Rescisão de contrato por motivos de mudança!
Se eu conseguir um emprego em outra cidade, e tiver que me mudar pra essa cidade, posso eu, pedir o cancelamento do contrato de locação do imóvel sem ter que pagar a multa pelo cancelamento antes do prazo? Pq eu vi na internet falando a respeito de que é possível com "transferência" de emprego, no caso, de eu conseguir um NOVO emprego isso também é possível?
Obrigada!
Se vc fosse transferido pela empresa empregadora para outra cidade, teria direito de rescindir o contrato sem pagar multa. Entretanto, pelo simples fato de conseguir outro emprego em outra localidade, não lhe dá o direito de rescindir sem multa. Amulta será devida proporcionalmente ao tempo que resta para terminar o contrato.
Aline, o Parágrafo Único do Art. 4º da Lei 8.245/91 é bastante claro:
"O locatário ficará dispensado da multa se a devolução do imóvel decorrer de transferência, pelo seu empregador, privado ou público, para prestar serviços em localidades diversas daquela do início do contrato, e se notificar, por escrito, o locador com prazo de, no mínimo, trinta dias de antecedência."
No meu entender esse dispositivo não deixa dúvidas.
Pela letra da lei, não é possível, conforme o comentário anterior. Contudo, é possível discutir por questão de isonomia que seja dispensado a aplicação da multa nesse caso concreto uma vez que não se pode tratar desigualmente situações materialmente idênticas qual seja o fato de que o locatário não tem mais rendimentos financeiros no lugar do imóvel locado. Se a situação é idêntica, pode-se dizer em transferência, mudança de emprego, perda de emprego, entre outros casos que exonerem essa multa. Contudo, isso decorre de uma interpretação jurisprudêncial sistemática e teleológica e não na interpretação literal da lei. Pode-se perder ou ganhar a ação que vise a exoneração da multa, a depender do entendimento de cada juiz.
Quaisquer dúvidas, [email protected].
Atenciosamente, Caio César Soares Ribeiro Patriota.
Particularmente, e respeitando opiniões contrárias, também entendo que essa norma não comporta ampliações.
E a meu ver, o trecho que deixa isso claro é o seguinte:
"...se a devolução do imóvel decorrer de transferência pelo seu empregador, privado ou público, para prestar serviços em localidades diversas daquela do início do contrato..."
A norma deixa claro que a transferência que enseja dispensa da multa é aquela levada a cabo por determinação do empregador, no decorrer daquele contrato de trabalho entabulado entre ambos.
Essa previsão tem sua razão de ser no fato de que essa alteração determinada pelo empregador é fato irresistível pelo empregado, uma vez que a negativa em acatar a transferência pode acarretar até mesmo a sua dispensa. O que não ocorre quando o empregado pede dispensa para trabalhar em outro emprego.
Veja que ao falar em "início do contrato", a lei deixa claro que a transferência de localidade se opera no decorrer de um mesmo contrato. Ao pedir dispensa de um emprego para ingressar em outro, houve ruptura do vínculo laboral por iniciativa do trabalhdor, havendo posteriormente constituição de novo contrato com empregador diverso.
Não há, nesse caso, "transferência por determinação do empregador", mas sim assunção de novo contrato laboral por iniciativa do antigo empregado, o que são situações totalmente diversas. Por isso, não vejo como falar em "situações materialmente idênticas". Não são.
A doutrina entende ainda que a dispensa da multa somente ocorrerá se a transferência acarretar inviabilidade concreta de o empregado continuar morando na mesma residência.
Desse modo, por ex., se o empregado é transferido de uma cidade para outra pertencente à mesma região metropolitana, cuja distância não inviabilize a continuidade da locação, não há a dispensa da multa. Imagine o empregado sendo transferido de BH (onde reside) para Contagem (15/20 km de distância).
Ainda com respeito às opiniões contrárias, não vejo como falar em dispensa da multa por razão de desemprego ou similares, ainda que com fundamento em questões de isonomia.
Primeiro porque se o legislador quisesse incluir tais hipóteses como aptas a dispensar a multa, bastaria ele empregar fórmula genérica do tipo "se o locatário, por qualquer motivo, ficar desprovido de recursos financeiros, ficará isento da multa rescisória".
Se não o fez, e resolvendo adotar fórmula específica, tudo aquilo que não estiver contido na norma pode ser interpretado como silêncio eloquente.
Concordo que cada juiz pode entender de uma maneira ou outra... mas o que ele não pode é fazer malabarismos interpretativos e com isso se tornar legislador, criando regra que o próprio legislador não quis criar.
Prezado Demétrio,
obrigado.
Mas o oxímoro em questão não é criação minha, sendo muito utilizado pela doutrina e pela jurisprudência na questão hermenêutica. Ou seja, o silêncio também é uma forma pela qual o legislador pode se manifestar.
Quanto ao problema da dispensa da multa aqui debatida, veja o que diz o STJ, que dá a palavra final sobre a legislação infraconstitucional:
"Ementa: RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. CIVIL. DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL PELO LOCATÁRIO ANTES DO TÉRMINO DO PRAZO ESTIPULADO PARA A DURAÇÃO DO CONTRATO. ARTIGO 4º DA LEI Nº 8.245 /91. PARÁGRAFO ÚNICO. ROL TAXATIVO. RECURSO CONHECIDO. 1. À luz do que dispõe o artigo 4º , parágrafo único , da Lei nº 8.245 /91, a única hipótese de o locatário ser dispensado do pagamento de multa pela devolução do imóvel locado antes do término do prazo estipulado para a duração do contrato é a em decorrência de transferência, pelo seu empregador, privado ou público, para prestar serviços em localidades diversas daquela do início do contrato, e, ainda assim, se notificar, por escrito, o locador com prazo de, no mínimo, trinta dias de antecedência. (...) Já a hipótese prevista no parágrafo único do dispositivo, é inegável, porque reveladora do caráter excepcional atribuído pelo legislador, sufraga a única possibilidade legal de o locatário vir a ser dispensado do pagamento da multa. (REsp 77457 SP 1995/0054709-0).
Apesar de respeitar as posições no sentido em contrário, entendo ser sim possível ampliar o sentido de "transferência" para o sentido lato e não em sentido estrito sensu. O princípio da isonomia ou da igualdade tem índole constitucional e não legal, sendo portanto mais importante como norma do que o próprio dispositivo da lei. Se em situações idênticas ou similares são tratadas de formas distintas estaria dando a iguais tratamentos diferentes, o que é contra a esse princípio geral do direito. Além do mais, se trata de uma interpretação jurídica que não é um malabarismo jurídico como alguns pensam, mas apenas visões distintas sobre o que é o Direito e a Justiça. Existem leis que são inconstitucionais e interpretações de lei que são inconstitucionais. A meu ver, limitar o juiz a ter uma visão literal de lei, é o mesmo que tratar a Lei acima da Constituição Federal. Não incentivo ninguém a entrar como uma ação judicial com base em invenções, apenas digo que existem possibilidades jurídicas de êxito ou fracasso na causa. Aqui se trata de um fórum e não de uma disputa judicial ao qual caberia ao juiz reslover a lide.
Não incentivo ninguém a ajuizar ação temerária, tenho ponto de vista contrário ao seu, ao qual respeito, mas não concordo. Essa é a graça da advocacia, a liberdade de escolha de posicionamentos. Não estou ganhando nada em dizer que sou contra ou a favor de uma posição ou não. Apenas expresso o que penso. Compete ao cliente decidir quem deve ser contratado. No mais, entendo pela inconstitucionalidade parcial da interpretação em sentido estrito da palavra transferência, por ofensa ao princípio da isonomia de situações jurídicas e fáticas semelhantes.