Curso de Perito Criminal militar para não portadores de curso superior. Pode ?
Certo dia me deparei com a seguinte situação ao acessar o site de um Batalhão de Polícia do Exército (4º BPE) que disponibilizava a seguinte curso militar:
"Perito Criminal
O que é?
O Curso de Perito Criminal destina-se a formar praças para exercer as atividades de perícia criminal nas Organizações Militares de Polícia do Exército, tais como: sargento do pelotão de investigações criminais. Após o curso, o militar estará apto a realizar perícias nas áreas de acidentes de trânsito, em locais de crime, balística forense e outros."
"Quem pode fazer? 2º e 3º Sargentos de carreira do Exército Brasileiro que servem em Organizações Militares de Polícia do Exército ou de Guardas."
Sempre soube da existência de militares especializados em investigações criminais oriundos dos Batalhões de Polícia do Exército, porém vi com surpresa esse curso de perito criminal.
A minha surpresa se deve pelo fato de que o Código de Processo Penal Militar e o Código de Processo Penal disporem em essência sobre a necessidade de que o perito tenha curso superior na área atinente ao tipo de perícia a ser realizada. Por exemplo: não basta ter o curso superior de História para poder fazer um laudo de balística; ser Bacharel em Ciências Militares para realizar uma perícia de constatação de material entorpecente; ou ainda ser Contabilista e fazer uma perícia que necessite de conhecimentos de mecânica.
Vejamos o que dispõem os dispositivos legais em vigor:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR “Preferência Art. 48. Os peritos ou intérpretes serão nomeados de preferência dentre oficiais da ativa, atendida a especialidade.” (...) “Art. 52. Não poderão ser peritos ou intérpretes: (...) c) os que não tiverem habilitação ou idoneidade para o seu desempenho;”
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL “Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)” § 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)”
Vejam que o CPPM aduz que a preferência na nomeação de peritos se dará entre os oficiais da ativa, no entanto, o curso de perícia ministrado pelo citado BPE se destina somente aos 2º e 3º Sargentos, graduações militares para as quais não há exigência de curso superior.
Abaixo segue transcrição de decisão do STJ a respeito da necessidade de diploma de curso superior por parte dos peritos:
Processo: HC 104672 MG 2008/0085033-7 Relator(a):Ministro JORGE MUSSI Julgamento:19/02/2009 T5 - QUINTA TURMA Publicação:DJe 06/04/2009 Ementa HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO PELO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. DELITO QUE DEIXA VESTÍGIO. INDISPENSABILIDADE DE CONSTATAÇÃO VIA PERÍCIA. EXAME REALIZADO POR DOIS PERITOS LEIGOS. AUSÊNCIA DE NÍVEL SUPERIOR DE UM DOS EXPERTS. NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE SUPRIMENTO DO LAUDO PELA PROVA TESTEMUNHAL. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART.167 DO CPP. OFENSA AO ART. 159, § 1º, DO CPP EVIDENCIADA. COAÇÃO ILEGAL DEMONSTRADA. EIVA RECONHECIDA. QUALIFICADORA AFASTADA. 1. Tratando-se o furto qualificado pelo rompimento de obstáculo de delito que deixa vestígio, é indispensável a realização de perícia para a sua comprovação, a qual somente pode ser suprida por prova testemunhal quando desaparecerem os vestígios de seu cometimento ou estes não puderem ser constatados pelos peritos. Exegese dos arts. 158 e 167 do CPP. 2. Possível a perícia, deve ser efetuada por dois peritos oficiais ou por duas pessoas idôneas e obrigatoriamente portadoras de diploma de curso superior. Inteligência do art.159, § 1º, do CPP. 3. É nulo o laudo pericial que atesta o arrombamento em que apenas um dos peritos leigos era portador de diploma de nível superior. 4. A confissão do acusado não pode servir de prova para atestar o rompimento do obstáculo quando não ocorrentes as hipóteses expressamente previstas no art. 167 do CPP. 5. Ordem concedida para, reconhecendo-se a nulidade do laudo pericial de constatação de arrombamento, excluir-se da condenação a qualificadora do inciso Ido § 4º do art. 155 doCP, determinando-se que a pena aplicada ao paciente seja redimensionada pelo Juízo de primeira instância
Diante dos dispositivos legais e jurisprudência mencionados, não vislumbro a pertinência em se ministrar tal curso ou até mesmo a legalidade de possíveis laudos emitidos por militares que possuem o curso de perito criminal, mas que não dispõem de diploma de curso superior.
Gostaria de outras opiniões dos participantes do fórum.
Porte Ilegal de Arma de Fogo e Exame Pericial
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de condenado pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo (Lei 9.437/97, art. 10) no qual se sustentava a necessidade de exame pericial para a configuração do delito. Alegava que, embora a perícia tivesse sido feita na arma de fogo apreendida, esta fora realizada por policiais que atuaram no inquérito e sem qualificação necessária. Reputou-se que eventual nulidade do exame pericial na arma não descaracterizaria o delito atualmente disposto no art. 14, caput, da Lei 10.826/2003, quando existir um conjunto probatório que permita ao julgador formar convicção no sentido da existência do crime imputado ao réu, bem como da autoria do fato. Salientou-se, ainda, que os policiais militares, conquanto não haja nos autos a comprovação de possuírem curso superior, teriam condições de avaliar a potencialidade lesiva da arma. Registrou-se, contudo, que a sentença condenatória sequer se baseara na perícia feita por esses policiais, mas sim na declaração do próprio paciente que, quando interrogado, dissera que usava aquela arma para a sua defesa pessoal, demonstrando saber de sua potencialidade. Vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia o writ por considerar que o laudo pericial, ante o teor do art. 25 da Lei 10.826/2003 [“As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, quando não mais interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na forma do regulamento desta Lei.”], seria formalidade essencial, que deveria ser realizada por técnicos habilitados e não por policiais militares. Precedente citado: HC 98306/RS (DJE de 19.11.2009).
HC 100008/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 18.5.2010. (HC-10008) GRIFEI.
Da jurisprudência acima, limitaremos o comentário a respeito da perícia realizada por policiais militares atestando a potencialidade lesiva da arma de fogo apreendida.
É que o art. 159 do CPP determina que “o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior”. Ademais, diz o seu parágrafo primeiro: “Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”.
Destarte, há quem entenda ser nulo o exame de potencialidade lesiva da arma de fogo, realizado por policiais civis ou militares, sem curso superior.
Com a devida vênia, a despeito da taxatividade da lei no que pertine à obrigatoriedade do curso superior, quer nos parecer que o ponto nevrálgico é a necessidade de o perito ser idôneo e possuir “habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”. Bem por isso, um exame realizado por policial com cursos de armamentos, mesmo que sem diploma de nível superior, pode perfeitamente ser aceito para atestar ou não a potencialidade lesiva.
Soa-nos um tanto quanto elitista a exigência, em absoluto, de curso superior para se atestar o funcionamento de uma arma de fogo.
Talvez possamos ser mais ousados. Quando inexistir qualquer questionamento mais aprofundado a respeito dos mecanismos de funcionamento da arma de fogo (por exemplo potência do tiro, velocidade etc), cingindo-se a divergência a respeito de a arma ser ou não apta a disparos, dois policiais idôneos podem atestar a potencialidade lesiva. O exame se restringiria a municiar a arma e disparar, pelo que o diploma de curso superior seria exigência desproporcional e culto exacerbado do formalismo.
A questão solucionar-se-ia com a teoria das nulidades; cuidando-se de nulidade relativa, inexistindo maiores questionamentos, o conhecimento técnico que o policial possui é o suficiente para atestar a aptidão da arma de fogo em realizar disparos. O ato atingiu a sua finalidade e não houve prejuízos concretos.
A respeito, há jurisprudência:
RECEPTAÇÃO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. LAUDO PERICIAL. NATUREZA DO EXAME. COMPROVAÇÃO DE DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR. DISPENSABILIDADE.
A perícia realizada é extremamente singela, pois se limita a aferir o funcionamento normal de arma de fácil manuseio, o que dispensa conhecimentos técnicos especiais. Apelação provida. Extinção da punibilidade declarada, pela prescrição. (Apelação-Crime nº 70010535284, 8ª Câmara Criminal do TJRS, Gravataí, Rel. Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira. j. 22.06.2005, unânime).
PROCESSUAL. RECURSO. NÃO OBRIGATORIEDADE.
Se os defensores dos acusados não manifestam inconformidade da sentença, o que também não faz o próprio réu, intimado por edital, ao Magistrado não é dado, pelo caráter voluntário do recurso, designar a Defensoria Pública para atuar e oferecer irresignação, ainda mais quando já definitivamente exaurido o prazo legal. Não conhecimento de um dos apelos. PORTE ILEGAL DE ARMA. PERÍCIA. POTENCIALIDADE. O exame de potencialidade de arma não exige conhecimentos técnicos especiais. Constatação que qualquer do povo, razoavelmente esclarecido, pode produzir, mediante o simples acionar do gatilho. Exame, no caso, procedido por policiais militares, habituados ao trato de armamento. Exigência legal de curso superior que há de ser entendida como voltada ao que se poderia classificar propriamente como perícia, a exigir trabalho técnico ou científico, fornecendo conhecimentos que escapariam à formação do comum dos viventes. Réus que não podiam, à vista das circunstâncias do caso, receber idêntico tratamento. Redução da pena daquele que não era o proprietário da arma, a qual simplesmente transportava, valendo-se, também, do carro do outro. Reconhecimento, também, da atenuante da confissão espontânea. Crime de apropriação de coisa achada prescrito. Apelo parcialmente provido, para redução da pena. (Apelação-Crime nº 70009983776, 7ª Câmara Criminal do TJRS, Santiago, Rel. Des. Marcelo Bandeira Pereira. j. 29.12.2004, maioria).
Boa tarde! como você mesmo deve ter observado na lei comentada, preferência não quer dizer exclusivamente, até porque dentro das OMs existem um plano de cargos e funções relacionando todas as atividades e as qualificações necessária. Assim, muitos são os Cursos destinados a Oficiai e Praças, até porque, atualmente grande parte das Praças possuem um ou mais Curso Superior, aé mesmo Mestrado ou Doutorado.
Assim, se a própria Constituição deixa claro que as Forças armadas trataram de suas tropas observando a legislação de cada uma delas, acredito não ter qualquer restrição a que praças realizem curso de perito.
Os julgados trazidos pelo “Adv./RJ - Antonio Gomes” a respeito da perícia em arma de fogo expõem exceções a respeito da necessidade de diploma de curso superior e, nos casos concretos expostos realmente não seria razoável a exigência de diploma para se aferir o funcionamento de uma arma de fogo convencional.
Causidico, divirjo da sua opinião, não enxergo pertinência nos fundamentos do seu comentário, pois vejamos:
1 - No Exército os planos de cargos e funções que vc mencionou não existem legalmente (lei no sentido estrito), pois diferentemente da totalidade dos cargos civis da União que são criados por lei, os cargos e funções no Exército estão dispostos no RISG (Portaria) em sua quase totalidade (outros podem estar previstos em outras portarias) e, com relação à função de perito criminal o RISG silencia-se, apenas os seguintes dispositivos fazem menção à palavra perito:
RISG (Portaria Cmt Ex nº 816 de 19Nov2003) Art. 56. Ao Med Ch incumbe, além dos deveres de natureza técnica e funcional que lhe são impostos pelos regulamentos do Serviço de Saúde, o seguinte: VIII - proceder, como perito, aos exames de corpo de delito e de sanidade, na forma da lei; OBS.: VEJA QUE É NA FORMA DA LEI
Art. 301. As atividades militares são orientadas, entre outros, pelos seguintes preceitos: II - todo militar que tenha obrigação funcional de manipular ou manusear materiais perigosos ou de executar técnicas de risco, ligados ao cargo que ocupa, comportar-se-á como um perito responsável em seu nível e em seu universo de ação; III - como perito responsável, o militar deve, em razão do nível funcional em que atua e do universo em que age, ser um executante perfeitamente habilitado e conhecedor dos perigos e riscos das atividades a seu cargo; e
Pelo que se vê, nem mesmo o ordenamento jurídico do Exército contempla o cargo ou função de perito criminal.
2 - Se aceitarmos a tese de que basta o Sargento ser possuidor de diploma de curso superior, mestrado, ou doutorado para poder ser considerado um perito criminal e seus laudos periciais serem aceitos, teríamos que admitir também a hipótese de que todo Policial Federal (Agente, Escrivão, Papiloscopista) pode elaborar laudos periciais haja vista que o curso superior é requisito para o cargo. Então não haveria a necessidade de possuir o cargo de Perito Criminal Federal, bastaria ao delegado nomear como perito um Policial Federal com curso superior na área atinente à perícia.
3 - O Sargento com curso superior não poderia ser aceito como perito criminal pelos motivos acima mencionados e pelo simples fato de que não é o cargo para o qual ele fez o concurso para ingresso nas Forças Armados (em verdade tal cargo não existe nem para o oficial). Ademais, o cargo de perito oficial é profissão com regulamentação própria que sequer menciona os integrantes das Forças Armadas (Lei 12.030 de 17 de setembro de 2009).
Eu particularmente teria receio de me ver processado com base numa prova colhida por um perito militar sem curso superior na área específica do exame, e pior, que está hierarquicamente subordinado ao encarregado do IPM e também à autoridade instauradora do IPM. Tal situação, felizmente não ocorre com os peritos oficias dos órgãos oficiais de perícia que possuem total autonomia em relação aos seus laudos e que não estão funcionalmente subordinados aos Delegados.