Mãe pode pedir usocapião da casa de seu filho?
Oi, boa tarde, quero saber se é possível minha mãe pedir usocapião do imóvel urbano em que mora há mais de vinte anos (com permissão do dono que é o filho dela). A escritura da casa está em nome dele e ele no momento mora em outro estado, mas nunca se interessou em passar a casa para o nome dela. Então interesso-me em saber se é possível e se for, quais os procedimentos iniciais a serem tomados?. Desde já agradeço, e aguardo a resposta!!!!
Tendo por base a sua informação de que a mãe "mora há mais de vinte anos (com permissão do dono que é o filho dela)", em tese não seria possível a usucapião.
Isso porque se existe a permissão do filho, na verdade estamos diante de um contrato de comodato, ainda que verbal. Segundo o Código Civil:
"Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto."
Ao contrário do que muita gente pensa, para que exista o direito à usucapião, não basta que alguém more em determinado imóvel por um lapso grande de tempo simplesmente. Para que esse direito exista, a doutrina exige dois elementos: um elemento subjetivo e um elemento objetivo.
O elemento subjetivo é o que se chama de "animus domini", ou seja, a pessoa tem de se comportar em relação ao bem como se fosse o seu real proprietário, como se fosse o verdadeiro dono do imóvel. O elemento objetivo é o tempo (que varia conforme o caso).
Ao afirmar que a mãe mora na casa com autorização do filho, fica claro que existe, como já dito, um contrato de comodato, que no dizer da lei, é um empréstimo. Ou seja: a casa é emprestada.
Ora! todo empréstimo pressupõe que a coisa emprestada deve ser, em tese, devolvida em algum momento, mesmo que não exista prazo determinado para isso (10...20...50...100 anos). Se a coisa deve ser devolvida, a pessoa que mora na casa emprestada jamais poderá ser portar como se fosse dono, pois ela sabe que em algum momento o bem deve ser devolvido.
Nesse caso, não existe a chamada posse "ad usocapionem", mas sim um ato de mera tolerância por parte do filho. E a teor do art. 1208 do Código Civil "Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade."
Podemos comparar com um aluguel: o inquilino pode morar 20 anos em uma casa, e nem por isso terá direito a usucapião, pois ele não se porta como dono, justamente por haver um contrato (de locação) que em algum momento vai findar e o imóvel será restituído ao dono.
Decisões dos tribunais:
TJMG
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO - AUSÊNCIA DE 'ANIMUS DOMINI' - REQUISITO INDISPENSÁVEL AO RECONHECIMENTO DA PRETENSÃO - EXISTÊNCIA DE COMODATO VERBAL - ART. 1.208 DO CÓDIGO CIVIL. A aquisição do imóvel através da usucapião exige ânimo de dono, que é incompatível com o contrato de comodato. A ausência de ânimo de dono da parte usucapiente impede o reconhecimento da aquisição da propriedade, de modo que a parte demandante não preenche os requisitos legais para a usucapião."
"AÇÃO DE USUCAPIÃO - IMÓVEL CEDIDO EM COMODATO - AUSÊNCIA DE POSSE COM ÂNIMO DE DONO - POSSE MEDIATA DO COMODANTE - PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE - SENTENÇA CONFIRMADA. A posse por mera tolerância do proprietário do bem não autoriza aquisição do domínio via usucapião, ante a ausência do pressuposto de ocupação com ""animus domini."" Sendo incontroversa a existência de comodato, não se pode deferir ao autor a usucapião pleiteada."
TJRS
"Ementa: USUCAPIÃO. POSSE. ANIMUS DOMINI. LAPSO TEMPORAL. FALTA DE PROVA. Ação de usucapião. Ausência de demonstração de posse ad usucapionem. Comodato verbal. Prova testemunhal. Ação improcedente. Negaram provimento."
"Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. BENS IMÓVEIS. DIREITO CIVIL. COISAS. PROPRIEDADE. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. ÂNIMO DE DONO NÃO DEMONSTRADO. POSSE DO ANTECESSOR ADVINDA DE COMODATO VERBAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA IMPROCEDENTE. APELO NÃO PROVIDO. UNÂNIME. "
Em juízo, tudo passará pelo exame de provas, principalmente quanto ao fato de haver ou não o comodato (empréstimo) da casa. A análise da questão, por um advogado, e de modo mais detido, é recomendável a quem acredita possuir o direito alegado.
Boa sorte!
Imaginei que encontraria algo sobre posse precária nesse tópico. De fato(na teoria),há de se chegar nessa conclusão,porém a pratica tem se mostrado diferente da teoria no tocante ao desenrolar do processo. Há casos em que os tribunais vem reconhecendo o pedido de usucapião desta natureza. O que se alega é justamente a permissão que há entre proprietário e possuidor levando em consideração o imóvel não ser um bem indisponível. Melhor mesmo seria a doação,porém se o proprietário se recusa a tal,resta a usucapião.
É claro que a posse precária não pode gerar usucapião. Se existem casos onde isso ocorre, certamente é porque o usucapiente conseguiu provar algum fato que desnaturou a precariedade da posse, provando que agia com "animus domini".
Decidir do contrário é trazer instabilidade às relações travadas entre os donos de imóveis e aqueles a quem a posse é transferida negocialmente (locação, arrendamento etc.) e até mesmo por comodato. Se não houver segurança jurídica, donos de imóveis que dão função social a eles simplesmente estarão sujeitos a perder seus imóveis em decorrência do simples decurso do tempo.
Até porque uma das características do direito real de propriedade é ser perpétuo, no sentido de que ele não se extingue pelo simples decurso do tempo. Para que o proprietário do bem seja privado do seu direito sobre ele, é necessário que ele atue com desleixo, deixando de dar ao imóvel a necessária utilização conforme a função social a que deve se destinar.
Quer dizer que se eu empresto um imóvel meu a alguém (amigo, parente, vizinho etc.), dando a ele uma destinação socialmente adequada (garantindo a moradia de alguém), serei prejudicado por esse meu ato? Terei meu direito de propriedade extinto pelo só fato de alguém estar morando nesse imóvel por 10..20...50 anos?? Esse tempo, por si só, faz presumir que não tenho mais interesse no imóvel??
Se existe alguma decisão judicial nesse sentido, ela certamente há de ser (se é que já não foi) derrubada nas instâncias judiciais superiores.
Vejamos decisões onde o reconhecimento usucapião em função de posse precária foi cassada pelo TJMG:
"APELAÇAO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSE PRECÁRIA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA USUCAPIÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1 - Usucapião é causa originária (e não derivada) de aquisição do domínio, por isso que não pode depender de desconstituição de causa antecedente. 2 - Se originariamente era precária a posse dos autores e os elementos dos autos demonstram a inexistência de transmutação da natureza da posse, não se configura o instituto da interversio possessionis. 3 - Não demonstrados na Ação de Usucapião os requisitos da posse própria, ininterrupta e com animus domini, pelo prazo de vinte anos pelos Autores (Art. 550, C. Civil/ 1916), elementos capazes de configurar a prescrição aquisitiva do bem usucapiendo, a improcedência do pedido é medida que se impõe."
"USUCAPIÃO - POSSE POR MERA TOLERÂNCIA - POSSE 'AD USUCAPIONEM' - AUSENTE - POSSE PRO INDIVISO. Não há posse com 'animus dominus' daquele que detém a coisa, embora por longo tempo e de boa-fé, se exercida de forma transitória, gratuita, precária, por concessão de outrem. O co-possuidor de posse pro indiviso não pode usucapir em detrimento dos demais possuidores. Apelação provida."
"AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - IMÓVEL DADO EM COMODATO PELO ANTIGO PROPRIETÁRIO - USUCAPIÃO - NÃO CONFIGURAÇÃO - NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO - POSSE PRECÁRIA - ESBULHO CARACTERIZADO. Tratando-se de comodato, não há que se falar em usucapião, uma vez que, nesse caso, não há o animus domini. Não poderá o possuidor usucapir, pois a sua posse advém de título que o obriga a restituir o bem. Extinto o comodato, a permanência de terceiros no imóvel caracteriza esbulho, impondo-se a reintegração da posse em favor do comodante."