Caro Ângelo, advogado numa das mais pujantes cidades do interior paulista.
Concordo quase que inteiramente com suas considerações sobre o tema. Todavia, penso que ficou faltando dizer expressamente o Poder Judicíario em suas considerações, não só para fechar a trinca dos poderes constituídos de um Estado Democrático, à moda de Montesquieu, mas principalmente porque traz também ele, já por sua morosidade, já por erros mesmo, muitos prejuízos ao cidadão, devendo também indenizar, à custa de seu orçamento próprio quando for o caso.
Mas minha visita a esta página tem outro motivo. Com efeito, na parte final de seu asserto, você diz que a norma constitucional deve atingir também os concessionários de serviço público.
Não há dúvidas de que o posicionamento é acertado. Mas não pode aplicar sempre e em quaisquer casos, pelo menos segundo meu modesto entendimento, nem quando se fala em ADministração Direta, que se dirá quando houver terceirização.
É certo que o art. 37, § 6º, da Constituição trata da chamada responsabilidade objetiva do EStado. Quando tal assunto é enfocado, o que se procura afirmar é que na ocorrência de um determinado sinistro a parte prejudicada está desobrigada de provar a culpa da Administração. Mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento, e por via de conseqüência exonerar-se total ou parcialmente do dever de indenizar.
Doutrinariamente, segundo escólio de Hely Lopes Meirelles, a evolução da responsabilidade civil da Adminstração desdobra-se em três teorias: a) a teoria da culpa administrativa; b) a teoria do risco administrativo; c) a teoria do risco integral.
A primeira decorre do binômio falta do serviço-culpa da Administração. Esta teoria exige muito da vítima porque além da lesão sofrida, ainda há de provar a falta do serviço para obter a indenização. Não foi acolhida pelo nosso sistema legal.
A terceira comete à Administração a obrigação de indenizar todo e qualquer dano suportado pela vítima, ainda que resultante de sua própria culpa ou dolo. Por ser inviável e levar a absurdos foi abandonada na prática pelo nosso sistema normativo, que nunca a acolheu em sua forma original.
A segunda, chamada teoria do risco administrativo é a que melhor satisfaz. Não exige a falta do serviço público, nem a culpa de seus agentes. Centra-se exclusivamente no risco que a atividade pública gera para os administrados, dando azo a acarretar danos a alguns de seus membros. Por isso toda a coletividade é chamada à reparação, o que se faz pelos cofres públicos. Neste passo cabe a lição de Hely Lopes Meirelles:
"Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo é a que melhor satisfaz. Não exige a falta do serviço público, nem a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Admininistração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se exmirá integral ou parcialmente a indenização" (Direito Administrativo Brasileiro, 21ª Edição, Malheiros Editores, pág. 562).
É de indubitável clareza que a culpa, seja ela objetiva ou subjetiva, contratual ou aquiliana, criminal ou civil, sempre há de se apresentar sob uma das três modalidades conhecidas: imperícia, negligência ou imprudência. Tudo debaixo do nexo causal, conforme lição de Yussef Said Cahali:
"Desenganadamente, a responsabilidade objetiva da regra constitucional - concordes todos, doutrina e jurisprudência, em considrá-la como tal - se basta com a verificação do nexo de causalidade entre o procedimento comissivo ou omissivo da Administração Pública e o evento danoso verificado como conseqüência; o ato do próprio ofendido ou de terceiro, o caso fortuito ou de força maior, argüidos como causa do fato danoso, impediriam a configuração do nexo de causalidade, elidindo, daí, eventual pretensão indenizatória" (Responsabilidade Civil do EStado, 2ª Edição, Malheiros Editores, pag. 40).
E mais à frente, pág. 44/45:
"Na realidade, qualquer que seja o fundamento invocado para embasar a responsabilidade objetiva do Estado (risco administrativo, risco integral, risco-proveito), coloca-se como pressuposto primário da determinação daquela responsabilidade a existência de um mero nexo de causalidade entre a atuação ou omissão do ente público, ou de seus agentes, e o prejuízo reclamado pelo particular.
Trata-se de questão de fato, a ser investigada em cada caso concreto, de modo que, demonstrado o referido nexo, surge a obrigação de indenizar, o que inocrre se ausente sua demonstração".
Conceitualmente, imperícia é a realização de algo sem o devido conhecimento técnico, razão pela qual é debitada quase sempre a profissionais como médicos, dentistas, atiradors de elite, entre outros abalisados. Negligência resume-se em um não fazer, numa omissão (deixar uma arma carregada ao alcance de uma criança). Imprudência, um fazer sem lançar mão das cautelas exigidas objetivamente (invadir uma preferencial, praticar tiro ao alvo em local movimentado).
Portanto, mesmo em sede de responsabilidade objetiva, há que se perquirir a culpa da Administração em cada caso concreto. O que se permite é a dispensa da prova por parte do interessado; mas uma vez provando que não agiu com imperícia, imprudência ou negligência, a Administração nada deve.
Se é assim com os entes públicos por excelência, mais atenção haverá mister quando se tratar de serviços terceirizados pela Administração, como a construção de uma ponte, de um emissários de água ou esgoto, a edificação de uma praça, entre outras atividades que diuturnamente são cometidas à Administração Pública.
O que sempre será de responsabilidade da Administração Pública, pelo menos a meu sentir, é o "fato da obra", que obviamente não é a obra (ou o serviço público) em si mesmo considerados, pois tal expressão administrativa significa toda realização material da Administração em cumprimento de alguma decisão administrativa, podendo advir daí a construção de uma obra qualquer, a reparação de um edifício, uma desapropriação, entre as muitas atividades administrativas.
O que se pretende gizar com contornos bastantes é que o fato da obra presupõe fatores outros como sua localização, estudos técnicos, isto é, um "plus" além da própria obra; transmuda-se em todo o aporte técnico que viabilizará seu normal andamento.
Mas a execução do serviço tem outro tratamento. É que em casos deste jaez tais atividades somente terão lugar quando houver licitação, cujo trâmite é cuidado pela Lei 8.666/93. Relativamente à execução contratual, reza o art. 70 do mencionado diploma:
Art. 70. O contratado é responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros, decorrentes de sua culpa ou dolo na execução do contrato, não excluindo ou reduzindo essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo órgão interessado.
Sobre o assunto disserta José Cretella Júnior:
"Por danos causados à Administração ou a terceiros, decorrentes de culpa ou dolo, durante o período de execução do contrato, responde o contratado. Mesmo que haja órgãos fiscalizadores ou de acompanhamento, a responsabilidade do contratado não se exclui nem é reduzida" (Das Licitações Públicas, 9ª Edição, Editora Forense, pág. 366).
Portanto, em face da letra claríssima da lei e da posição da melhor doutrina, que independentemente do fundamento esposado manda perquirir o nexo causal em cada caso concreto, causa perplexidade as lições de administrativistas de escol, tais como Marçal Justen Filho (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 4ª Edição) e Jessé Torres Pereira Júnior (Comentários à Lei das Licitaç~eos e Contratos da Administração Pública, 4ª Edição), que talvez por menos afeitos aos direito privado, resumem seus ensinamentos exclusivamente numa apressada leitura do art. 37, § 6º da Constituição Federal, responsabilizando a Administração sem se debruçarem na teoria geral da responsabilidade, que não prescinde das modalidades da culpa e do nexo causal, e somente são aferíveis caso a caso.
Do exposto entendo que:
a) O Estado deve ser chamado a resposabilidade pelos seus atos quando se houver com culpa;
b) Há inversão do ônus da prova, já que ao prejudicado importa tão somente alegar o prejuízo, cabendo ao Poder Público o ônus de provar que não o cometeu, ou o cometeu parcialmente.
c) Não é dispensado o nexo causal em qualquer circunstância. E a culpa é aferida nas suas tradicionais modalidades: imprudência, negligência e imperícia.
d) Tratando-se de concessionários,(ou de serviços terceirizados por extensão), onde o Poder Público transfere tão somente a execução de serviços originariamente públicos a um ente privado, não há lugar para a teoria da responsabilidade objetiva.
e) A resposabilidade da Administração junge-se ao chamado fato da obra, que incidirá em qualquer caso, porque mesmo terceirizado, o projeto básico e as condições de operacionalização - como por exemplo o fechamento de uma via pública - são atos da exclusiva competência dos entes públicos.
Um forte abraço. Querendo contatar-me, além da página fica meu telefone (011) 7391-5370.