Tenho um cliente (empresa) que está com sérias dificuldades pois contratou alguns PM´s e Guardas Metropolitanos para "bico". Não podendo mais mante-los, dispensou-os. Um mês após as reclamações trabalhistas começaram a chegar. É lícito um funcionário público requerer registro em carteira e demais direitos trabalhistas, quando na verdade já possui um emprego público? O combinado é trabalhar e receber por dia. É lícito transformar isso em salário e requerer verbas rescisórias e indenizatórias? Como posso defender meu cliente? Há legislação pertinente tanto para um lado como para outro?

Respostas

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    JOÃO CIRILO Terça, 03 de julho de 2001, 19h41min

    Seguem abaixo algumas considerações, que espero sejam de alguma valia.

    I

    Estabelece o art. 42, § 3º da Constituição Federal que “o militar que aceitar cargo público civil permanente será transferido para a reserva”. Por sua vez o § 4º do mesmo dispositivo assinala que “o militar da ativa que aceitar cargo, emprego ou função pública temporária não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nesta situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a inatividade”.

    Por seu turno, a Constituição do Estado de São Paulo apenas remete o assunto à Lei Orgânica e ao Estatuto da Polícia Militar, conforme se vê do art. 41 e seu § 2º, dispositivos estes certamente fundamentados no art. 144, § 7º, da Lei Maior.

    No art. 42, § 3º acima transcrito a CF faz referência a cargo público. Já o § 4º fala em cargo, emprego ou função pública temporária. Tais conceitos têm natureza eminentemente administrativa.

    Com efeito, segundo Diógenes Gasparini “cargo público é o menor centro hierarquizado de competências da administração direta, autárquica e fundacional pública, criado por lei ou resolução, com denominação própria e número certo”. (Direito Administrativo Brasileiro, Editora Saraiva, 5ª Edição, 2000, pág. 223).

    Segundo o mesmo conceituado administrativista, “emprego (público) é o centro de encargos para ser ocupado por servidor contratado pelo regime celetista”. (obra citada, pág. 152).

    Por seu turno, função pública temporária, como o próprio nome vem dizer, são aquelas atividades prementes e necessárias na Administração Pública, que sem embargo de exigirem solução não pedem uma estrutura perene, tal como se dá, vg., em uma campanha de vacinação, de desratização, entre outras atividades transitórias.

    O que se quer demonstrar é que as atividades constitucionalmente permitidas aos policiais militares serão sempre interligadas ao serviço público, nunca na iniciativa privada, pelo menos pelo que me pertine à vista do texto da Carta.

    E mesmo que se quisesse interpretar o § 3º do art. 42 de forma mais ampla, procurando entender erroneamente que o “cargo público civil” a que se refere o texto seja as atividades comuns da vida privada, isto não seria possível, pois vem o adjetivo “permanente” por cobro a tal situação, vez que o problema é expresso ao dizer que os policiais faziam “bico”.

    II

    Se correto meu raciocínio, não deveriam estar os policiais militares (e por extensão os guardas metropolitanos porque a gênese a meu ver é a mesma), desempenhando tais funções.

    Mas estavam. E a princípio para o Direito do Trabalho penso que tal irregularidade é indiferente uma vez presente a relação de emprego, cuja tipificação é dada pelo art 3º da CLT: a) pessoalidade; b) habitualidade; c) dependência; d) salário, que evidentemente pode ser diário, semanal ou mensal, dependendo da forma contratada.

    Talvez se possa defender que não haja dependência, uma vez que a atividade principal dos vigilantes é perante sua corporação. Mas conforme ensina o conceituado Eduardo Gabriel Saad “a dependência, reconhecida pela lei e pela doutrina é a jurídica. Por força do contrato firmado com a empresa, o empregado se obriga a cumprir suas determinações, o que, em essência vem a ser a dependência jurídica encontrável em todo e qualquer contrato de trabalho” (CLT Comentada, 33ª Edição, 2001, pág. 30).

    Esta convicção ainda mais se firma à leitura do art. 9º celetário que reprocha de nulos quaisquer atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos de proteção ao trabalhador.

    III

    Embora aquelas observações postas acima eventualmente possam impressionar aquele radical aplicador do direito trabalhista em quaisquer situações onde presentes os requisitos da configuração do empregado (art. 3º CLT) e empregador (art. 2º CLT), no caso concreto e muito modestamente tenho outro pensar.

    Em primeiro lugar o art. 9º não vive sozinho no ordenamento jurídico, o que é um truísmo. No meu entender, pela própria redação do mandamento penso que há mister dolo daquele que se aproveita da situação do empregado, porque só pode agir de má-fé quem desvirtua, impede ou frauda, que são as condutas típicas desabonadas pela lei.

    Assim, penso que só teria lugar a aplicação do art. 9º se houvesse deliberada vontade do contratante em ajustar a mão-de-obra com o deslavado propósito de aproveitar-se dela e não lhe pagar os direitos trabalhistas.

    Parece que isto é quase impossível, dada a natureza objetiva do problema, pois mesmo que se porventura o comerciante pretendesse contratar tais pessoas como vigilantes do estabelecimento como seus empregados, por certo haveria recusa, pois desempenham outra atividade tida como principal.

    Mas por outro giro, soubesse o comerciante dos impedimentos a que os seus contratados estavam expostos haveria de contratá-los? Por outra, teria o comerciante a obrigação legal de conhecer os impedimentos de seus contratados?

    Todavia, qualquer que seja a resposta para ambas as indagações, força é convir que os contratados não poderiam desconhecer os impedimentos que defluem de seus respectivos estatutos.

    Desta sorte, considerando que os policiais são impedidos de desempenhar funções de natureza civil (o que evidentemente só se saberá consultando seus respectivos estatutos e a lei orgânica), não poderiam eles desconhecer a proibição, que por praxe vem claramente escrita.

    Ora, se sabiam do impedimento – sempre partindo do pressuposto que o trabalho é proibido, à luz do item I acima – agiram com dolo, por ocultarem um dado essencial e dando azo à aplicação do art. 94 do Código Civil, para quem “nos atos bilaterais o silencio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela se não teria celebrado o contrato”. E uma vez feita esta prova “os atos jurídicos são anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”, nos termos do art. 92.

    IV

    Pelo exposto, imagino eu que se formalmente houver um contrato de trabalho típico, pois afinal presentes os requisitos do art. 3º CLT, entendo que possa haver uma anulação desta modalidade contratual porque dolosa a atitude dos vigilantes ao omitirem o fato impeditivo da contratação, que se tempestivamente comunicado evitaria o aperfeiçoamento das avencas; desde, é claro, que tais atividades civis sejam realmente proibidas como parece apontar o texto constitucional.

    Atenciosamente,

    João Cirilo

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    Wilson Reis Domingo, 15 de julho de 2001, 6h04min



    Inicialmente cumpre-se ressaltar o brilhantismo com que se houve o ilustre colega Dr. João Cirilo ao dar seu parecer para o caso em pauta.

    Estou inteiramente acordo com toda fundamentação legal exposta por ele. Todavia, ousamos discordar "datissima venia" de sua conclusão, de que seria o caso de anulação de dita contratação, com fincas no fato dos empregados terem omitido do empregador a proibição legal para a contração.

    Sem enriquecimento de fundamentos legais, até porque estou em minha residência, já amanhecendo o dia de domingo (15.07.01).

    O direito do trabalho tem como princípio basilar a "primazia da realidade". Assim sendo, se a situação caracteriza uma relação de emprego conforme confessa a nobre colega que fez a consulta, nos moldes do art. 3º da CLT. o vínculo empregatício fatalmente será reconhecido judicialmente, não sendo excludente da relação de emprego o fato dos empregados omitirem do empregador o o impedimento legal a que estavam a ele impostos por seu estatuto profissonal.

    Realce-se a legalidade da atividade comercial praticada por eles, o que lhes restará tão-só e possivelmente, punição disciplinar a que estarão sujeitos perante a corporação militar a que pertencem, um fato alheio à discussão trabalhista proposta.

    Caso contrário estaria se propiciando o enriquecimento sem causa do empregador que, não pode permitir que o empregdo inicie suas tarefas, sem antes tomar as providências legais, dentre elas a anotação da CTPS.

    Se assim não procedeu, na verdade houve conluio entre ambos, com o propósito de lesar tanto o fisco previdenciário, fiscal, Estadual e Federal

    Esta situação também ocorre em Belo Horizonte, com regularidade, pelos vários motivos que todos conhecemos, baixos salãrios dos militares, e este tem sido o entendimento preponderante do Egrégio TRT da 3a. Região.

    Evidntemente que, como procuradora do empregador a nobre colega deve abraçar a tese esposada com supedãneo jurídido, pelo colega Dr. Cirilo

    Somente achei por bem emprestar minha colaboração, para que a situação seja analisada pelos dois ângulos na hora de se decidir por um possível acordo.

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    JOÃO CIRILO Sexta, 03 de agosto de 2001, 10h36min

    Caro colega Wilson:

    Somente agora tomei conhecimento de suas observações às minhas modestas notas colocadas nesta página. Estava com problemas no meu correio eletrônico e não pude consultar as mensagens recebidas.

    Quanto a visitar a "jus navigandi" vejo que está se tornando cada dia mais enfadonho e inaproveitável, não por parte de pessoas como vc e nem por culpa da página, que oferece um rico manancial de questões a serem debatidas.

    Debates! Aí é que está o problema. De uns tempos a esta parte só tenho visto pessoas com problemas práticos a serem resolvidos, e o que é pior, nem mesmo se dão ao trabalho de informarem que pelo menos receberam algum material e se prestou para alguma coisa. Tudo ao lado dos indefectíveis serviços tipo "ganhe dinheiro fácil fazendo tal coisa".

    A todas essas tenho evitado de vir ao fórum para ver se há novidades interessantes, e assim não pude me inteirar de seus comentários.

    Entretanto, queira me desculpar mas mesmo no ponto em que vc parece discordar de mim, na verdade não o faz. No sentido das elementares do contrato de trabalho e de como ele é visto pela Justiça Trabalhista, note minha conclusão, que tomo a licença de reproduzir:

    "Mas estavam. E a princípio para o Direito do Trabalho penso que tal irregularidade é indiferente uma vez presente a relação de emprego, cuja tipificação é dada pelo art 3º da CLT: a) pessoalidade; b) habitualidade; c) dependência; d) salário, que evidentemente pode ser diário, semanal ou mensal, dependendo da forma contratada".

    Por outro lado (o que também não lhe passou despercebido), estava fazendo alguns apontamentos para a advogada do reclamado, onde procurava mostrar o outro lado da questão, fincando pé na conduta no mínimo irresponsável dos reclamantes, que mesmo - provavelmente - proibidos por seus estatutos, estavam desempenhando outras funções.

    No entanto, se da interessada não recebi sequer um comentário, ainda que para rebater minha tese (nada incomum para uma página de debates), sinto-me realizado por saber que um colega aí das Gerais tomou conhecimento da matéria e se dispôs a comentá-la.

    Muito obrigado. Por tais atitudes a gente até se anima a uma ou outra passada de olhos pela página.

    Abraços

    João Cirilo

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    João Celso Neto Sábado, 01 de setembro de 2001, 15h55min

    Dr. Xará Cirilo:

    Sinto-me compelido a endossar duas de suas afirmativas:

    a) tem sido, também para mim, frustrante entrar em certos debates nos fóruns do JN, malgrado seja este portal muito bem intencionado e já haja contribuído para propiciar excelentes serviços à justiça brasileira (ver os artigos da página principal).

    A culpa, se se pode dizer assim, é de quem se aproveita do espaço cibernético para resolver suas urgências ou necessidades, nem sempre esclarecidas suficientemente. Minha experiência pessoal tem sido, até certo ponto, diferente, com notícias do recebimento, agradecimentos e palavras simpáticas.

    Tenho lido algumas propostas de "temas para debate" que nem são temas nem suscitam debate. Outros temas, quando se dá uma opinião, têm resultado em maus momentos porque o "debatedor" quer apenas impor seu ponto de vista. Alguns chegam a ponto de negarem o que escreveram e ainda está na internet.

    Por esta razão, tenho me contido o quanto posso em entrar em debates. Se o faço, quase sempre, é levado pela intenção de ampliá-lo, dar uma opinião e / ou ponto de vista complementar ou paralelo. E, principalmente, no afã de aprender um pouco mais, o que é sempre bom, e só se logra este intento com a discussão ("da qual nasce a luz", já diziam os antigos). Casos cada vez mais raros são encontrar quem traga propostas claras e sugestões equilibradas.

    b) estou plenamente de acordo em que PM e GM não podem ser empregados celetistas. Nulos seriam tais contratos de trabalho. O que a justiça do trabalho pode, e talvez faça, é reconhecer que os dias trabalhados (ainda que ilegalmente), para afastar o enriquecimento ilícito de quem daquela força de trabalho se beneficiou, são devidos. E somente o "salário" dos dias trabalhados, sem Aviso Prévio, 13o., férias, FGTS ou qualquer outra verba trabalhista rescisória. Caso freqüente é de Prefeituras que, ao arrepio da CF, contratam sem concurso. Os dias trabalhados são devidos, o contrato anulado e nada mais é devido. Talvez ai esteja o que o colega de Belo Horizonte abordou (algo é devido, mesmo em um contrato nulo).

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