Jéssica Rodrigues;
Vejo estas questões muito envoltas num pré-conceito e com um fundo moral religioso.
Na antiguidade histórica, o aborto era uma prática indiferente para a sociedade, o infanticídio também era uma prática recorrente, porém, não tão indiferente quanto o aborto. Quanto ao aborto: "Os philosophos Estoicos acreditavão que a alma não se unia ao corpo, senão em acto de respiração, e que por consequencia o feto não era dotado de huma alma pensadora, em quento elle existia no utero". Vide PINTO, Antonio Joaquim de Gouveia. Exame Critico e Histórico sobre os direito estabelecidos pela legislação antiga, e moderna, tanto patria, como subsidiaria, e das nações mais vizinhas, e cultas, relativamente aos expostos, ou engeitados, Tipografia da Academia Real das Sciencias (1828), 46.
Para vc ter uma ideia, um filho indesejado ou monstruoso poderia ser exposto ou morto assim que nascesse. Era feita uma seleção entre pessoas com possibilidades de vir a ser úteis e as que não tinham esta possibilidade, ou seja, as meninas que a princípio pudessem um dia vir a procriar seriam preservadas, os meninos que a princípio pudessem vir a servir na defesa das cidades também eram preservados, todo o resto era para, a princípio, morrer.
Porém, com o advento das ideias cristãs, isto mudou. Nas nossas raízes jurídicas, esta mudança ocorreu após o primeiro imperador cristão: Constantino, filho de Santa Teresa. Tanto o infanticídio como o aborto começaram a ter um tratamento no sentido da proibição e penalização da prática. Veja-se o 2º concílio de Braga de 572 d.C., sobre a penalização pela prática do aborto e o concílio de Constantinopla de 692 d.C,, em que se decreta que aqueles que praticassem o aborto seriam castigados como homicidas.
Por acaso estou a ler o livro "A Criança na Sociedade Medieval Portuguesa" de Ana Rodrigues Oliveira, onde a autora comenta sobre a rainha Filipa de Lencastre, em que o aborto foi-lhe clinicamente recomendado, pois a gestação punha em risco a sua vida. Diz a autora que "o aborto não deixava de ser clinicamente recomendado e decerto praticado quando a gravidez colocava a mãe em risco de vida".
Apesar desta consideração clínica, na maioria das legislações medievais e modernas encontra-se o aborto penalizado com a pena de morte, só se tornando menos severas na passagem da idade moderna para a contemporânea. Veja-se como exemplo o Código Penal francês de 1791.
Certa de que esta rápida passagem pela história não conta de forma pormenorizada a evolução do aborto em nossa legislação, mas serve para o incremento intelectual e demonstração que a vida só passou a ser mais valorizada com o desenvolvimento do cristianismo, mas não só; pela história pudemos ver que a vida do feto era importante, mas a vida da mãe também era.
Hoje, num Estado laico, a legislação deve permitir que ponderemos que tipo de vida queremos ter e carregar. No meu entendimento, no caso da eutanásia, a vida deve ser um direito e não uma obrigação. Quanto ao aborto, mesmo sendo contra esta prática, caso o feto seja anencéfalo, ou a gravidez ponha a vida da mãe em risco, ou outros casos em que a expectativa de vida seja ínfima, entendo que os pais devem poder escolher entre continuar com a gestação ou fazer a interrupção voluntária da gravidez.
Cumprimentos