Mais uma vez nossos governantes pretendem modificar nossas leis. Inobstante termos lei para todos os gostos, o Congresso Nacional desta vez pretende aprovar alterações na legislação penal. E pelo jeito que as coisas andam, essas alterações não devem demorar muito não. O presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS) deverá colocar em votação as propostas até o fim do semestre.

Para as entidades que pretendem evitar a votação das referidas mudanças, como a Associação dos Juízes para a Democracia, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e outras, os projetos apresentados pelos parlamentares foram elaborados sob pressão e têm fins eleitoreiros. Esse argumento não deixa de ter razão, pois as propostas foram elaboradas sem nenhuma discussão com a sociedade, revelando a inequívoca intenção de mostrar aos cidadãos (eleitores, de preferência) que, ao menos no papel, os políticos estão tentando reagir contra os altos índices de criminalidade que assolam o Brasil. Pura politicagem. Algumas das propostas, além de inócuas, ferem a Constituição (são inconstitucionais) e nada acrescentam de positivo ao Código Penal brasileiro. Os problemas não são as leis, o Brasil é um dos países que mais legisla no mundo. Aqui, o Executivo, por meio de medidas provisórias e resoluções, legisla tanto quanto o próprio poder Legislativo. A seguir, exponho sucintamente cada proposta seguida da minha modesta e humilde opinião:

1) A primeira proposta que achei importante destacar é a que prevê um aumento de pena para o crime de extorsão mediante seqüestro. Ora, o delito previsto no artigo 159 do Código Penal já possui uma reprimenda severa. Afinal, prevê reclusão de 8 a 15 anos no "caput", reclusão de 16 a 24 anos, se resultar lesão corporal grave (§ 2º) e reclusão de 24 a 30 anos se resultar morte (§ 3º). Esta figura qualificada pela morte é inclusive a pena mais severa dentro da legislação penal brasileira. A pena mínima é de 24 anos de reclusão. Será que o problema do Brasil com os seqüestros está na lei? Evidente que não. O que falta são governantes de fibra, Secretários de Segurança Pública competentes para combater e reprimir a criminalidade. A lei será aplicada. Sem falar no efeito negativo que este aumento pode causar nos criminosos: aumentando mais ainda a pena, o crime de homicídio ficará com pena bem menos grave do que uma extorsão mediante seqüestro. Isso pode estimular um criminoso a cometer mais homicídios, haja vista que o crime de extorsão mediante seqüestro será mais visado. Trocaríamos o artigo 159 do Código pelo 121 (homicídio). Desnecessário o aumento, deve-se buscar a aplicação da lei e a repressão ao crime, e não modificar a lei. Precisa-se de mudanças concretas (fáticas) e não abstratas (previsões legais dos crimes e respectivas sanções);

2) Outra mudança, decorrente da anterior, seria a criação da figura do crime de seqüestro "em transporte coletivo". Esta mudança seria um exemplo perfeito de uma norma inócua, vaga e ineficaz. O legislador pune o seqüestro praticado independentemente do local. Tutela-se a liberdade da vítima, e não o local onde possa estar no momento em que é abordada pelo criminoso. O artigo 159 (se houver intenção de obter qualquer vantagem) já pune tanto o seqüestro praticado no interior de um ônibus como qualquer outro que seja cometido, independentemente do lugar. Depreende-se desta proposta o desejo de responder ao seqüestro ocorrido em um ônibus circular no Rio de Janeiro, o qual culminou com a morte de uma professora e posteriormente do próprio seqüestrador, em uma ação no mínimo suspeita da polícia carioca. Se essa foi a intenção, não é desta forma que se reage à violência. Investir mais na segurança pública daria resultados muito mais rápidos e concretos do que alterar inutilmente um dispositivo, criando uma figura típica supérflua;

3) Esta é a mais polêmica. Em que pese meu desejo de prestar concurso para o Ministério Público e amigos que tenho dentro da Instituição, a meu ver não deveríamos permitir esta proposta: promotores de justiça poderão fazer acordo com criminosos em troca de informações sem que os juízes tenham conhecimento. Eis os problemas: quem terá o poder de fiscalizar ou discordar dos promotores? Se os juízes estão vedados... Só se for o Procurador-Geral de Justiça, chefe do MP Estadual. Ainda assim, exigiria expressa autorização legal. Da forma como o artigo está redigido, ninguém terá a possibilidade de discordar de um acordo feito pelo promotor e pelo criminoso. Outro problema: é justo um criminoso ter a possibilidade de transacionar, mesmo tendo praticado um delito? Considerando justa a indagação acima, seria razoável excluir o Judiciário deste "contrato", do Poder que cabe dizer de quem é o Direito?

4) Criação da prisão imediata de acusados que poderá ser imposta por delegados e promotores. Os juízes vão detestar! Os promotores e delegados poderão impor a prisão de acusados. O juiz não poderá analisar as circunstâncias do crime e terá de decretar a prisão. Ele será obrigado a aceitar a manifestação da autoridade policial ou do membro do Ministério Público. A discussão está em torno do fortalecimento da polícia no processo penal e principalmente do Ministério Público, que com a Constituição Federal de 1988, passou a ser o titular da ação penal (art. 129, inciso I, da Constituição Federal);

5) Quem cometer crimes contra militares, policiais, agentes penitenciários, bombeiros, juízes e promotores estará sujeito a penas maiores. Definitivamente, além de os políticos brasileiros serem maus governantes, também estão mostrando que não sabem nada de Direito Constitucional. Eu particularmente (se esse dispositivo não for vetado pelo presidente) dou um ano para o STF declará-lo inconstitucional. Fere o princípio da isonomia. Reza o início do artigo 5º da Constituição: "Todos são iguais perante a lei". Ora, se essa proposta for aprovada, estaremos criando uma hierarquia de vítimas, classificando-as em vítimas de primeira e segunda classe. A primeira abrangeria as pessoas acima descritas e a segunda nós (eu, pelo menos), cidadãos "mortais". Por que juízes, promotores ou agentes penitenciários são socialmente mais importantes que os demais? Por que punir mais gravemente um homicídio praticado contra um policial do que contra um pedreiro, por exemplo? A vida do policial é mais valiosa? Quanto ela vale? Bobagem! Busca-se proteger a vida humana, um bem indisponível, o que temos de mais valioso. Quem o legislador pensa que é para valorar cada vida? Serei contra sempre, ainda que um dia seja um juiz ou um promotor. Aliás, acredito que as pessoas que se encontram nesses cargos, pela ética e educação que receberam, serão contra também. Espero que o controle preventivo reconheça a inconstitucionalidade dessa proposta e nem permita a sua entrada em vigor.

Por fim, cumpre assinalar que essas propostas podem vir a ser rejeitadas. As entidades citadas, representadas por juristas de renome, pretendem impedir a aprovação dessas propostas. E com razão. As mudanças devem contribuir para o progresso e não para o regresso de um sistema. Os criminosos devem ser punidos, pois nosso Código, embora não seja atual, de certa maneira prevê crimes suficientes para cada conduta ilícita. Portanto, busquemos uma solução para aplicar mais as sanções previstas, alterando o panorama concreto (diminuição da violência) e não o abstrato (apresentação de inúteis reformas).

Respostas

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    Flavio Sexta, 31 de maio de 2002, 11h27min

    Perfeita sua observação. Sem mais comentários mestre!
    Pena que tem muito político com segundas intençoes e metidos a intelectuais nsse pais.

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