nunca chegaremos a um acordo. Tenho fundamentos e até seria bom discuti-los contigo. Contudo, com isso, roubaríamos o espaço e desviaríamos da finalidade desse grupo – discussão sobre o nexo causal.

    Me ponho, entretanto, à disposição para a discussão sobre política-criminal, certamente a mais calorosa na área penal.

    Moysés.

    Nota: Discordo quando disseste que o sistema de JAKOBS é liberal. Pelo contrário: é o seu sistema funcional-sistêmico que dá legitimação ao ”direito penal simbólico” que hoje assola o mundo, na melhor feição da política-criminal ‘law and order’.............

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    Amafi Segunda, 14 de agosto de 2000, 23h37min

    Caro Moysés, esta será minha última mensagem

    Vc tem razão quando diz que estamos nos alongado nesta discussão, e, ainda para piorar o índice do debate vem com eco, apresentando o triplo de réplicas.
    O nosso colega de RECIFE, que boa terra, deve estar entediado com os devaneios desta discussão.
    Assim sendo, se tiveres interesse, posso abrir um canal para conversarmos sobre este e outro tema de Direito Penal e Política Criminal, em minha Home. Caso concorde me mande um E.Mail confirmando a intenção e sugerindo um tema.
    Prefiro fazê-lo assim do que no E.Mail direto, abrindo um canal através da minha Home, pois qualquer pessoa que tenha internet poderá ler nossas considerações, e quem sabe, também apresentar outras novas.
    Está seria nossa pequena contribuição para a popularização, ou melhor, a democratização do Direito, que infelizmente fica guarnecido nas altas mentes dos doutores e seus discípulos em livros caríssimos, e em congressos onde vale mais a vaidade e a aparência do que a necessidade de se construir algo melhor para sociedade, ressalvadas as honradas exceções.
    Fico feliz ter nossa discussão ter passado pelo tecnicismo jurídico do dogmatismo penal penetrando a seara Política. Diferentemente do que afirma Paulo José da Costa Jr., onde entende que “a ciência político penal não se ocupa com as causas do crime nem tece considerações biológicas ou sociológicas sobre o delito”, entendemos que Ciência Penal não tem o anotado pelo insigne penalista como objeto imediato.
    Faz-se sempre necessária uma visão periférica, e, não poucas vezes, está nos clareia o objeto em estudo, porque o dogma sempre tem um “minimus” de autoritarismo, uma reserva cognitiva inquestionável.
    A Ciência Penal, como toda ciência, necessita da sistematização, mas não pode o estudioso se sistematizar, torna-se tão somente um tecnicista, e, neste sentido, faz-se importante semear a lição suspeita com sementes políticas, como fazem os verdadeiros mestres.
    Quando vc traçou suas considerações políticas teve a reflexão dos grandes estudiosos, um passo a frente dos tecnicistas. Estes sempre serão servis aos ensinamentos institucionalizados, àqueles criarão um direito renovado, mais atento ao clamor social e as necessidades democráticas de nossa incipiente Nação mestiça.

    Ultimamente

    Amáfi

    Nota : VC tem razão sobre JaKobs e não foi uma provocação mas sim um deslize.

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    José Eduardo Cerqueira Gomes Terça, 15 de agosto de 2000, 17h33min

    Caro colega,

    A minha análise o nexo de causalidade está ligado a uma causa relativamente indepentdente preexistente na qual o ministro da fé poderia ser enquadrado no art. 122 do CP, induzimento,instigação ou auxílio ao suicídio e na qual não se deixa de descaracterizar o crime de eutanásia.
    Esse ministro da fé teve uma conduta na qual foi causa, pis se não fosse os seus acoselhamentos o resultado não teria ocorrido, momento nem como ocorreu

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    José Eduardo Cerqueira Gomes Terça, 15 de agosto de 2000, 17h44min

    Caro colega,

    A minha análise o nexo de causalidade está ligado a uma causa relativamente indepentdente preexistente na qual o ministro da fé poderia ser enquadrado no art. 122 do CP, induzimento,instigação ou auxílio ao suicídio e na qual não se deixa de descaracterizar o crime de eutanásia.
    Esse ministro da fé teve uma conduta na qual foi causa, pis se não fosse os seus acoselhamentos o resultado não teria ocorrido, momento nem como ocorreu. Tendo como animus da ação poderia até ser enquadrado na doutrina como dolo eventual já o profissional sabendo que o doente poderia morrer sem os medicamentos aceitou a possibilidade do resultado acontecer e se mostrou indiferente, ou culpa conciente da forma que ele poderia prever o resultado, mas tinha a real certeza que não iria morrer. e Desde já abro espaço para essa defesa de culpa ou dolo.

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    Moysés Neto Quarta, 30 de agosto de 2000, 10h48min

    Caro Amigo:

    1) Não entendi o porquê da inclusão do médico no assunto, pois estamos analisando a conduta do Ministro de fé, não do médico. Pareceu-me até um pressuposto de que nem houve intervenção médica no meio do evento.

    2) Defendi insistentemente, e parece que ninguém compreendeu, que não basta ser "conditio sine qua non". É preciso uma causalidade jurídica, um nexo de imputação objetiva. Sem dúvida não teria ocorrido o resultado sem a intervenção do ministro - então há causalidade física. Mas não há causalidade jurídica, ou seja, o ministro não aumentou ilicitamente o risco do acontecimento do evento, ou, mais claramente, ele agiu dentro do espaço de liberdade que lhe é permitido, não podendo lhe ser imputado objetivamente o resultado por uma ausência de "conexão de risco" entre a ação "lícita" e o resultado "morte".

    3) É absurda a imputação subjetiva do dolo eventual ao ministro. Dolo pressupõe consciência atual, e não potencial do ilícito. A culpa "stricto sensu" seria até aceitável, como fez o amigo Amáfi, que dá uma interpretação rigorosíssima ao dever objetivo de cuidado, aumentando, a meu ver, excessivamente, a questão da previsibilidade do resultado. Mas isso nós dois, eu e Amáfi, já discutimos incessantemente. Mas dolo! Dolo é consciência ATUAL da situação fática, coisa que, obviamente, não houve, a menos que o ministro, em conversa pessoal com o fiel, SABENDO da sua decisão, assim o aconselhasse, mas isso já é outro caso. NESSE CASO, o elemento subjetivo do tipo pode, ao máximo, ser a culpa, pressupondo uma previsibilidade que a meu ver é até excessiva, mas NUNCA dolo eventual, eis que este pressupõe uma consciência atual do fato, nunca portencial (o ministro "deveria" saber, para os que defendem a culpa, mas nunca se poderia dizer que ele "sabia" e aceitou o risco, ex., se ele soubesse que um fiel está sendo medicado e vai desistir do medicamento, e mesmo assim prossegue no seu sermão. Neste caso, em tese, poderia haver dolo eventual, NUNCA, NUNCA, NUNCA, quando não há conhecimento ATUAL dos fatos, e o Ministro não conhecia os fatos). O dolo eventual virou deu origem a uma "ciranda" de ilegalidade, eis que, principalmente no trânsito, hoje em dia "qualquer coisa" é assumir o risco de produção do resultado. Mas para alguém assumir o risco é preciso saber que risco assume, e para isso é preciso conhecer a circunstância fática. Assumir o risco não é uma circunstância abstrata, mas totalmente concreta.

    4) O dolo é elemento do tipo, e não podemos esquecer que o tipo serve como garantia (corolário do princípio da legalidade) ao acusado de violar a lei penal. Portanto, não comporta interpretação ampliativa, e muito menos analogia.

    Saudações,
    Moysés.

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