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    Carlos walter Sexta, 01 de novembro de 2002, 22h00min

    I - Introdução

    Tem por objetivo o presente trabalho trazer a lume algumas considerações sobre a “boa-fé e sua abrangência”, sobretudo no âmbito do Direito Civil Brasileiro, em decorrência de sua ausência como princípio geral. Prega-se, que

    o princípio da boa-fé objetiva tem sido utilizado pela jurisprudência (...), principalmente nos últimos anos, como se fosse, mediante um engenhoso artifício, qual seja o de dar caráter e principalmente, função de cláusula geral ao princípio inexpresso que resultaria do conjunto das disposições do Código Civil em matéria obrigacional. (...) A boa-fé objetiva aí desempenha um papel fundamental, porque é o caminho pelo qual se permite a construção de uma noção substancialista do direito, atuando como um modelo hábil à elaboração de um sistema aberto, que evolui e se perfaz dia-a-dia.[1]

    A importância e a amplitude temática revela que as novas interpretações constitucionais do Direito Civil incluem sob todos os aspectos a presença da “boa-fé” na efetiva realização obrigacional, mormente, quando se trata de contrato. Este novel princípio de ordem contratual carece de valores e conceito metajurídicos como a confiança, a diligência do declaratório ao se granjear pelo propósito do outro.

    Aberta ao ordenamento jurídico, a boa-fé é o suporte ético nesta nova e ampla visão do direito privado.

    II - O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E SUA ABRANGÊNCIA

    1. Etimologia e conceito

    Na acepção jurídica a expressão princípios, notadamente no plural, significa normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E nesse contexto os princípios revelam o conjunto de regras, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica. Eis a ilação extraída do escólio proferido por PLÁCIDO E SILVA em seu Vocabulário Jurídico, vol. III, p. 1220.

    Indubitavelmente a boa-fé exerce sensível influência na formação dos institutos jurídicos, valendo ressaltar que esse princípio não é novo, conquanto, remonta ao Direito romano consubstanciando-se no ius gentium, não significando contudo, o que atualmente se denomina de Direito das Gentes. "Era uma parte do direito Privado, definido por Ulpiano e, desse modo, tido como o Direito comum ao gênero humano e que se apresenta como conseqüência necessária à vida humana e às relações que existem entre os homens" (op.cit.).

    De acordo com o posicionamento de CLOVIS V. DO COUTO E SILVA, ao tratar da Obrigação como Processo, deve ser considerado dever de consideração para com o "alter," o que provém do princípio da boa-fé, embora reconhecendo que tais deveres não se manifestam em todas as hipóteses concretas aduzindo mais que, estão na dependência de situações que possam ocorrer do próprio nascimento do dever assim como podem advirem do seu próprio desenvolvimento. Esse posicionamento entretanto diverge da doutrina, na medida que vem encontrando âmbito para esse princípio em toda e qualquer vinculação, excetuando apenas, as provenientes de atos ilícitos. A título de exemplo, podemos dizer que, na posse, a boa-fé sempre se presume, a menos que a lei estabeleça presunção contrária.

    A boa-fé é um conceito ético social, absorvido pelo direito como proposição jurídica, limitando e definindo através da relação jurídica seu grau de intensidade e categoria a que se liga.

    2. Pressuposto histórico

    Historicamente, a boa-fé veio interceder no mundo jurídico no século XIX, no Código Napoleônico, limitando-se aos domínios possessórios, bem como às obrigações contratuais, em que pese sua previsão legal, este princípio não fora aplicado em decorrência do domínio voluntarista jurídico à época, logo as doutrinas e codificações dependentes dele, a exemplo do Código Italiano e o Código de Seabra, não faziam citação à boa-fé.[2]

    Somente no início do século XX (1900), a boa-fé passou a ser tratada objetivamente, com a publicação do Código Civil Alemão, o BGC, nos termos do § 242, in verbis: “O devedor é obrigado a realizar a prestação do modo como o exige a boa-fé levando em conta os usos do tráfico” .

    Posteriormente, a legislação Francesa, Italiana e Portuguesa, recepcionaram a boa-fé, adotando sua aplicabilidade como regra geral.

    Cita o professor PETER SCHLECTRIEM que

    boa-fé é aplicada na Alemanha a diversos casos, tendo várias teorias derivadas de sua utilização como, por exemplo, aplicações da culpa in contraendo e da boa-fé no setor de seguros [3], apresentado, inclusive várias funções: “função de concretização – como critério para determinar o modo da prestação, função de complemento – através da criação de deveres acessórios, função de limitação – restringindo o exercício de direitos e a função corretora – reintroduzindo no ordenamento jurídico Alemão o instituto pandectista cláusula rebus sic stantibus.[4]

    Pontifica VILLEY, em que pese o liberalismo, o Código Francês nunca concebeu sem limites a vontade individual, ressalta-se que os princípios da boa-fé ali consignados com rigor, os juristas da Escola Exegese em momento algum lhe deram expressiva aplicação.

    O Código Civil Português que entrou em vigor em 1966, tratou da boa-fé em vários artigos adotando-a como princípio geral.

    Lecionou ORLANDO GOMES que

    dentre as numerosas posições assumidas pelo codificador português ao reformar o direito privado do país sobressai o acolhimento, em textos incisivos, do princípio da boa-fé erigido à condição de fulcro e meta derradeira do ordenamento jurídico, para aplicação nas situações singulares da maior receptividade, em consonância à regra geral condensada em elegante fórmula.[5]

    O Código Civil Italiano trata a boa-fé em vários dispositivos, estando, consagrado na doutrina e a jurisprudência vem se utilizando como fundamento.[6]

    3. Significados e fontes de boa-fé

    Na verdade, sempre se considerou a boa-fé como sinônimo de intenção pura, sem dolo, sem engano. A pessoa pratica o ato dentro dos parâmetros traçados pela lei, na conformidade com o direito.

    A abusividade de cláusulas insertas em determinados contratos têm aproximação com o abuso do direto considerando-se aqui a sua fonte inspiradora. De acordo com os ensinamentos do festejado PONTES DE MIRANDA, os juristas romanos estabeleciam que o abuso do direito estava na dependência da "malícia". Posteriormente, passaram a supor que, bastava a consciência do desvio ou a intenção contrária à função própria do direito exercido, para restar caracterizado o abuso do direito.

    Porque consubstanciado em elemento inteiramente psicológico, esse posicionamento deixou de vingar, passando esse conceito para a linha outra com estreita e direta ligação com a própria vida social, resultando para a identificação do abuso do direito, tão somente o desvio do exercício do direito.

    4. Aspecto subjetivo e objetivo da boa-fé

    Não há que se olvidar que, a abusividade de cláusula contratual guarda também uma aproximação muito nítida com a figura da " lesão" , eis que toda cláusula abusiva implica lesão, assim considerada em seu aspecto subjetivo repousando este, na intencional vontade de praticar a lesão e com isso, tirar proveito da situação da parte adversa. Doutra parte, insta ressaltar que, a cláusula abusiva se esteia no elemento de natureza objetiva, conquanto apresenta-se sem qualquer relevância o elemento intencional, bastando para a sua caracterização, o evidente desequilíbrio contratual provocado por uma das partes. Entretanto, impera ressalvar que, inobstante essas conexões que a cláusula abusiva apresenta com o abuso do direito e a lesão, tem ela autonomia de origem e, segundo ministra o jurista PAULO LUIZ NETTO LÔBO em Condições Gerais dos Contratos e Cláusulas Abusivas, p. 157, somente tem aplicação no âmbito das condições gerais, sendo inaplicável às relações contratuais comuns. E justifica: "o que é abusivo no contrato de adesão a condições gerais pode ser válido no contrato negociado".

    Na óptica de CARLOS MAXIMILIANO, citado por FRANCISCO ROSSAL DE ARAÚJO, o Princípio Geral da Boa-Fé por se encontrar entre os macroprincípios embasa todo o ordenamento jurídico ao ponto de se constituir em diretivas idéias do hermeneuta, assim como nos antecedentes científicos da ordem jurídica. Nesse contexto, se incluem os mais diversos princípios tais como: do respeito recíproco, da autodeterminação, da vinculação dos contratos, da equivalência, da culpa (no âmbito do Direito Penal), da responsabilidade por danos, da igualdade, da imparcialidade do julgador, da irretroatividade das leis, do contraditório etc, consoante ministério desse último.

    Mais uma vez se faz necessário distinguir entre a boa-fé subjetiva, que se assenta no estado de consciência do indivíduo, e a boa-fé objetiva, que se finca no Princípio Geral de Direito, eis que o conteúdo ético deve prevalecer sobre o estado psicológico. Em sentido subjetivo - “É a crença de não estar lesando o direito de outrem, o sujeito age sem o conhecimento de que prejudica melhor direito, é o estado interior ou psicológico relativo ao conhecimento, ou desconhecimento e a intenção ou falta de intenção de alguém”.

    Em Sentido objetivo, “É um dever das partes de uma relação jurídica, de comportarem-se, tomando por fundamento a confiança que deve existir, de maneira correta e leal; mais especificamente caracteriza-se como retidão e honradez dos sujeitos de direito que participam de uma relação jurídica, pressupondo o fiel cumprimento do estabelecido”.[7]

    Em diversos ordenamentos jurídicos encontramos prolixidade objetiva e subjetiva. Exempli gratia: vejamos a descrição narrada pelo Prof. ALLAN FRANSWORTH da Columbia University School of Law:

    suponhamos, que você seja dono de uma editora e que eu seja um escritor e que nós façamos um contrato em que tenha que escrever um romance e você tenha que publicá-lo e pagar os meus direitos autorais, se ficar ‘satisfeito’ com o meu romance. (Cláusulas como essas que incluem a palavra satisfeito são comuns nos contratos para publicação de livros nos Estados Unidos). Suponha também que você se recuse a publicar meu romance e pagar os meu direitos autorais, afirmando que não está ‘satisfeito’ com o meu livro. Já que é tão difícil julgar a qualidade de um romance, o Tribunal decide que a boa-fé a ser aplicada neste caso é subjetiva, estará você realmente insatisfeito com a qualidade do meu romance ? O Tribunal não poderá entregar o caso para que o Júri decida. Mas se eu puder provar, que o seu sentimento de insatisfação é tão somente um subterfúgio ou pretexto para não publicar o meu romance em função das minhas opiniões políticas, você estará descumprindo o contrato que foi por nós avançado.[8]

    E continua:

    Suponha que quando você diz que não está satisfeito com o meu romance, e peça ajuda a você na edição, para que o romance lhe satisfaça ? Os nossos Tribunais têm decidido que você não é obrigado a ter esse tipo de atitude, a boa-fé não impõe a você obrigação de solicitar manuscrito. Suponha, entretanto, que o meu pedido seja mais modesto, e que eu pergunte a você quais são as partes do meu romance que lhe deixaram insatisfeito para que eu possa melhorá-los. Sabe-se que nenhum Tribunal tenha decidido uma situação como essa, eu acredito que o Tribunal incluiria como obrigação decorrente da boa-fé, o seu dever de apontar os defeitos do texto.[9]

    Pelo que se infere da leitura, chega-se a conclusão que nos Estados Unidos a distinção entre os sentidos da boa-fé é relevante, sobretudo quando versa sobre a boa-fé objetiva, diversa da legislação brasileira ante a ausência de cláusula geral, somente prevista na Lei nº 8.070/90, que se refere aos Direitos dos Consumidores.

    5. A boa-fé sob os aspectos: doutrinário e legal

    Como já anteriormente explicitado, não se pode desprezar a importância dos princípios em toda a formação de quaisquer Institutos Jurídicos. Não poderia ser diferente, pois apesar do nosso Código Civil não ter albergado de maneira expressa a “boa-fé," em toda e qualquer manifestação dos contratos é inegável a sua presença, provocando interpretações seguras e objetivas.

    6. No Direito Brasileiro

    O fato é que, o Código Civil Brasileiro, apesar de tratar a boa-fé em relação a institutos específicos, nunca deu-lhe tratamento como regra geral, talvez por não ter percebido o autor do Projeto – CLÓVIS BEVILÁQUA. Diante desta ausência, é dominado o nosso Código Civil, por alguns princípios, sendo a boa-fé uma limitação destes, proporcionando, conseqüentemente, algumas injustiças sociais.

    É bem verdade que a legislação substantiva civil não contempla o princípio da boa-fé objetiva, como regra geral; exceto no Código Comercial, em seu artigo 131, inciso I, chamado por alguns como “letra morta”, não se importando a doutrina e jurisprudência.

    Como já dito, o Código Comercial (1850) acolheu o princípio da boa-fé de forma expressa ao preconizar no seu art. 131: "Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: 1. a inteligência simples e adequada que for mais conforme à boa-fé, e ao verdadeiro espírito da natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras".

    Adotou igualmente o Código de Processo Civil o princípio da boa-fé, fazendo-o através das disposições legais insculpidas nos artigos 14, 17 e 620, que rezam:

    “Art. 14 - Compete às partes e seus procuradores;

    I - ...................................................
    II - proceder com lealdade e boa-fé";

    “Art. 17 - Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

    I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso:
    II - alterar a verdade dos fatos:
    III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
    IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo:
    V - proceder de modo temerário em qualquer incidente.”

    Acolheu a Boa-Fé como princípio norteador dos contratos a quase totalidade dos doutrinadores e operadores do direito, apesar de que apenas no Direito do Consumidor ter referência constitucional, dando a ela a importância sistêmica e a eficácia legal.

    É assente na doutrina que em toda e qualquer vinculação, exceto nas derivadas de atos ilícitos, é possível o surgimento do princípio da “boa-fé”. Para que se concretize as interpretações dedutivas da boa-fé nos negócios, é importante que sejam revistos conceitos tidos como modernos no direito privado e que regulavam o vínculo existente entre credor e devedor. O credor tinha poderes conferidos e correlativos aos deveres impostos ao devedor, que figurava nesta relação como provocador de obstáculos ao adimplemento da obrigação.

    Na ordem contratual moderna, mesmo que os princípios não tenham sido estabilizados e identificados pelo Código Civil, é possível determinar a contribuição da boa-fé relacionada aos figurantes do vínculo (credor e devedor). Isto porque o que o direito valora é o comportamento de ambos os figurantes. A culpa por ventura existente neste tipo de contrato, recai sobre qualquer um, ficando a outra parte protegida pelo tratamento legislativo, utilizando-se do poder judiciário para a satisfação dos seus direitos.

    Nos negócios bilaterais, o interesse conferido a cada participante da relação jurídica (“mea res agitur”) encontra sua fronteira nos interesses de outro figurante, dignos de serem protegidos. O princípio da boa-fé opera aqui, significativamente, como mandamento de consideração.[10]

    7. No Direito do Trabalho

    No âmbito do Direito do Trabalho também não se pode afirmar a existência de uma regra geral expressa da aplicabilidade do princípio da boa-fé, contudo o artigo 8º da Legislação Obreira ao sentir de FRANCISCO ROSSAL DE ARAÚJO, ao tratar da Boa-Fé no Contrato de Emprego "permita a entrada, dentro do sistema de normas trabalhistas , de Princípios do Direito do Trabalho e de Princípios Gerais de Direito."[11] À guisa de exemplo podemos citar as hipóteses de incontinência da conduta ou mau procedimento, figuras que como tantas outras representam no contrato individual do trabalho faltas de natureza grave, conquanto importam em violação da obrigação geral de conduta do empregado. É bem verdade que a incontinência de conduta independe do contrato e o mau procedimento, não significa a violação de uma obrigação específica desse tipo de contrato.

    A incontinência de conduta tem sua manifestação através da irregularidade de vida que o empregado apresenta, a qual se incompatibiliza com a sua condição e com o cargo que ocupa ao ponto de fazer com que o empregador perca a confiança que lhe depositava. Não há dúvida portanto, que o mau procedimento está em todo o ato que demonstra a quebra de do princípio de que os contratos devem ser executados de boa-fé.

    Todavia, no direito das obrigações este princípio serve como interpretação, sendo, inclusive, amparado pela jurisprudência. Com efeito, em vários preceitos do Direito Civil Brasileiro está inserida a boa-fé, exemplo: arts. 490 e 491 (posse de boa-fé); arts. 550 e 551 (usucapião); arts. 546 e 1.072. Estes dispositivos tratam de boa-fé subjetiva.[12]

    Doutrina PAULO LUIZ NETTO LÔBO que

    o princípio da boa-fé foi reafirmado em toda a sua grandeza ética e histórica no direito das condições geral (...) Não apenas no direito civil a boa-fé ressurge. Em quase todos os ramos do direito o princípio é referência obrigatória (...) Através de cláusulas gerais, como a boa-fé, a aplicação do direito retorna a realidade social, captando os valores típicos pela mediação concretizadora do juiz (...) como cláusula geral, a boa-fé não é princípio dedutivo, não argumentação dialética; é medida e diretiva para a norma de decisão, de regra, sem hipótese normativa preconstituída.[13]

    8. No Direito do Consumidor

    A boa-fé, recepcionada no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, assim repercutiu concretamente em nosso ordenamento jurídico, sobretudo ao dispor em seu art.4º, inciso III – cláusula geral da boa-fé, como também para evitar abusos contratuais – art. 51, inciso IV.

    As obrigações advindas da boa-fé, constante no CDC, fizeram permitir que as decisões judiciais se baseassem especificamente na lei, não recorrendo, por analogia a outros institutos.

    Por outro lado, os deveres de informação, lealdade e de probidade na publicidade, demonstram imperiosamente o quão é relevante a boa-fé objetiva, resguardando, destarte, o direito do consumidor vir a romper o vinculo obrigacional, se constatada anormalidade no produto adquirido.

    Ainda, com relação ao CDC, a boa-fé ali consagrada, restringiu veementemente os limites da autonomia privada, ao possibilitar a intervenção do judicial no contrato, fazendo inserir cláusulas obrigatórias ou proibindo cláusulas abusivas.

    Esclarece NELSON NERY que o “Código do Consumidor adotou, implicitamente, a cláusula geral da boa-fé, que deve reputar-se inserida e existente em todas as relações de consumo ainda que não inscrita expressamente no instrumento contratual. O princípio é praticamente universal e consta dos mais importantes sistemas legislativos ocidentais”. [14]

    9. Boa-fé e interpretação judicial

    Por basear-se em princípios considerando-se, que a Lei não admite lacunas, necessário a justa valoração e interpretação dos Juizes no que diz respeito a aplicação da boa-fé, sem ferir toda a estrutura dogmática.

    Sem dúvidas, o princípio da boa-fé constitui um avanço para o ordenamento jurídico, e sua interpretação eqüitativa e justa revela, a atividade judicial em sua plenitude. Ë preciso que se tome cuidado para não ultrapassar no preenchimento da carga valorativa, o que se entende por direito, ou se são valorações preexistentes.

    Ensina-nos J.J. GOMES CANOTILHO, no seu livro Direito Constitucional:

    “Princípios são multifuncionais, podem desempenhar uma função argumentativa, permitindo denotar a ratio legis de uma disposição ou revelar normas expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas sobretudo aos juizes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito”.

    A aplicação do princípio da boa-fé, mediadora da interpretação integradora, merece dos julgadores um cuidado extremo. É sempre difícil visualizar concreção diante de um conceito dito subjetivo, o fato jurídico somente existe diante da concreção das normas ou princípios, que implique na existência de um dever, do devedor ou do credor concomitantemente. Ë pois dentro da ótica moderna, que o juiz interpretará subjetivamente, a nova conceituação da boa-fé objetiva na relação jurídica obrigacional.

    Se o Código de Defesa do Consumidor inicialmente nesta nova fase da teoria contratual serviu de mote teórico para o relançamento da boa-fé no plano contratual, não podem a ele ficar restrita sua análise e aplicação, eis que a Legislação de consumo, bem como toda a ordem contratual, estão fundadas no princípio Constitucional da Livre iniciativa não sendo a conformação daquela pela Justiça Social (art. 170, caput) exclusividade do CDC.

    Ampliam-se as considerações da boa-fé objetiva no nosso Código Civil , relevando-se que as relações contratuais neles contidas foram renovadas pela nova ordem Constitucional de 1988, tal como o Código do Consumidor.

    Para CLÓVIS (idem, idem), “A aplicação do princípio da boa-fé tem, porém, função harmonizadora, conciliando o rigorismo lógico-dedutivo da ciência do direito do século passado com a vida e as exigências éticas atuais, abrindo por assim dizer no “hortus” conclusus do sistema do positivismo jurídico “janelas para o ético”. (idem CLÓVIS)

    A boa-fé objetiva tem uma aplicação subjetiva, fruto da experiência social do juiz. Deve o legislador utilizar-se dos recursos disponíveis dentro do nosso ordenamento jurídico sem feri-lo. O processo de interpretação levará os juizes a searas outras que não estão dentro dos limites do direito, recorrendo a valores sociais comportamentais relevantes também na fase pré e pós contratual .

    10. O Estado-juiz e a boa-fé

    O homem por fazer parte de uma sociedade, fez com que o Estado interviesse em sua vida elaborando normas, com o intuito de preservar suas relações íntimas harmonicamente.

    Por outro lado, sabemos que o homem não é produto da natureza, em que pese sua sociabilidade [15]. Neste âmago deparamos o juiz que, em seu labor diário deve ser perspicaz diante das provas que lhes são apresentadas, sabendo discernir a boa-fé, sendo de crucial importância à imparcialidade que não é a neutralidade de classes sociais e de valores jurídicos, pelo contrário, neste instante está cumprindo seu papel, alicerçado na ética dos direitos proporcionando equilíbrio perante as partes, minimizando, conseqüentemente, até então, o desequilíbrio.

    Em se tratando, o Juiz, de profissional especializado em conhecimento técnico-jurídico, está investido no poder jurisdicional por sê-lo julgador, coibindo, através da boa-fé o abuso na prestação jurisdicional formal ou aparente.

    A intervenção do Estado pelo juiz, na aplicabilidade do direito obrigacional incide a cláusula geral, mormente a da boa-fé.

    Portanto, “essa é a via que o Estado usa para modificar contratos, criar deveres anexos, limitar direitos, atribuir efeitos a condutas; e isso tanto para realizar os fins econômicos que são próprios dessas relações (como, por exemplo, para manter a leal concorrência), mas também e muito especialmente para realizar a justiça material do contrato”.[16]

    Deverá o Juiz, na interpretação dos contratos, além do caráter subjetivo transcrito no art. 85 do Código Civil, fundamentá-la objetivamente com a livre iniciativa, princípio Constitucional albergado na Carta Magna de 1988. A boa-fé não é apenas atributo exclusivo do Código do Consumidor (expressamente declarado), mas de todos e quaisquer contratos absorvidos e traduzidos na interpretação de nossa Lei Maior.

    É verdadeiro que o advento do Código do Consumidor, rompeu o velho sistema do Código Civil de julgar o contrato pela forma única (liberal), servindo de marco e referência histórica, mas é impossível deixar de reconhecer a amplitude da nova proposta da Teoria Geral do Contrato.

    “A boa fé objetiva encerra o circuito da atual justiça contratual somada a Princípios Contemporâneos outros, dela derivados - Transparência, confiança e equidade - sendo o dado mais claro da afirmação do desejo Constitucional de um contrato solidário e socialmente justo”.[17]

    Para interpretar diante das novas perspectivas o Juiz tem que ponderar: Se vai utilizar-se do standard comportamental da figura abstrata do homem médio, deverá considerar que esta figura está longe da esfera social do magistrado. Nosso homem médio é um sujeito diverso dos padrões germânicos e é de difícil identificação diante das distorções do sistema econômico que influenciam diretamente na nossa distribuição de renda.

    O desafio do juiz, residirá na aplicação subjetiva da boa-fé objetiva, utilizando-se de parâmetros sócio- culturais e sua própria experiência social, adaptando aos trópicos e ao nosso subdesenvolvimento os conceitos de origem germânica, sob pena de colocar por terra todo o potencial inovador, trazido pelo princípio em destaque neste trabalho.

    Ensina-nos GUSTAVO TEPEDINO, em seu livro Temas de Direito Civil: “O direito civil perde, então inevitavelmente, a cômoda unidade sistemática antes assentada, de maneira estável e duradoura, no Código Civil. A Teoria Geral dos Contratos já não atende mais as necessidades próprias da sociedade de consumo, da contratação em massa, da contratação coletiva”.

    Está o modelo da boa-fé, manifestando-se na doutrina, com novos contornos, afirmando definitivamente que já não é mais possível definir seus contornos conceituais e sim adaptá-los a uma conduta contratual, que destine-se a melhor efetivação dos interesses do outro contratante.

    Este extenso contexto denota a amplitude da boa-fé objetiva, incidente em todos os momentos da relação contratual, desde que nasce até quando extingue-se, mesmo que não tenha nossa legislação civil albergado-a expressamente, já tendo o novo projeto de Código evoluindo sobre o tema no seu artigo 421. Contudo, apesar deste passo, deixa de lado o momento pós eficacial do contrato cumprido, tema amplamente abordado no direito germânico e código português.

    III - CONCLUSÃO

    O princípio da boa-fé, portanto, deve cada vez mais ser inserido no ordenamento jurídico como conteúdo ético que é, a funcionar como escudo protetor de suas regras. Sim, porque os princípios por apresentarem funções próprias na formação de um sistema jurídico, divergem do abstratismo que envolve o aspecto objetivo do mesmo princípio, na medida que permite a solução de conflitos considerando-se, para tanto, princípios gerais. Para identificar a particularidade que bem caracteriza a formação dos princípios no sistema jurídico, é suficiente considerar que os princípios não valem sem exceção e por isso podem entrar em contradição entre si. Exemplificadamente podemos trazer à baila que o princípio da proteção à família pode contrapor-se ao direito de dispor da legítima.

    Outro aspecto a ser considerado é a ausência de exclusividade nos princípios, valendo dizer que numa mesma relação jurídica pode coexistir vários deles. Numa relação de Direito Público, por exemplo, pode existir o princípio da impessoalidade e da moralidade.

    A boa-fé constante em diversos ordenamentos jurídicos, apresentam duas correntes, exercendo função relevante perante os negócios jurídicos, tanto na fase pré e pós contratual.

    Finalmente, vale salientar, que a boa-fé surgiu no CDC como objetivo de política nacional, culminando em nulidade alguma cláusula incompatível com a norma.

    Bibliografia:

    ARAÚJO, Francisco Rosal de. Boa-fé no Contrato de Emprego. São Paulo: LTR, 1996.
    BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11.ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
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    CHAISSE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 55.
    COSTA, Judith Martins. Boa-fé no Direito Privado. São Paulo: RT., 2000, p. 382.
    CORDEIRO, Antônio. A boa-fé nos finais do século XX. In: Revista da Ordem dos Advogados Portugueses, Lisboa: ano 56, III, dez. 1996, p. 887, citado por Bruno Novaes B. Cavalcanti, In O Princípio da Boa-fé e os Contratos de Seguros.
    GOMES, Orlando. O Princípio da boa-fé no Código Civil Português. Revista do IAA, p.177. [s.n.t.].
    Mello, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato jurídico: Plano da Existência. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 4.
    NACIM PAULO, Vol. II, Curitiba, Juruá, Ed. 2001. [s.n.t.].
    PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1999.
    ROCHA, Paulo Felisberto da. Apostila de metodologia científica. Maceió: FUNESA, 2001.
    ROSSAL, Francisco. Princípios do Direito do Trabalho e de Princípios Gerais de Direito. São Paulo: LTR, 1996, p. 19.
    TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000

    Notas de rodapé:

    [1] COSTA, Judith Martins. Boa-fé no Direito Privado. São Paulo: RT., 2000, p. 382.
    [2] CHAISSE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 55.
    [3] CORDEIRO, Antônio. A boa-fé nos finais do século XX. In: Revista da Ordem dos Advogados Portugueses, Lisboa: ano 56, III, dez. 1996, p. 887, citado por Bruno Novaes B. Cavalcanti, In O Princípio da Boa-fé e os Contratos de Seguros.
    [4] CORDEIRO, Antônio. (op. cit.).
    [5] GOMES, Orlando. O Princípio da boa-fé no Código Civil Português. Revista do IAA, p.177. [s.n.t.].
    [6] CAVALCANTI, Bruno Novaes B. O Princípio da boa-fé e os Contratos de Seguro. Nossa Livraria, 2000, p. 37/38. (s/l).
    [7] CAVALCANTI, Bruno. O princípio da Boa-Fé e os Contratos de Seguro. Recife: Nossa Livraria, 2000.
    [8] FARNSWORTH, Allan. Citado por Bruno Novaes B. Cavalcanti. (op. cit.).
    [9] CAVALCANTI, Bruno Novaes B. (Idem, idem).
    [10] Cf. COUTO E SILVA, Clóvis. A Obrigação Como Processo. São Paulo: Bushatsky, 1976.
    [11] ROSSAL, Francisco. Princípios do Direito do Trabalho e de Princípios Gerais de Direito. São Paulo: LTR, 1996, p. 19.
    [12] CHAISSE, Valéria Falcão. (op. cit).
    [13] LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições Gerais dos Contratos e Cláusulas Abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 143.
    [14] NERY, Nelson e outros. Código de proteção e defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: forense Universitária, 1999, p. 500.
    [15] Mello, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato jurídico: Plano da Existência. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 4.
    [16] JÚNIOR, Ruy Rosado de Aguiar. O poder judiciário e a concretização das cláusulas gerais: limites e responsabilidade. Júris Síntese nº 30.
    [17] NALIM, Paulo. vol. II, Curitiba, Juruá Editora,2001. [s.n.t.]

    nota. este trabalho encontra-se no boletim Paulista de direito disponivel na internet, basta acessar o Site

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