É decepcionante ser analista judiciário na Justiça Federal da 3ª Região
O título deste tópico é a manifestação de um pensamento recorrente que vem à minha cabeça nesses quase dois anos como servidor da Justiça Federal de São Paulo. Antes de começar aqui, já era funcionário público. Fazia parte da tecnocracia do Tribunal de Justiça do já mencionado Estado. Era escrevente, função que exerci durante muito tempo e da qual me orgulho muito. Grupo de guerreiros, vencendo as adversidades, como excesso de trabalho, falta de material (humano inclusive), dia após dia. Mas como apaixonado pelo Direito (curso que escolhi), encontrava certa realização no reconhecimento pelos chefes e Magistrados do bom trabalho desempenhado, os quais me deram a oportunidade de trabalhar mais de perto com o Direito. Com o surgimento do concurso para ingressar nos quadros do TRF não pensei duas vezes: ”era a oportunidade de mudar de vida, vou fazer concurso pra analista”. E daí vem a preparação (que os concurseiros bem conhecem), regada pela dedicação aos estudos e abdicação de muitas coisas da vida, entre elas, os bons momentos com a família, amigos, o happy hour após um dia exaustivo de trabalho, o churrasco de fim de semana, o cinema, enfim, essas coisas mundanas que dão um prazer danado. Mas tudo bem, valeria a pena colher os frutos deste esforço. Bem, pelo menos era o que eu pensava. Depois da boa aprovação, seguida da agrura de vários anos (4 pra ser mais exato) veio, finalmente, a nomeação para o cargo. Pensava:” agora sim!!!” Por mais que eu gostava do pessoal do Fórum e do trabalho que lá desempenhava, seria bacana exercer funções mais condizentes com o estudo e interpretação do Direito em si. Estava empolgado. Nos dois anos que se seguiram, a empolgação se transmudou para estagnação, que em breve, amargou para a decepção. Infelizmente, o que ocorre na realidade é muito, mas muito diferente do Edital. Você geralmente cai numa Vara já existente (sorte daqueles que chegaram em Varas novas, pois sei que a realidade é diferente). Nela já existe o pessoal bem “antigo”. Sabe, aqueles que estão lá há tempos.... Que já possuem a cadeira, o computador, o cargo e, principalmente, as CHEFIAS. Aliás, como tem cacique pra pouco índio.... É um pessoal que nunca vai sair de lá, pelo menos não antes da expulsória. Até aí tudo bem, a gente entende: manter o status quo, as funções são bem significantes, sem falar que bater no peito e dizer que é chefe “não tem preço”. Tranquilo isso. Ninguém quer pegar um bonde andando e sentar na janelinha. Mas ainda ingenuamente pensava: que beleza, vou poder falar sobre Direito, trocar ideias com o pessoal, poder dar opiniões para melhorar as coisas..... Enfim, esperava que sugassem o pouco de conhecimento que tenho, porque se há algo me empolga é falar e discutir sobre a área do conhecimento que escolhi para trabalhar o resto da vida. Mas é aqui que veio o balde de água fria. Nada disso passou perto de ocorrer. No cotidiano da secretaria você ganha um carimbo, um grampeador e talinhas pra colar nas peças. A discussão sobre Direito; que nada, só se fala de rotinas, tamanho de margem, orientação dos processos (orientação no sentido de ângulo em que eles devem ficar na estante e não sobre procedimento não!!!), manutenção de livros, pastas, tipos de carimbos, anulação de espaços em branco e ....... rotinas de novo. Voltei à tecnocracia com força total!! De uma maneira com a qual nunca havia me deparado nem no começo do exercício da atividade de escrevente, quando cheguei cru no cartório. O trabalho é muito bem feito, diga-se de passagem. Mas justamente por isso, são tantos detalhes, que somente eles preenchem seu dia. Não há tempo pra falar de Direito, não há tempo pra ler os autos, pra entender o que está acontecendo naquela fase processual, pra ler uma interlocutória inteira. Aliás, os companheiros de trabalho deixam bem claro que você não está ali pra isso. São anos de estudo, perseverança, sonhos, angústia até ser chamado, para no final chegar a isso: o cargo de analista judiciário – área judiciária, simplesmente NÃO EXISTE. Você passa a trabalhar num lugar onde o ouro é ser técnicista/administrador. O valor está unicamente em saber rotinas, fazer contagem de processos, usar régua pra anular espaços em branco e decorar o regimento interno. Não quero menosprezar o valor dessas coisas, nem quero desempenhar as funções do Juiz. Tenho noção do meu lugar. Mas fico confuso com isso. Pra quê o cargo de analista então? Pra quê nível superior? E pior: pra quê a especialização do cargo na área judiciária? Isto de nada adianta. São só rótulos que serão massacrados e espezinhados com o tempo. E o conhecimento, aquele conhecimento que você lutou tanto pra conquistar e que está doido pra pôr em prática a fim de que haja uma melhor prestação jurisdicional; bem, esse meu amigo, devagar vai sendo esquecido, vai morrendo com o dia-a-dia da secretaria, com a burocracia, a decoreba de sistemas, com a conferência bitolada de cargas, recebimentos, etc. Valeria mais, por incrível que pareça, ter estudado menos. Aí alguém pode dizer: “você é cínico, o salário não conta não?” Eu respondo, conta sim, o analista recebe um pouco mais. Mas no pelo menos onde trabalho, este é até o motivo usado para não distribuir função pra analista, pois ela acaba sendo utilizada pra equiparar os salários. Como já ouvi: “analista ganha bem, por isso não precisa de função......” Quer entrar na JF: não faça concurso para analista. Você vai se estressar menos estudando, vai passar mais rápido, e no fim, vai ganhar e fazer a mesma coisa. Não espero mudar nada com este tópico. Só queria desabafar, precisava disto. E sei que alguns poucos ainda se solidarizam/compartilham esta situação. Só queria saber que não estou sozinho nesta, decepção.....