Caros colegas, estou com a seguinte situação, gostaria de saber a opinião de vcs. Uma garota entre 14 e 15 anos ficou morando na casa de um casal de idade, na condição de hóspede, por um ano. Um dos filhos deste casal possui uma loja de pequeno porte, sem registro na Junta Comercial, com apenas um funcionário, não registrado. Por problemas pessoais, a garota começou a voltar de madrugada para casa, o casal não aceitou mais sua presença e ela foi para casa de parentes. Para surpresa do casal, recebeu reclamatória trabalhista pleiteando vínculo por um ano e demais verbas, salário da categoria, horas extras... como se ela tivesse trabalhado na loja e como se esta fosse de propriedade do casal. Como devo proceder, o que poderei alegar, além do corriqueiro. Gostaria de receber opiniões. Obrigada por se interessarem pelo tema.

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    JOÃO CIRILO Sexta, 29 de junho de 2001, 12h15min

    Apresento abaixo algumas considerações sobre o tema, que se não forem úteis, espero que pelo menos não atrapalhem. Espero pelo menos ter contribuído positivamente para a troca de idéias; ou, pelo menos, que fique registrada a tentativa bem intencionada.

    I

    Antes de se enfrentar o mérito, sendo a loja de propriedade do filho do casal, a ação aparentemente foi proposta erroneamente e há ilegitimidade passiva dos idosos. Mas esta questão também pode ser derrubada pela realidade, se efetivamente havia trabalho e se os reclamados é quem dirigiam a atividade..

    Some-se a esta inconveniência o fato da empresa nem ser registrada na Junta Comercial. Sendo uma sociedade de fato, pode haver complicações bastantes se houver determinação da juntada do contrato social da empresa ao processo, pelo que, talvez, seja melhor nem argüir esta ocorrência.

    De qualquer sorte, e independentemente do contrato de trabalho, é importante saber se a menor veio a Juízo sozinha ou se alguém a assiste. A assistência neste caso é obrigatória porque o art. 402 da CLT considera menor o trabalhador de 14 até 18 anos.

    Neste sentido a lição do jurista Eduardo Gabriel Saad:

    “O menor de 18 anos para reclamar na Justiça do Trabalho, tem de ser assistido por seu responsável legal. Daí a conclusão de que sua reclamação não será recebida em juízo, se não houver tal assistência”. (CLT Comentada, 33ª Edição, Editora LTr, pág. 250)

    Se já recebida em Juízo – o que parece ser o caso – eis aí uma boa oportunidade para lançar mão do art. 13 do CPC ou até mesmo argüir extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267, IV, CPC), com espeque na lição de Nélson Nery (embora, a meu ver um pouco forçada, à luz do citado art. 13):

    “A capacidade das partes e a regularidade de sua representação judicial são pressupostos processuais de validade. A falta desses pressupostos acarreta a extinção do processo sem julgamento do mérito” (CPC Comentado, 2ª Edição, Editora, RT, pág. 359).

    De qualquer sorte, eis aqui uma questão interessante: se a menor não pode propor ação trabalhista sem assistência, uma vez regularizada a representação (se não aplicado o art. 267, IV, CPC) a demanda tem seguimento. Se a final for julgada improcedente e ainda tachando a reclamante de litigante de má-fé, quem receberia a pena do art. 18 CPC: ela ou seu assistente?

    Quero crer que seria o assistente, que em última análise é quem conduz os atos da assistida e acaba por homologá-los. Embora até mesmo o advogado seja sujeito às penas da litigância de má-fé, por meio de ação própria, apesar de respeitáveis vozes em contrário.

    II

    Quanto ao mérito propriamente dito, parece que os infortúnios do casal começaram quando a garota menor “ficou morando” na casa do casal de idosos na condição de hóspede.

    Mas hóspede é quem temporariamente se aloja em residência ou propriedade de outrem, sem ânimo de ficar, e muita vez até gozando de algumas mordomias, como normalmente acontece quando um parente goza férias na casa de outro, ou um amigo vai passar um final de semana no sítio de outro. Não há qualquer ligação com um empregado, cuja definição é dada pelo art. 3º CLT.

    Então, uma de duas: ou ela está realmente de má-fé conforme dá a entender o questionamento, ou sob o manto da hospedagem efetivamente havia um contrato de trabalho.

    E aqui, só há um jeito: provas. Se ela nunca foi na loja ou se o foi somente para passear, é claro que não deverá haver nenhuma testemunha que ateste sua jornada de labor, ainda mais as extras. Pesa em favor dos empregadores o empregado que trabalha na citada loja e que poderá esclarecer este ponto, difícil de ser contrariado por outro depoimento.

    Portanto, pelo que entendo o vínculo laboral pode ou não ser derruído mercê das provas que forem produzidas. No caso parece-me que essencialmente testemunhais além do depoimento pessoal.

    Especificamente quanto ao salário do piso da categoria há mister um questionamento junto ao órgão de classe para se saber não só o piso, mas principalmente como este piso é distribuído em face das diversas funções, que terão remunerações diferentes.

    Não é raro alguém ir a Juízo alegando uma função enquadrada pela categoria num patamar mais elevado do que realmente executa na empresa, o que não tempestivamente impugnado, de “per si” já infla eventual indenização.

    III

    Quanto ao rito sumaríssimo, não se pode perder de vista que o pedido é certo e determinado. Se assim não for, deve ser arquivado, condenando-se o reclamante ao pagamento das custas sobre o valor da causa (art. 852-B, § 1º, CLT).

    É muito importante insistir neste ponto porque sempre há aqueles que em nome da pretensa justiça, de proteção aos desfavorecidos entre outras considerações pouco felizes do gênero, costumam fazer as costumeiras peças sem nem mesmo mencionar direito o que pretendem, e muitas vezes conseguem o pretendido, mesmo atropelando a letra expressa da lei.

    Consigne-se ainda que tais causas só permitem recurso de revista "por contrariedade a súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trablho e violação direta da Constituição da República (art. 896, § 6º, CLT).

    IV

    De qualquer sorte, além do vínculo laboral há outros fatos que giram em torno da pretensa relação de trabalho, e que podem persistir apesar dela:

    a) sobre a constituição da empresa:

    É certo que as pessoas jurídicas têm existência distinta da de seus membros, conforme assevera o art. 20 do Código Civil. Mas é igualmente certo que a existência das pessoas jurídicas se inicia com a inscrição de seus contratos, atos constitutivos, estatutos ou compromissos no seu registro peculiar, conforme reza o art. 18 do mesmo Código.

    Reforça tal disposição o art. 301 do Código Comercial, o qual assevera que enquanto não for registrado o contrato, não terá validade entre os sócios nem contra terceiros, mas dará ação a estes contra todos os sócios solidariamente.

    Como se vê, inexistindo tal registro, hoje regulado, salvo engano pela Lei 8.934/94, força é convir que juridicamente a empresa não existe, pelo que as responsabilidades trabalhistas resultantes de uma eventual condenação recairão no patrimônio pessoal do empregador, pessoa física.

    b) sobre a pessoa da reclamante:

    Informa-se que a reclamante tem “uns 14 ou 15 anos”. Entretanto o art. 7º, XXXIII da CF proíbe “qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz”.

    Na linha constitucional o ECA proíbe qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz (art. 61), sujeitando o infrator às normas da legislação especial, sem prejuízo no disposto naquela lei (art. 62), embora, salvo engano, não haja no Estatuto do Menor qualquer sanção cominada a tal prática.

    Na CLT encontramos a penalidade imposta pelo art. 434, consistente em uma multa de 1 salário mínimo por menor empregado em desacordo com a lei

    Embora o Ministério Público do Trabalho obviamente tenha interesse em casos desta espécie, parece-me que este transparecerá com maior ênfase quando houver um número significativo de menores, embora tenha para mim que a atuação individual também seja perfeitamente factível, a teor do art. 6º, VII, c) da LC 75/93, que tem a seguinte redação: “compete ao Ministério Público da União promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor”.

    Penso que a possibilidade de atuação num caso único pode ser estribada no art. 793 da CLT, porque se o MP pode ajuizar ação trabalhista na qualidade de substituto processual, que é o menos, certamente poderá ajuizar inquérito ou ação civil públicos por ofensa direta ao texto constitucional, que é o mais. Pelo menos segundo meu juízo.

    c) Sobre o empregado sem registro:

    Anota-se também que a loja tem um empregado sem registro. Evidentemente que tal situação não serve para desconsiderar o vínculo empregatício, porque o contrato trabalhista não impõe quaisquer formalidades para se aperfeiçoar, bastando tão somente as situações fáticas apontadas pelos arts. 2º e 3º da CLT.

    Por outro giro, se a falta de anotação na carteira em nada significa acerca do contrato laboral em si, o empregador pode sujeitar-se a reclamação trabalhista específica para fazer valer a anotação na CTPS, caso haja recusa do empregador em fazê-lo, nos termos do art. 36 da CLT.

    Atenciosamente,

    João Cirilo

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