Caros Colegas de Debates,

Atualmente, o delito de infanticídio está definido no art. 123 do Código Penal (CP), desse modo:

"Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos."

O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal, em seu turno, traz, para o art. 123, a seguinte redação:

"Art. 123. Matar o próprio filho, durante ou logo após o parto, sob a influência do estado puerperal: Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos."

Questiono aos nobres colegas se concordam, ou não, com a redução da pena máxima prevista para o infanticídio.

Igualmente, gostaria de fazer um apontamento objeto de grande celeuma entre estudiosos do Direito Penal. O ponto de discussão circunscreve-se ao fato de se o co-autor da agente infanticida responderá a título de homicídio ou de infanticídio.

Os que defendem a responsabilidade criminal por homicídio sustentam que o infanticídio é crime próprio, haja vista que o estado puerperal (conjunto das perturbações fisiológicas e psicológicas sofridas pela mulher decorrentes do fenômeno do parto) só pode ocorrer entre as mulheres, e mesmo assim com as que estiverem em processo de parto, ou logo após este.

Aqueles que defendem a tese de co-autoria em infanticídio escudam-se na prescrição legal do art. 30 do CP, que diz, verbis:

"Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime."

Ora, "circunstâncias de caráter pessoal" são nada mais do que as "circunstâncias subjetivas", sejam circunstâncias propriamente ditas (agravantes, atenuantes, causas de aumento e de redução de pena e qualificadoras) ou elementares do tipo penal. No crime de infanticídio, a elementar subjetiva vem a ser justamente o "estado puerperal". Com base no art. 30, o estado puerperal, por se tratar de elementar e não de mera circunstância, comunica-se ao co-autor. Logo, quem quer que de alguma forma preste colaboração na prática infanticida da parturiente ou puérpera responderá, juntamente com esta, por infanticídio, não por homicídio. Esta é, do ponto de vista legal, dogmático, a única solução cabível.

Essa ilação, entendo, embora eivada de explícita legalidade, afronta cabalmente o bom senso, porque abre caminho para que uma pessoa qualquer que não esteja sob a influência do estado puerperal (mormente se tratar de um homem!) beneficie-se do pouco rigor da pena do infanticídio (2 a 6 anos de detenção), se em comparação com a do homicídio (6 a 20 anos de reclusão). Mas, compreenda-se, essa é a única solução que a lei penal aceita, porquanto o art. 30 do CP diz expressamente que as elementares se comunicam aos co-delinqüentes (ainda que subjetivas e "personalíssimas", como é o caso do estado puerperal).

A meu humilde ver, a solução legal conflitua com a própria Psiquiatria. E, pensando bem, creio que o legislador, na Reforma do Código Penal, bem que poderia redigir uma norma que dirimisse o conflito, cuja solução poderia se dar de duas formas, a saber: 1ª) Ou o infanticídio passaria a ser mais uma hipótese de privilégio do homicídio, inserindo-se-o no atual art. 121, § 1º, do CP (na Reforma, o homicídio privilegiado reside no § 2º), e portanto o que até agora é crime passaria a ser mera circunstância pessoal (subjetiva), e circunstâncias pessoais, sabemos, são incomunicáveis, como nos aclara bem o art. 30 do CP; 2ª) Ou, criar-se-ia um parágrafo único para o art. 123 do CP, que, excetuando o caput, deixasse claro que responderia por homicídio todo aquele que, afora a mãe da vítima, direta ou indiretamente desse causa ao resultado.

Enquanto não for redigida essa norma, sou forçado, infelizmente, a adotar a única solução legalmente viável: co-autoria em infanticídio...

O que acham os colegas de minhas conclusões?

Aguardo respostas...

Um abraço a todos!

Guilherme.

Respostas

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    M

    Mônica Maria Coimbra de Paula Segunda, 07 de fevereiro de 2000, 13h59min

    Brilhante colega Guilherme,
    Agradeço. Com renovada honra, a oportunidade de debater com você.
    Quanto à redução da pena máxima cominada ao infanticídio acho-a salutar. O infanticídio é um delito contra vida "sui generis"; assim o é pois, seu resultado por si só já é deveras sofrido para a autora e, em alguns casos, se assim fosse possível ( e sei que não o é), deveria haver o perdão judicial. Talvez, sem querer se extremamente benevolente, fosse o caso de reduzir-se a pena mínima para 1 ano, afim de proporcionar a suspensão condicional do processo nos casos de apenamento concreto mínimo. (artigo 89 da Lei 9099)
    Quanto a solução da co-autoria em infanticídio concordo com o brilhante colega, é a única plausível face ao artigo 0 do CPB.
    Com relação às duas soluções fornecidas pelo colega aproximo-me mais da primeira. Criar uma causa especial de diminuição de pena - infanticídio, figurando ao lado do homicídio privilegiado. Evitar-se ia relativizar o artigo 30 do CPB.
    Fato que o colega não cometeu e que eu acho interessante é a questão do estado puerperal.
    Recordo-me bem de haver lido artigo da lavara do ex.- Ministro do STJ , Luiz Vicente Chernicciaro, defendendo a supressão da expressão "durante ou logo após o parto" ou ainda a nova redação " matar o próprio filho enquanto estiver sob influência do estado puerperal da gestação que o originou."
    Esta posição não vingou, é fato, porém, creio que melhor lapidada se adequaria à noções modernas de medicina legal e psicologia forense, aplacando uma longa discussão jurisprudencial.
    Gostaria de saber a opinião, sempre esclarecedora, do querido colega.

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    A

    Aline Cechetto Beck Terça, 01 de agosto de 2000, 11h57min

    Concordo plenamente com as observações feitas pelo autor deste questionamento!
    Primeiramente saliento que nosso Código tem diversos defeitos, injustiças e controvérsias.
    NÃO CONCORDO de forma alguma com a redução da pena máxima de infanticídio de 6 para 4 anos. Porquê? Se sendo este crime semelhante ao homicídio,podendo até vir a aumentar sua pena, vem a diminuir?
    TAMBÉM NÃO CONCORDO COM A CO-AUTORIA no crime de infanticídio,pois como o próprio crime define, este ocorre por uma reação do estado puerperal da mãe, e somente dela, sendo INCOMUNICÁVEL e IMPOSSÍVEL a comunicação com este crime, cabendo, somente ao meu ver, em HOMICÍDIO.
    Espero que haja outras pessoas pensando da mesma forma,para que possamos fazer alguma coisa.

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    A

    abreu Quarta, 09 de abril de 2003, 0h59min

    concordo plenamente, e vou mais, sendo o infanticídio um crime que só pode ser cometido pela mãe estando ela sob o efeito do estado puerperal ou seja,não estando em seu estado psicológico normal, não devereia ser de competência do tribunal do júri julgar esta modalidade de crime, pois a meu ver não existe o dolo que é o pressuposto para determinar a competência do tribunal do júri. (crimes dolosos contra a vida).

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    F

    fabricio linhares / estudante de direito / pucmg Segunda, 06 de setembro de 2010, 17h14min

    Primeiramente, quero cumprimentar a todos e dizer que será um prazer participar de fóruns nos diversos ramos do direito...

    sobre o debate proposto acredito que o argumento do colega Guilherme são os mais coerentes, pelo menos com aquilo que eu penso. Se incluísse o infanticídio dentro do homícidio privilegiado (Art. 121, § 1ª), onde preve uma diminuição de pena ao agente que comete o crime sob o domínio de violenta emoção (caso da infaticida que mata o proprio filho).

    em relação ao intricado problema da co-autoria, o concurso de pessoas e teoria monistica, adotada pelo nosso ordenamento, determina que a participação é a ciente e voluntária participação de mais de 2 ou mais pessoas MESMA infração penal, ou seja, o crime é único e indivisível. Não poderia, conforme proposto pela colega que o co-autor respondesse por homicido e a autora (mãe) responde por infanticidio. Consistiria em crimes autonomos, descaracteriza o concursus delinquentium...

    Entendo que este artigo leva a uma interpretação confusa: ao mesmo tempo que "estado puerperal", consiste em condições de caráter pessoal, personalíssimo, então não se estendem aos demais, ele (estado puerberal) é elementar do crime, pois intergra a figura típica, neste caso então, estende-se aos demais consortes.

    abraços,
    fabricio

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