Caríssima Carla!
A Pensão Militar é o benefício previdenciário instituído pela Lei nº 3.765/60, de caráter contributivo, que se destina a amparar os beneficiários do militar falecido, entre os quais se relaciona a filha “de qualquer condição”.
Cabe esclarecer que, com a edição da atual Lei de Remuneração dos Militares (originalmente pela Medida Provisória nº 2.131/99, hoje em vigor com o nº 2.215-10), tal benefício foi extinto para o militar que entrar nas Forças Armadas após 29 de dezembro de 1999. Esta alteração, no entanto, não alcança ao anistiado político militar, em razão da sua idade, e, consequentemente, da sua condição de inativo naquela data.
Ficou estabelecido também, naquela Medida Provisória, que o militar que quisesse continuar legando aos seus beneficiários os direitos originalmente previstos na Lei de Pensão Militar (entre eles a pensão para a filha “de qualquer condição”) pagaria um percentual a mais sobre a sua remuneração (1,5 por cento), obrigação que não alcança o anistiado político militar em virtude da isenção de contribuição previdenciária constante do art. 9º da Lei nº 10.559/02.
Verifica-se que as Forças Armadas não estão reconhecendo o direito da filha “de qualquer condição” receber a Pensão Militar, como determina a Lei de Pensão Militar, por entenderem que se trata de direito não previsto na Lei nº 10.559/02. Neste caso estão cobertos de razão, porque a natureza do benefício da Pensão Militar é previdenciária.
O problema é que também não reconhecem o direito da filha “de qualquer condição” receber a indenização proveniente de falecimento do militar anistiado pela Lei nº 10.559/02, por confundir esta indenização com o benefício previdenciário da Pensão Militar.
Em respeito ao princípio do direito adquirido, elas fazem exceção apenas para a filha que já esteja no usufruto da Pensão Militar na data do reconhecimento da condição de anistiado político do militar já falecido (reconhecimento post mortem).
Acontece que para tornar possível a anistia, a lei que a concede deve ser interpretada da forma mais ampla possível, sob pena de, assim não sendo, não cumprir a sua finalidade.
Desta forma, se a Lei de Anistia estabelece os direitos do Regime Jurídico do Anistiado Político e outra Lei estabelece os direitos do Regime Jurídico do Militar, sendo que a própria Lei de Anistia manda respeitar o estabelecido nos regimes jurídicos próprios (arts. 6º e 13), entendo que havendo conflito entre estas Leis, deve prevalecer a Lei de Anistia.
É por este entendimento que, no caso das promoções do militar anistiado político, não se deve exigir dele o cumprimento de requisitos de carreira que somente quem não foi excluído da Força Armada teria condição de cumprir (cursos, interstícios entre as promoções, contribuições previdenciárias, etc).
Também é por conta deste entendimento que o anistiado militar conta o tempo de serviço até atingir a idade limite para se transferir para a inatividade, embora esta seja uma situação que na vida real não constitui paradigma para a carreira militar, pois a maioria dos militares não completa a idade limite para se transferir para a inatividade.
Existem ainda dois aspectos importantes a considerar quanto a esta questão de interpretação da expressão “Regime do Anistiado Político” constante da Lei nº 10.559/02.
O primeiro é que o art. 16 da Lei nº 10.559/02 estabelece que “os direitos expressos nesta Lei não excluem os conferidos por outras normas legais ou constitucionais, vedada a acumulação de quaisquer pagamentos ou benefícios ou indenização com o mesmo fundamento, facultando-se a opção mais favorável”.
Ora, se o militar foi anistiado por diplomas anteriores à Lei nº 10.559/02, sendo, naquela ocasião, readmitido na inatividade no regime jurídico do militar, passando a contribuir para a Pensão Militar da filha “de qualquer condição”, não me parece justo que este direito lhe seja cassado porque a nova Lei de Anistia o isentou de pagar a contribuição.
Afinal, quem foi anistiado em 1979 contribuiu para a Pensão Militar pelo menos por 22 (vinte e dois) anos, até ser anistiado pela Lei nº 10.559/02. Da mesma forma que o militar que foi punido em 1964 com a transferência para a inatividade, também contribuiu para a Pensão Militar pelo menos por 37 (trinta e sete) anos.
O segundo aspecto a considerar é que a Pensão Militar da filha “de qualquer condição” é uma das “características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares” que o art. 6º da Lei nº 10.559/02 manda respeitar.
Assim sendo, em caso de incoerência entre as duas Leis quanto aos direitos estabelecidos para o Regime Jurídico do Anistiado Político e o Regime Jurídico dos Militares, deve prevalecer a Lei de Anistia para as pessoas que forem declaradas anistiadas políticas pelo Ministro da Justiça.
Firmado este entendimento, cabe examinar a sua conseqüência quanto ao direito à Pensão Militar por parte da filha “de qualquer condição” do militar que foi anistiado pela Lei nº 10.559/02.
Os aspectos principais deste exame abrangem a contribuição para Pensão Militar e a habilitação da filha “de qualquer condição” do militar.
Quanto à contribuição para Pensão Militar entendo que o Anistiado Político Militar está isento em virtude da previsão na Lei nº 10.559/02, art. 9º.
Quanto ao direito da filha “de qualquer condição” receber a Pensão Militar em virtude do falecimento do Anistiado Político Militar, entendo que não deva ser reconhecido tendo em vista que este benefício tem caráter previdenciário.
No entanto, a ela deve ser reconhecido o direito ao recebimento de uma prestação mensal, de caráter indenizatório, cujo valor corresponderá ao da Pensão Militar para a qual o seu genitor contribuía antes da Declaração de Anistiado Político prevista no art. 1º, inciso I, da Lei nº 10.559/02.
Desta forma se garantirá inclusive o direito daqueles anistiados políticos militares que chegaram a contribuir para deixar Pensão Militar referente a um ou dois postos acima (sendo esta mais uma característica do Regime Jurídico dos Militares).
No caso da filha do Anistiado Político Militar que não chegou a contribuir para a Pensão Militar (aqueles que não foram anistiados por Leis de Anistia anteriores à Lei nº 10.559/02), o valor da prestação mensal será igual ao valor a que fazia jus o seu pai na data do seu falecimento.
Tais direitos assim se configuram em virtude da previsão no art. 31 da MP no 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, combinado com o art. 9º da Lei nº 10.559/02.
A apropriação da despesa com o pagamento da prestação mensal, de caráter indenizatório, à filha “de qualquer condição” do anistiado político militar deve ser feita à conta da mesma verba indenizatória que é destinada pela União ao pagamento das reparações econômicas aos Anistiados Políticos, conforme o parágrafo único do art. 19 da Lei nº 10.559/02.
Tal procedimento além de garantir transparência ao gasto público, dispensa tratamento diferenciado para as verbas de pagamento de pessoal das Forças Armadas (militares em situação normal) e as de pagamento de Indenizações da União (militares anistiados pela Lei nº 10.559/02).
Para finalizar, considero que não compete ao Ministério da Justiça resolver este problema, que é de interpretação da Lei. Quando muito, o Ministério poderá emitir opinião sobre o tema, quando for instado a se pronunciar e se for da sua conveniência.
Att
Ashbell Rédua