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    thais Quinta, 31 de agosto de 2000, 1h56min

    para responder a esta questão existem duas correntes:
    a) a primeira diz que o estado puerperal da mulher é personalíssimo e por isso não se transfere a quem ajudou a mulher a cometer o crime.Por isso ela responderia por infanticídio e a outra pessoa por homicídio qualificado.
    b) a outra corrente que é majoritária diz que o estado puerperal é elementar do tipo, e como podemos confirmar com o art 30 CP , se transfere a outra pessoa. Sendo assim ocorre o concurso de agentes, onde a mãe responde por infanticídio e o outro também.
    Espero ter ajudado, aguardo resposta.

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    Amafi Quinta, 31 de agosto de 2000, 23h35min

    Caro Jair
    Tema deveras espinhoso....
    Em verdade a lei criminal de 1890, anterior ao CP de 1940, anotava o infanticídio como homicídio privilegiado ( honoris causa ), estado psicológico do agente, ao passo que Mirabete e Paulo César da Costa Jr. entendem-no como delito autônomo, adotando o sistema psicofisiológico, que é a sistemática atual do CP. RT 548/349 "Ocorre infanticídio...consciência da mãe se acha obnubilada pelo estado puerperal, que é o resultado clínico resultante de transtornos que se produzem no psíquico da mulher em decorrência do nascimento do filho", no mesmo sentido JTACRIM 88/258.
    Pois bem, com este entendimento seria impossível o infanticídio para esconder a desonra, certo? Errado, temos lições jurisprudenciais em sentido contrário, "é o temor à vergonha da maternidade legítima, motivo que levou o legislador a admitir os casos de abrandamento da pena" - RT 442/409 e neste sentido, RT 421/91, RT 435/410 e RT 581/291.
    Preferimos o primeiro entendimento. Para se vislumbrar a norma penal não basta à interpretação hermenêutica mas a lógica-sistemática. Se a "honoris causa" não é suficiente para permitir o aborto de relação extraconjugal, como pode se fiar à interpretação que sublinha tão somente o aspecto psicológico, como suficiente para se justificar o infanticídio? Conclui-se ser postulável, em nossa sistemática penal, o critério psicofisiológico, tão somente.
    Anota o Professor P.C. Costa Jr., que a conferência de desembargadores de 1943 no Rio, asseverou que “a não-comunicabilidade seria admissível se se tratasse de homicídio privilegiado (sistemática anterior), não de crime autônomo (sistemática atual)”.
    Parece-nos que a lição é mais segura fica com Damásio, "as circunstâncias objetivas só alcançam o partícipe se, sem haver praticado o fato que as constituiu, houverem integrado o dolo ou a culpa". Propondo a natural metrificação da punibilidade do co-agente, na medida direta de sua culpabilidade - art. 29 fine.
    As lições de Damásio são extensas e precisas mas, do contrário, observamos que o próprio código penal vigente oferece solução segura em seu art. 30 in fine - “Não se comunicam às circunstâncias e as condições de caráter pessoal , salvo quando elementares do crime”.
    Não interessa se o crime é autônomo ou privilegiado haverá de existir a comunicabilidade sempre quando elementar do crime.
    O estado puerperal faz parte do tipo objetivo que privilegia a agente Mãe. Retirou-se o elemento objetivo - estado puerperal - desapareceu o homicídio privilegiado, com "status" de crime autônomo, infanticídio.
    Pois bem, em ralação ao co-agente, mesmo este ciente que a mãe encontra-se em estado puerperal, sua vontade, aspecto objetivo do crime, poderá se modificar para se alinhar a vontade do agente principal. Somente quem teve as dores do parto (aspecto fisiológico) e suas conseqüências psicológicas, somente estás, podem ter sua vontade subjugada pelos fatos.
    Façamos uma simetria com co-autoria em peculato, crime autônomo. O co-agente ciente que o agente principal é funcionário público tem sua vontade se alinhando a do agente principal? Sim, pois não há condicionantes psicofisiológicas próprias, exclusivas, que obstem a comunicação entre as vontades.
    Vejamos o crime de exposição ou abandono de recém-nascido para ocultar desonra, crime privilegiado. O co-agende, ciente que o agente abandonou recém-nascido para ocultar desonra, tem sua vontade se alinhando a do agente principal? Sim, pois a desonra notória pode modificar fortemente à vontade do co-agente, sensibilizando-o este diante dos fatos vivenciados pelo agente.
    Resumidamente, nos alinhamos com àqueles que sustentam o sistema psicofisiológico, não admitindo a apreciação da "honoris causa" em infanticídio, e, a comunicabilidade, tão somente, a quem já teve as dores do parto (aspecto fisiológico) e as conseqüências psicológicas do estado puerperal, que é o elemento estrutural do tipo objetivo, este sim, elementar do crime de infanticídio.
    Cordialmente
    Amáfi
    Muito me alegraria ver esposada sua opinião sobre este ensaio em meu site www.amafi.hpg.com.br ,assinando o meu livro de visitas.
    Obrigado

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    Guilherme da Rocha Ramos Quarta, 18 de outubro de 2000, 5h08min

    Caros Colegas,

    No que toca ao co-autor da infanticida, os que defendem a sua responsabilidade criminal por homicídio sustentam que o infanticídio é crime próprio, haja vista que o estado puerperal (conjunto das perturbações fisiológicas e psicológicas sofridas pela mulher decorrentes do fenômeno do parto) só pode ocorrer entre as mulheres, e mesmo assim com as que estiverem em processo de parto, ou logo após este.

    Aqueles que defendem a tese de co-autoria em infanticídio escudam-se na prescrição legal do art. 30 do CP, que diz, verbis:

    "Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime."

    Ora, "circunstâncias de caráter pessoal", pela redação do art. 30, são nada mais do que as "circunstâncias subjetivas", sejam circunstâncias propriamente ditas (agravantes, atenuantes, causas de aumento e de redução de pena e qualificadoras) ou elementares do tipo penal.

    No crime de infanticídio, a elementar subjetiva vem a ser justamente o "estado puerperal". Com base no art. 30, o estado puerperal, por se tratar de elementar e não de mera circunstância, comunica-se ao co-autor. Logo, quem quer que de alguma forma preste colaboração na prática infanticida da parturiente ou puérpera responderá, juntamente com esta, por infanticídio, não por homicídio. Esta é, do ponto de vista legal, dogmático, a única solução cabível.

    Essa ilação, entendo, embora eivada de explícita legalidade, afronta cabalmente o bom senso, porque abre caminho para que uma pessoa qualquer que não esteja sob a influência do estado puerperal (mormente se se tratar de um homem!) beneficie-se do pouco rigor da pena do infanticídio (2 a 6 anos de detenção), se em comparação com a do homicídio (6 a 20 anos de reclusão, ou 12 a 30 anos, a depender do caso concreto).

    Porém, compreenda-se, essa é a única solução que a lei penal aceita, porquanto o art. 30 do CP diz expressamente que as elementares de caráter pessoal se comunicam aos co-delinqüentes (ainda que subjetivas e "personalíssimas", como é o caso do estado puerperal).

    A meu humilde ver, a solução legal conflitua com a própria Psiquiatria. E, pensando bem, creio que o legislador, na Reforma do Código Penal, bem que poderia redigir uma norma que dirimisse o conflito, cuja solução poderia se dar de duas formas, a saber:

    1ª) Ou o infanticídio passaria a ser mais uma hipótese de privilégio do homicídio, inserindo-se-o no atual art. 121, § 1º, do CP (na Reforma, o homicídio privilegiado reside no § 2º), e portanto o que até agora é crime passaria a ser mera circunstância pessoal (subjetiva), e circunstâncias pessoais, sabemos, são incomunicáveis, como nos aclara bem o art. 30 do CP;

    2ª) Ou, criar-se-ia um parágrafo único para o art. 123 do CP, que, excetuando o caput, deixasse claro que responderia por homicídio todo aquele que, afora a mãe da vítima, direta ou indiretamente desse causa ao resultado.

    Imagine-se se ocorresse o oposto, isto é, se se admitisse que responde por homicídio o terceiro que contribuísse com a ação da agente. Teríamos uma situação inusitada, porque:

    1º) se a própria mãe praticasse o delito, este seria o de infanticídio, cuja pena varia de 2 a 6 anos;

    2º) se a mãe determinasse ou instigasse outrem a matar-lhe o filho nascente ou recém-nascido, a solução seria, pela lógica da orientação homicida do terceiro:

    a) o terceiro responderia por homicídio; e

    b) a mãe responderia como seu partícipe.

    A pena da agente, na segunda hipótese, seria bastante superior à do infanticídio (mesmo com a redução de 1/6 a 1/3 do art. 29, § 1º, do CP), daí decorrendo que para ela muito melhor seria praticar o comportamento ela mesma do que pedir a outrem que o fizesse. Em derradeira análise: estaríamos em face de uma hipótese na qual a participação strictu sensu na conduta do terceiro surtiria efeitos sancionatórios mais graves que os da própria autoria da parturiente.

    Enquanto não for redigida nova norma ao infanticídio, sou forçado, infelizmente, a adotar a única solução legalmente (embora não medicamente) viável até o momento corrente: co-autoria em infanticídio.

    Um abraço a todos!

    Guilherme.

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    Glaucio Vasconcelos Ribeiro Terça, 31 de julho de 2001, 20h31min

    CONCURSO DE PESSOAS NO INFANTICIDIO

    O PROBLEMA DA CO﷓AUTORIA NO CÓDIGO PENAL DE 1940
    Torna﷓se agora necessário enfrentarmos a questão à luz do Código Penal Brasileiro.
    Adotando o Código Penal de 1940 o estado puerperal como circunstância elementar do crime de infanticídio, três posições doutrinárias surgiram quanto à co-autoria.
    Para alguns juristas, como Nelson Hungria, Galdino Siqueira e Heleno Cláudio Fragoso , sendo o estado puerperal uma circunstância de índole bio﷓psicológica personalíssima, a sua intransmissibilidade é absoluta, não podendo, assim, terceiros invocar o benefício. E, portanto, um privilégio exclusivo da pessoa a que concerne (de mulher, de mãe, de parturiente ou de puérpera), pois, do contrário, instaurar﷓se﷓ia flagrante contra-senso.
    A segunda posição é defendida por Frederico Marques, Euclides Custódio da Silveira, Magalhães Noronha, Esther de Figueiredo Ferraz no sentido de se admitir a comunicabilidade a todos os agentes, de forma irrestrita.

    Essa orientação esta de acordo com a posição proposta por Sebastian Soler na Argentina e com a de Magiore na Itália .
    Para aqueles autores pátrios a co﷓autoria é regida pelos princípios da parte geral. De um lado, por não ter o legislador de 1984 (a parte geral do Código Penal, foi totalmente alterada, através da Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, dando nova redação aos artigos) feito qualquer referência em sentido contrário e de outro, por causa do disposto no art. 30 do mencionado ordenamento jurídico, visto nele se determinar, taxativamente, serem as circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do delito, comunicáveis.
    É de se destacar, como salienta Frederico Marques:
    “que o benefício limita﷓se aos terceiros partícipes pois, se estes provocarem a morte do que está nascendo ou do recém﷓nascido sem a cooperação da parturiente, não se pode aplicar o disposto no art. 26 (atual art.30) do Código Penal, motivo pelo qual responderão por homicídio”.

    Basileu Garcia , por força do disposto nos arts. 26 e 123 do Código Penal, admite a comunicabilidade, porém, tacha de absurdo esse critério técnico﷓legislativo, permitindo aos co﷓partícipes se beneficiarem do tratamento privilegiado da figura autônoma do infanticídio, máxime, quando esta foi erigida a tal, em virtude de uma condição personalíssima como é a qualidade de mulher, de mãe, de parturiente ou de puérpera.

    Se uma mulher, grávida, sob a influência do estado puerperal, durante ou logo após o parto, mata o próprio filho, é a autora do crime de infanticídio, porque realizou a conduta típica descrita pelo art. 123 do Código Penal.
    O problema emerge, quando a hipótese legal é perpetrada por mais de uma pessoa. Fala-se em co-delinqüência, co-autoria, concurso de delinqüentes ou concurso de agentes. O Código Penal, porém, adota a expressão concurso de pessoas.
    Nos termos do caput do art. 29, do Código Penal, “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
    Dá-se a co-autoria de agentes quando várias pessoas concretizam os elementos descritos pelo tipo. Agora, aquela hipotética mulher não age sozinha; uma terceira pessoa a ajuda no cometimento do crime. Ambos conjugam esforços, no sentido de que a morte do nascente ou recém-nascido aconteça.
    Surge, então, a seguinte dúvida: por qual crime deve responder o participante do crime de infanticídio? Pelo crime de Infanticídio, ou pelo de homicídio?
    Como afirmado anteriormente, duas correntes de opinião se formaram, tendo como ponto relevante à questão da comunicabilidade ou não do elemento sob a influência do estado puerperal, constante no tipo do art. 123 do Código Penal, àquele (a) que, juntamente com a mãe, mata o filho.

    Nélson Hungria manifestou-se pela incomunicabilidade do elemento, escrevendo, com a autoridade que seu nome impõe, que:
    “Não diz com o infanticídio a regra do art. 25 (atual art. 29). Trata-se de um crime personalíssimo. A condição sob a influência do estado puerperal é incomunicável. Não tem aplicação, aqui, a norma do art. 26 (atual art. 30), sobre as circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do crime. As causas que diminuem (ou excluem) a responsabilidade não podem, na linguagem técnico-penal, ser chamadas circunstâncias, pois estas só dizem com o maior ou menor grau de criminosidade do fato, ou seja, com a maior ou menor intensidade do elemento subjetivo ou gravidade objetiva do crime. O partícipe (instigador, auxiliar ou co-executor material) do infanticídio responderá por homicídio. O privilegium legal é inextensível. A quebra da regra geral sobre a unidade de crime no concursus delinquentium é, na espécie, justificada pela necessidade de evitar-se o contra-senso, que orçaria pelo irrisório de imputar-se a outrem que não a parturiente um crime somente reconhecível quando praticado sob a influência do estado puerperal”.
    Impõe-se, aqui, uma explicação. A lei penal admite outra forma de concurso de agentes, além da co-autoria. Trata-se da participação, prevista pela cabeça do art. 29, do Código Penal, onde se lê a expressão de qualquer modo. Ocorre, assim, a participação quando o agente, não praticando atos executórios do crime, concorre de qualquer modo para a sua realização.
    Pergunta-se: existe diferença entre autor, ou co-autor, e partícipe? Pela cabeça e parágrafos do art. 29 do Código Penal, sim. O autor e o co-autor são aqueles que executam o comportamento descrito pelo núcleo do tipo (quem mata, subtrai, etc.). Partícipe é aquele que acede sua conduta à realização do crime, praticando atos diversos do que o autor.
    Desta forma, se A instiga a gestante B e o terceiro C a matarem o neonato N, por ocasião do parto daquela, B e C serão co-autores, enquanto A será partícipe.
    Portanto, o Código adotou a teoria restritiva, segundo a qual autor e co-autor são aqueles que realizam a conduta típica. Mas, por outro lado, não se esqueça de que a co-autoria e a participação são formas de concurso de pessoas. Isto quer dizer que a lei penal prestigiou o princípio da unidade do crime, assim estampado no art. 29, caput: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas...”. Segue-se, daí, que autores, co-autores e partícipes respondem pelo mesmo crime, incidindo nas mesmas penas por este prevista.
    A regra geral da unidade do crime só é mitigada pela parte final do citado art. 29, que reza: “...na medida de sua culpabilidade”. O fato é comum, mas a culpabilidade é individual. Então, se o partícipe teve importante atuação, incidirá nas mesmas penas previstas para o autor e o co-autor. Porém, se a sua participação for de menor importância, é facultado ao Juiz diminuir sua pena de um sexto a um terço (art. 29, § 1º, do CP).
    Entrementes, caso um dos concorrentes (autor, co-autor ou partícipe) queira participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste. Na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave, a pena será aumentada até a metade, nos termos do § 2º, do art. 29 do CP.

    Heleno Fragoso é outro jurista que adere à corrente da incomunicabilidade, ao co-autor ou ao partícipe, da cláusula sob a influência do estado puerperal, nestes termos:
    “O infanticídio constitui homicídio privilegiado porque a ação de matar o próprio filho é praticada pela mãe sob a influência do estado puerperal. Surgem, em conseqüência de tal elemento, problemas difíceis relativamente à participação e à co-autoria. Trata-se de saber se os que eventualmente participam da ação praticam o crime de infanticídio ou o de homicídio”.
    “Em face do nosso direito, importantes autores entendem que a regra do art. 26 (atual art. 30) do CP impõe a solução que admite a participação e a co-autoria. Assim, responderia por infanticídio, portanto, quem auxilia a mãe a matar o próprio filho e também executa o crime a seu pedido, por lhe faltarem forças ou coragem. Entendemos que deve ser adotada a lição de Hungria, fundada no direito suíço, segundo a qual o concurso de agentes é inadmissível. O privilégio se funda numa diminuição da imputabilidade, que não é possível estender aos partícipes. Na hipótese de co-autoria (realização de atos de execução por parte do terceiro), parece-nos evidente que o crime deste será o de homicídio”.
    Aníbal Bruno, é outro adepto desta corrente, afirmando a respeito que:
    “Só se pode participar do crime de infanticídio a mãe que mata o filho nas condições particulares fixadas na lei. O privilégio que se concede à mulher sob a condição personalística do estado puerperal não pode estender-se a ninguém mais. Qualquer outro que participe do fato age em crime de homicídio. A condição do estado puerperal, em que se fundamente o privilégio e que só se realiza na pessoa da mulher que tem o filho impede que se mantenha sob o mesmo título a unidade do crime para o qual concorrem os vários partícipes. Em todos os atos praticados trata-se, direta ou indiretamente de matar, mas só em relação à mulher, pela condição particular em que atua, esse matar toma a configuração do infanticídio. Para outros mantém o sentido comum da ação de destruir uma vida humana, que é o homicídio”.
    É importante ressaltar que se a mãe, sob a influência do estado puerperal, for partícipe (e não autora, ou co-autora), ainda que alheia ao ato executivo direto na morte do filho, responderá sempre por infanticídio.
    Agora, serão citados aqueles doutrinadores que adotam a segunda corrente; ou seja, a da comunicabilidade do elemento referente à influência do estado puerperal.
    Encabeça a lista José Frederico Marques que assim expõe o seu pensar:
    “O infanticídio é um crime próprio, pois somente o pode cometer a mãe em relação ao filho recém-nascido. Outras pessoas, no entanto, podem figurar como co-autores; e como se trata de delito privilegiado, mas autônomo, comunicam-se as circunstâncias subjetivas que integram o tipo, aos co-autores, muito embora pense de modo contrário o insigne Nélson Hungria. Mas é preciso que o co-autor tenha, como é óbvia, participação exclusivamente acessória”.
    “Se for ele o autor da morte, isto é, a pessoa que executa a ação contida e definida no núcleo do tipo, então a sua conduta, matando ao nascente ou ao recém-nascido, será enquadrada no art. 121”.
    Na mesma direção aponta Magalhães Noronha, como se deduz da leitura do trecho abaixo:

    “O terceiro que auxilia a parturiente, sob influência do estado puerperal, a matar o próprio filho, é co-autor de infanticídio ou homicida? Trata-se de questão controvertida. Logoz, Gomez e, entre nós, Hungria, opinam pelo homicídio. Diz o último autor que se trata de um crime personalíssimo; que a condição do estado puerperal é incomunicável, e que o art. 26 (atual art. 30) não tem aplicação, pois as causas que diminuem ou excluem a responsabilidade não são na linguagem técnico-penal circunstâncias.”
    “Não há dúvida alguma de que o estado puerperal é circunstância, isto é, estado, condição, particularidade, etc., pessoal e que, sendo elementar do delito, comunica-se, ex vi do art. 26 (atual art. 30) aos co-partícipes. Só mediante texto expresso, tal regra poderia ser derrogada. Acresce que a opinião contrária quebra a unidade do delito e entra em flagrante choque com a teoria monística ou unitária, abraçada pelo Código, em matéria de co-delinqüência – art. 25 (atual art. 29). A não comunicação ao co-réu só seria compreensível, se o infanticídio fosse mero caso de atenuação do homicídio e não um tipo inteiramente à parte, completamente autônomo em nossa lei”.
    Exata, portanto, a conclusão de Soler:
    “Entendemos resolver assim, não somente o caso da amiga que ajuda à autora a cometer o infanticídio, como também o caso em que a mãe, não se atrevendo a executar por si só, o fato, pede a cooperação material de outro”.

    Custódio da Silveira segue a mesma linha:
    “O infanticídio – ninguém o nega – é um crime autônomo e a influência do puerpério é uma circunstância elementar do tipo. Logo, não se pode negar a sua comunicabilidade ao co-partícipe, a menos que se considere inexistente o artigo 26 (atual art. 30) do Código Penal”.
    Tenha-se em mente que, ao contrário da Parte Geral de 1940, a de 1984 diferenciou as circunstâncias das condições pessoais. Enquanto estas se referem às relações do agente com a vida exterior, com outros seres e com as coisas (menoridade, reincidência, etc.), as circunstâncias são elementos que, embora não essenciais à infração penal, a ela se integram e funcionam para moderar a qualidade e quantidade da pena (motivo do crime, desconhecimento da lei, confissão espontânea etc.). Por sua vez, as elementares são os elementos típicos do crime, ou seja, dados que integram a definição da infração penal.
    Quem entender que a influência do estado puerperal é uma condição pessoal, e não uma elementar do crime de infanticídio, concluirá, pelo art. 30 do Código Penal, que o partícipe ou o co-autor responderá pelo crime de homicídio. Ao revés, os que afirmam que a influência do estado puerperal é uma elementar, e não uma condição pessoal da agente, dirão que o partícipe ou co-autor incidirá, também, nas penas previstas pelo art. 123 do Código Penal.
    Reunidos em Conferência no Rio de Janeiro, no ano de 1943, os Desembargadores de vários estados do País discutiram inúmeros temas do então recente Código Penal.
    Relativamente ao infanticídio, assentaram, por maioria de votos que, pela leitura do artigo 25 do Código vigente à época (atual art. 29), outra solução não havia senão a do partícipe responder, também, pelo crime do art. 123 da lei penal.
    A Conclusão número XIV teve a seguinte ementa:
    “Ao partícipe do crime de infanticídio, deve ser aplicada à pena cominada para esse crime, e não a aplicável no caso de homicídio (Código Penal, art. 123). (Aprovada por 24 votos)”.

    CONCURSO DE PESSOAS NO DELICTUM EXCEPTUM
    O terceiro que contribui com a parturiente a matar o próprio filho, logo após o parto e sob a influência do estado puerperal, concorre para o crime de infanticídio ou de homicídio?
    Frisando, a corrente que sustenta a comunicabilidade da influência do estado puerperal (Roberto Lyra, Magalhães Noronha, Frederico Marques, Basileu Garcia, Bento de Faria e Damásio de Jesus, entre outros). Outra respeitável corrente (Nelson Hungria, Heleno Cláudio Fragoso, Galdino Siqueira, Aníbal Bruno e Salgado Martins, entre outros, somente para citar os penalistas mais antigos) entende que referido estado não se comunica e, por isso, o participante deve responder pelo crime de homicídio.
    Esta conhecida controvérsia ganhou um argumento sui generis patrocinado por Nelson Hungria, que “criou” uma circunstância elementar inexistente no ordenamento jurídico brasileiro: o estado puerperal seria uma circunstância “personalíssima” e, por isso, sustentava Hungria, não se comunicaria a outros participantes da infração penal! Com essa afirmação Hungria pretendia afastar a aplicação do disposto no antigo art. 26 do Código Penal (atual art. 30) que estabelecia o seguinte: “Não se comunicam às circunstâncias de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.
    Ninguém discute o fato de que a “influência do estado puerperal” constitui uma elementar típica do infanticídio. Pois é exatamente essa unanimidade sobre a natureza dessa circunstância pessoal que torna estéril e sem sentido a discussão sobre sua comunicabilidade. Como elementar do tipo, ela se comunica e o terceiro que contribuir com a parturiente na morte de seu filho, nas condições descritas no art. 123, concorrerá para a prática do crime de infanticídio e não de homicídio, como sugeria Hungria.
    A justiça ou injustiça do abrandamento da punição do terceiro participante no crime de infanticídio é inconsistente para afastar a orientação abraçada pelo Código Penal brasileiro, que consagrou a teoria monística da ação em seu artigo 29 (antigo art. 25). Esta previsão é complementada pela norma do art. 30 que determina a comunicabilidade das “elementares do crime”, independentemente de se tratarem de circunstâncias ou condições pessoais. Assim, se o terceiro induz, instiga ou auxilia a parturiente a matar o próprio filho durante ou logo após o parto, participa de um crime de infanticídio. Ora, como a “influência do estado puerperal” é uma elementar do tipo, comunica-se ao participante (seja co-autor seja partícipe), nos termos do art. 30 do Código Penal.
    A única forma jurídica de se afastar a comunicabilidade da elementar em exame, seria, com a alteração legislativa, tipificar o infanticídio, como outra espécie de homicídio privilegiado, quando então o “estado puerperal” deixaria de ser uma elementar do tipo (comunicável), para se transformar em simples circunstância pessoal (incomunicável), como sugeria Magalhães Noronha.
    Isso não quer dizer, contudo, que o terceiro interveniente no ato da mãe de matar o próprio filho, não possa concorrer, eventualmente, para o crime de homicídio. Vejamos as seguintes hipóteses:
    1ª) Mãe e terceiro praticam a conduta nuclear o tipo: matar o nascente ou recém-nascido (pressupondo a presença dos elementos normativos específicos).
    Está plenamente caracterizada uma co-autoria, mas em que crime: homicídio ou infanticídio? Ora, ante a presença das elementares, sob a influência do estado puerperal e durante ou logo após o parto, inegavelmente a conduta da mãe esta adequada à descrição típica do infanticídio; e, nessas circunstâncias, ante a comunicabilidade das elementares, determinada pelo art. 30 do Código Penal, o terceiro beneficia-se desse privilegium através da norma extensiva da co-autoria, sob pena de violar-se o princípio da teoria monística, adotada pelo Código Penal brasileiro. Como sugestão, essa é a solução técnico-jurídica, a despeito de sua injustiça social. Essa também é a orientação de Damásio de Jesus, que afirma:
    “Se tomarmos o infanticídio como fato, o terceiro também deverá responder por esse delito, sob pena de quebra do princípio unitário que vige no concurso de agentes”.
    É fundamental, no entanto, a análise do elemento subjetivo que orientou a conduta do terceiro. É absolutamente normal que tenha agido com dolo normal – direto ou eventual – de concorrer para o crime de infanticídio, aderindo à ação e resultado pretendidos pela parturiente, sem acrescer-lhe outro interesse, distinto do pretendido pelo sujeito ativo desse crime próprio. Contudo, é possível, especialmente nesse tipo de delictum exceptum, que se faça presente o conhecido desvio subjetivo de condutas, que representa uma grande inovação consagrada legislativamente pela Reforma Penal de 1984 (art. 29, § 2º, CP). Com efeito, o desvio subjetivo de condutas recebeu um tratamento especial e mais adequado da reforma penal, ao estabelecer no dispositivo ora mencionado que: “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada à pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.
    Na verdade, o legislador reconheceu uma diminuição de capacidade na puérpera, admitindo que o seu grau de discernimento e determinação é sensivelmente menor. O terceiro, por sua vez, em pleno uso de suas faculdades mentais e psicossomáticas pode aproveitar-se das condições fragilizada da puérpera para praticar a ação de matar o filho daquela. Ora, nesse caso, o terceiro age com dolo de matar alguém, age com dolo de homicídio, que, diríamos, é um dolo qualificado, pois tinha a finalidade adicional de utilizar a puérpera, como instrumento, para a obtenção do resultado efetivamente pretendido, que era dar a morte ao nascente ou recém-nascido.
    Nesse caso, e como sugestão, sugerimos que o terceiro responda normalmente pelo crime de homicídio, que foi o crime que efetivamente praticou. Já, a parturiente, em razão do seu estado emocional profundamente perturbado pelos efeitos do puerpério não pode ter sua situação agravada. Logo, não pode responder pelo homicídio a que responde o terceiro.
    Mas não estamos defendendo, a violação da unidade da ação, não. Apenas sustentamos, nessa hipótese, que a influência do estado puerperal seja considerada como uma especialíssima causa de diminuição de pena. E assim, ao invés da puérpera ser prejudicada, será beneficiada com a aplicação do parágrafo único do art. 29, do Código Penal, que autoriza a redução de um a dois terços da pena aplicada. Na verdade, sob a influência do estado puerperal e pressionada por um terceiro, a puérpera não é “inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Sofre efetivamente distúrbio funcional psíquico, que configura uma perturbação de sua saúde mental, atingindo sua capacidade de culpabilidade. Como a mãe puérpera não foi autora da morte do filho, assumindo uma posição meramente secundária, conduzida por quem tinha o domínio total do fato, que é o terceiro, a condição pessoal daquela não é elementar do fato praticado. Nessas circunstâncias, a mãe concorreu para o crime de homicídio, mas nos termos do art. 29, § 2º, 1ª parte, do Código Penal, ou seja, com desvio subjetivo de condutas.
    Com essa solução, afasta-se a injustiça de beneficiar o verdadeiro autor (ou co-autor) de um homicídio, com a pena reduzida do infanticídio, e amplia-se o benefício da mãe puérpera, cuja pena mínima reduzida ao máximo de dois terços, poderá concretizar-se em dois anos de reclusão. E não se diga que com esta interpretação estar-se-ia agravando a situação da mãe por que estaria respondendo por um crime mais grave, pois, na verdade, a avaliação e a conclusão devem ser completas, ou seja, somente com o resultado final é que se pode fazer um diagnóstico definitivo.
    E o resultado final leva a uma pena mais favorável do que a interpretação que a corrente dominante vem propondo, qual seja a de responder pelo crime de infanticídio.
    Essa circunstância pessoal – influência do estado puerperal – pode exercer diversas funções e produzir diferentes efeitos, dependendo do contexto em que se encontra. Assim, por exemplo, será elementar do tipo quando apenas influenciar a conduta de matar o próprio filho; quando, porém, sua intensidade for suficiente para perturbar-lhe a saúde mental a ponto de reduzir-lhe a capacidade de discernimento e determinação; ou ainda, poderá excluir a imputabilidade, se atingir o nível de doença mental.
    2ª) O terceiro mata o nascente ou recém-nascido, com a participação meramente acessória da mãe. Qual o fato principal e qual o acessório que segue aquele? Inquestionavelmente, o fato principal praticado pelo terceiro é homicídio! Damásio de Jesus concorda com esta afirmação, mas diante da previsão do art. 29 do Código Penal (antigo art. 26) sugere que ambos respondam pelo crime de infanticídio, em razão da especial condição da partícipe.
    Não podemos esquecer que o acessório segue o principal e, aqui, opera-se uma inversão, pois o principal estaria seguindo o acessório, ou seja, ao invés de as elementares do tipo principal (homicídio) estenderem-se à partícipe, seriam as condições pessoais desta que se estenderiam ao fato principal! mesmo respeitando a teoria da ação monística.
    Os participantes de uma infração penal devem responder pelo mesmo crime. As variantes autorizadas estão disciplinadas no artigo 29 e seus parágrafos ou especialmente excepcionadas na parte especial do Código, como ocorre, por exemplo, no crime de aborto, de bigamia, de abandono, de corrupção etc.
    Não podemos ignorar, igualmente, que a “participação em sentido estrito, como espécie do gênero concurso de pessoas, é a intervenção em um fato alheio, o que pressupõe a existência de um autor principal. O partícipe não pratica a conduta descrita pelo preceito primário da norma penal, mas realiza uma atividade secundária que contribui, estimula ou favorece a execução da conduta proibida”.
    Na verdade, o sistema do Código Penal oferece-nos as condições necessárias para encontrarmos a solução mais adequada para a questão proposta. Ao analisarmos a punibilidade do concurso de pessoas, tivemos oportunidade de afirmar que a “reforma penal mantém a teoria monística. Adotou, porém, a teoria restritiva de autor, fazendo perfeita distinção entre autor e partícipe que, abstratamente, incorrem na mesma pena cominada ao crime que praticarem. Mas que, concretamente, variará segundo a culpabilidade de cada participante. E em relação ao partícipe variará ainda de acordo com a importância causal da sua contribuição”. Com efeito, a Reforma Penal de 1984 adotou, como regra, a teoria monística, determinando que todos os participantes de uma infração penal incidam nas sanções de um único e mesmo crime e, como exceção, admite a concepção dualista, mitigada, distinguindo a atuação de autores e partícipes, permitindo uma mais adequada dosagem de pena de acordo com a efetiva participação e eficácia causal da conduta de cada partícipe, na medida da culpabilidade perfeitamente individualizada.
    Realmente, os parágrafos do artigo 29 do Código Penal, consagram aquilo que se pode chamar de graus de participação: participação de menor importância e cooperação penal dolosamente distinta.
    Assim, embora o fato principal praticado pelo terceiro configure o crime de homicídio, certamente a mãe puérpera “quis participar de crime menos grave”, como prevê o parágrafo segundo do art. 29 do Código Penal. Por isso, à luz do disposto neste dispositivo, há desvio subjetivo de condutas, devendo a partícipe responder pelo crime menos grave do qual quis participar, qual seja, o infanticídio. Essa nos parece a solução correta, caso contrário, estaríamos violando todo o sistema do Código e, particularmente, o disposto no art. 30 do Código Penal, que firma textualmente que “não se comunicam às circunstâncias e as condições de caráter pessoal”. Pois, o estado puerperal, na hipótese de simples partícipe, será mera condição pessoal, que é incomunicável; será elementar do tipo (aí comunicável) somente quando a própria mãe for autora (ou co-autora) da morte do próprio filho.

    NELSON HUNGRIA E O CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO
    (A seguir, a nova posição do Mestre Nelson Hungria, sobre a co-autoria cuja posição mudou somente a partir da publicação da 5ª edição de seus “comentários”).
    O crime de Infanticídio encontra-se descrito no art. 123 do Código Penal: “Matar, sob a influência do Estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”.
    Pode ocorrer que terceiro realiza o verbo típico ou concorra para a prática do crime. Surge a questão: o terceiro é autor ou partícipe de homicídio ou infanticídio?

    Trata-se de crime próprio, uma vez que somente a mãe pode ser sujeito ativo principal. Essa qualificação doutrinária, porém, não afasta a possibilidade da concorrência delituosa.
    A norma de extensão do art. 29, “caput”, 1ª parte, do Código Penal, reza: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas”. Dessa forma, quem concorre para a prática do infanticídio deve submeter-se à sanção imposta.
    A solução, entretanto, nunca foi pacífica. O centro da discussão situa-se na questão da comunicabilidade da elementar “influência do estado puerperal”.nos termos do art. 30 (antigo art. 26 do CP): “Não se comunicam às circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Transmitindo-se o elemento típico ao terceiro, responde por infanticídio; caso contrário, por homicídio.
    Na doutrina brasileira, adotavam o ponto de vista da comunicabilidade (infanticídio): Roberto Lyra, Olavo Oliveira, Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Basileu Garcia, Euclides Custódio da Silveira e Bento de Faria. Ensinavam que o partícipe deve responder por crime de homicídio: Nelson Hungria, Galdino Siqueira, Costa e Silva, Heleno Cláudio Fragoso, Salgado Martins e Aníbal Bruno.
    Atualmente, defendem a tese do infanticídio: Paulo José da Costa Junior, Delmanto & Delmanto, Luiz Regis Prado & Cezar Roberto Bitencourt, Mirabete e Damásio.
    Nelson Hungria, durante quarenta anos, foi o maior defensor da incomunicabilidade. Já em 1937, apreciando a legislação penal então vigente e o Projeto Sá Pereira, dizia: “É bem de ver ainda que não pode invocar a honoris causa” (...) “o co-partícipe no crime da parturiente, seja ele quem for”. Analisando o Código Penal de 1940, de quem foi seu principal autor, afirmava:
    “Não diz com o infanticídio a regra do art. 25 (atual art. 29, Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas). Trata-se de um crime personalíssimo. A condição “sob a influência do estado puerperal” é incomunicável. Não tem aplicação, aqui, a norma do art. 26 (atual art. 30), sobre as circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do crime. As causas que diminuem (ou excluem) a responsabilidade não podem, na linguagem técnico-penal, ser chamadas circunstâncias, pois estas só dizem com o maior ou menor grau de criminosidade do fato, ou seja, com a maior ou menor intensidade do elemento subjetivo ou gravidade objetiva do crime. O partícipe (instigador, auxiliar ou co-executor material) do infanticídio responderá por homicídio. Como diz Gautier, “tous participants autres que la mère sont Régis par le droit conmum”. O privilegium legal é inextensível. A quebra da regra geral sobre a unidade de crime no concursus delinquentium é, na espécie, justificada pela necessidade de evitar-se o contra-senso, que orçaria pelo irrisório, imputar-se a outrem que não a parturiente um crime somente reconhecível quando praticado “sob a influência do estado puerperal”.

    Dotado de fascinante cultura jurídica e conhecedor profundo da doutrina e da legislação estrangeira, especialmente a italiana e a suíça, Hungria era um brilhante expositor, notável crítico e argumentador insuperável. Na palavra de Roberto Lyra, “uma Culminância”. “Um homem em dia com a ciência de seu tempo”, como lembrava Heleno Cláudio Fragoso. Tornaram-se célebres os intermináveis debates doutrinários, principalmente com Magalhães Noronha, de quem costumava discordar em longas e acaloradas correspondências, algumas transcritas em seus “comentários”.
    Nelson Hungria, dificilmente mudava de opinião, sendo conhecido pela firmeza de suas posições. Mas, por volta de 1960, como nos confiou Heleno Cláudio Fragoso num encontro que tivemos no Rio de Janeiro, Hungria, já beirando a aposentadoria, passou a “ouvir mais”, alterando orientações apaixonadamente preservadas ao longo dos anos. Tanto que, membro de Comissão elaboradora do Anteprojeto de Código Penal de 1963, vária vezes surpreendeu seus pares aceitando teses contrárias ao seu pensamento ardorosamente exposto em suas obras. Foi o que aconteceu em relação ao tema do concurso de pessoas no infanticídio, em que modificou sua posição na última edição de sua obra, fato que passou despercebido da maioria da doutrina brasileira. Reconhecendo humildemente o engano e dando a mão à palmatória, adotou a tese da comunicabilidade na 5ª edição dos “Comentários”:
    “Comentando o art. 116 do Código suíço, em que se inspirou o art. 123 do nosso, Logoz (op.cit., p. 26) e Hafter (op. cit., p. 22), repetindo o entendimento de Gautier, quando da revisão do Projeto Stoos, acentuam que um terceiro não pode ser co-partícipe de um infanticídio, desde que o privilegium concedido em razão da “influência do estado puerperal” é incomunicável. Nas anteriores edições deste volume, sustentamos o mesmo ponto de vista, mas sem atentarmos no seguinte: a incomunicabilidade das qualidades e circunstâncias pessoais, seguindo o Código Helvético (art. 26), é irrestrita (‘Les relations, qualités et circonstances personnelles spéciales dont l’efft est d’augmenter, de diminuer ou d’exclure la peine, n’auront cet effet qu’à l’égard de l’auteur, instigateur ou complice qu’elles concernent’), ao passo que perante o Código Pátrio (também art. 26) é feita uma ressalva: ‘salvo quando elementares do crime’. Insere-se nesta ressalva o caso de que se trata. Assim, em face de nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio”.

    Poucos notaram a mudança de posição de Hungria. Prova é que até hoje, mais de 20 anos depois, ele continua erroneamente sendo citado por quase todos os autores, inclusive por Damásio, como partidário da tese da incomunicabilidade. Nem o próprio Fragoso deu conta desse fato, pois em 1979, no mesmo volume da edição em que Hungria passou a aceitar a tese da responsabilidade do terceiro a título de infanticídio, ele, Heleno Cláudio Fragoso, co-autor dos comentários, dizia: “Hungria inaugurou entre nós a corrente dos que entendem que o terceiro que coopera no delito comete o crime de homicídio. Sempre entendemos correta a lição de Hungria. Em conseqüência, o estranho que participa do infanticídio pratica o crime de homicídio”.

    E nas edições posteriores da Parte Geral dos “Comentários”, o escrito firme de Hungria, ainda inalterado, continua expressando a abandonada orientação do mestre, ao apreciar o antigo art. 26 (atual art. 30) do CP: “Assim, a ‘influência do estado puerperal’ no infanticídio e a honoris causa no crime do art. 134: embora elementares, não se comunicam aos cooperadores, que responderão pelo tipo comum do crime, isto é, sem o privilegium”.
    Pena que Hungria não viveu mais tempo. Teríamos a oportunidade de colher outras lições de quem, considerado o maior penalista brasileiro e inquebrantável defensor de suas próprias idéias, fortaleceu com os anos a virtude da humildade de aceitar a opinião alheia, reconhecendo, como poucos fariam, um erro de quatro décadas. Deu-nos, como afirmou Heleno Cláudio Fragoso, um exemplo “magnífico de fidelidade à ciência e à cultura jurídica”.

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    , Domingo, 07 de maio de 2006, 16h47min

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