O QUE QUER DIZER APOSENTAR-SE
Trago à discussão um tema que me envolve e apaixona há quase dez anos: o que significa aposentar-se.
Li recentemente sobre a tramitação de duas ADINs (1.770 e 1721) que mereceram, do Pleno do STF, Liminares, mas cujos méritos ainda não foram objeto de decisão, tendo os antigos Ministros-Relatores sido agora substituídos, ao se aposentarem compulsoriamente os antigos Relatores (Min. Moreira Alves e Min. Ilmar Galvão, respectivamente).
Tive a curiosidade de acorrer ao site do STF e ler todos os votos dos Senhores Ministros ali encontradiços, o que recomendo a quem se interesse pelo tema. Entendo que, muito provavelmente, as mudanças ocorridas na legislação previdenciária de lá pra cá (1997 / 1998) possam levar alguns deles, até, a reverem os votos então proferidos.
Por exemplo, não mais existe na nossa legislação o famoso abono de permanência em serviço, também conhecido por pé na cova, que permitia que alguém requeresse a aposentadoria proporcional ao completar 30 anos de serviços / contribuição e, continuando no emprego ou trabalhando em outro, a cada ano, pudesse computar mais um ano e visse seu benefício reajustável em mais 6%, se não me falha a memória. Com isso, passando a perceber, de início, mensalmente, uma aposentadoria proporcional no valor de 70% do que seria o valor da aposentadoria plena, ao completar 31 anos, passaria a fazer jus a 76%; aos 32, 82%; aos 33, 88%, aos 34, 94%; e, a partir de completados 35 anos, 100%.
Particularmente, eu achava aquele instituto, removido de nossa legislação previdenciária, algo bastante interessante e que vem ao encontro de minha tese, que ora submeto ao debate. Note-se que minha discussão é acadêmica, filosófica, bizantina, aristotélica ou .... acaciana. Não tenho a mínima pretensão de mudar o mundo nem de converter as pessoas, pois não me considero ideólogo de nada, guru ou revolucionário.
Voltemos ao tema: o que quer dizer aposentar-se? Pelo menos, o que queria dizer.
O termo aposentadoria tem alguns sinônimos, pouco lembrados: jubilação, apojubilação, inatividade, ...., e entre os militares, reserva e reforma. Em inglês, usa-se a palavra "retired", para aqueles que se aposentam; em francês, "en retraite" ou "retraité"; em espanhol, "retirado" ou "jubilado"; também em italiano, aposentar-se é "ritirarsi". Em suma, universalmente, aposentar-se é "parar de trabalhar", "retirar-se do mercado de trabalho".
Temos, no Brasil duas formas básicas de aposentadoria: a voluntária e a compulsória. Como causas ensejadoras do direito de requerer (ou receber sem requerê-lo, no caso da compulsória), tem-se, como as principais (talvez existam outras, que não me ocorrem no momento): o tempo de serviço ou o tempo de contribuição, o implemento da idade, a invalidez ou ser portador de determinadas doenças. Conforme o caso de cada qual, o valor da aposentadoria é maior ou menor, proporcional ou integral (há categorias ou atividades cujo exercício dá direito a uma redução no tempo, sem reduzir o quantum).
Quanto à aposentadoria compulsória do(a) servidor(a) público, não há muito o que discutir, dando-se ela ao completar, ele ou ela, 70 anos, nem um dia a mais. Para tanto, homens e mulheres são iguais perante a lei. Com certeza, o Estado entende e pressupõe que aquele servidor está inapto para o exercício da função pública (por oportuno, há outras aposentadorias compulsórias no serviço público, com 65 anos, inclusive), seus préstimos já não são mais necessários, ele seria mais um peso que mão-de-obra disponível e aproveitável, ou seja, o custo / benefício seria muito alto, não se justificando sua permanência na ativa. É possível que esse pressuposto esteja equivocado, mas prevalece.
Quantos argumentam que, por exemplo, professores universitários estariam no auge de sua produtividade aos 70 anos, posto que se vejam compulsoriamente aposentados das universidades públicas em que ensinavam e transmitiam seu saber às novas gerações, meramente porque atingiram aquela idade limite. Nos últimos meses, o STF teve três ou quatro Ministros jubilados pelo implemento da idade. Seu atual Presidente sequer exercerá metade de seu mandato pelo mesmo motivo. Pode-se perguntar se aquele dispositivo, o que impede os que completam 70 anos de continuarem prestando (bons) serviços ao país, está correto ou se deveria ser revisto, mas isso não é o tema proposto.
Na iniciativa privada, entre os celetistas, não existe (mais) a compulsoriedade por implemento de idade (creio que já existiu).
A coisa pega é na aposentadoria voluntária. Aquilo que era um direito legal, virou direito constitucional a partir de 1988. Voluntária quer dizer que depende da vontade do empregado ou do servidor público, função de sua análise quanto à conveniência e interesse pessoal, uma decisão de foro íntimo, em que o empregador (no caso dos celetistas) ou o Estado-patrão (no caso dos servidores públicos) não opinam e sequer podem a ela se opor / negar-se a concedê-la, desde que cumpridas as exigências legais.
A situação financeira, ou de penúria, levou a que as pessoas passassem a entender que aposentar-se voluntariamente é apenas uma forma expedita de aumentar sua receita mensal. Ou seja, aposentar-se não é mais sinônimo de parar de trabalhar, de retirar-se do mercado de trabalho, de dar a vez a outro. As pessoas se aposentam e continuam trabalhando, somando os proventos da suposta inatividade (aposentadoria) com os rendimentos da atividade.
É justo, honesto, lógico cumular dois proventos intrinsecamente paradoxais (atividade e inatividade)?
Um padre aposentado não pode mais ser vigário nem pároco, ainda que continue padre e rezando missa (veja-se o caso dos Cardeais e Bispos, que devem se retirar das dioceses que dirigiam ao atingirem 75 anos). Um militar, após ir pra reserva, não pode continuar no quartel, conquanto preserve sua patente, de pijama. Um diplomata, uma vez aposentado, não pode mais representar seu país. Um magistrado, quando se aposenta, tem que se afastar de sua Vara ou Tribunal, parando de julgar.
No Brasil, entretanto, o empregado requer sua aposentadoria e isso não é entendido como extinção do vínculo laboral por iniciativa do empregado. País rico é outra coisa!